Destaques

segunda-feira, julho 30, 2007

O Baixinho que não era da Kaiser

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

Assim como fiz quando o amigo Cícero se foi, registro aqui o falecimento do Baixinho, que morava no porão do Bar do Vavá, no bairro de Pinheiros, em São Paulo - reduto tradicional dos futepoquenses. A nota trágica é que o Baixinho, ou Argentino Dahger (sim, esse era seu nome real), morreu atropelado no início da madrugada de quinta-feira, 26 de julho, em frente ao próprio boteco, na rua Fradique Coutinho, quase esquina com Teodoro Sampaio. Estava na banca de jornais batendo papo, do outro lado da rua, quando decidiu voltar para o bar. Nesse exato e fatídico instante, algum filho-da-puta (desculpem-me o desabafo) veio a toda velocidade em um Fiat Dobló cinza e o pegou. A morte foi instantânea. Ninguém anotou a placa. O assassino fugiu.
Argentino, apesar do nome, nasceu no interior da Bahia, há 62 anos. Como tantos retirantes, veio para o "Sul Maravilha" ganhar dinheiro. Foi metalúrgico e colega de trabalho do presidente Lula na Villares, no ABC paulista. Me contou que nas férias voltava todo prosa para sua cidadezinha, com o bolso cheio. Teve muitas mulheres, filhos e não vivia mal. Porém, como diz Chico Buarque, "eis que chega a roda-viva" e um dia Argentino decidiu abandonar o emprego com carteira assinada para montar um negócio próprio: barraquinha de camelô no Brás (onde vivia sua irmã gêmea). Perdeu dinheiro e foi aí que sua vida desandou. Ele mesmo me disse que a cachaça influiu no processo.
Há cerca de dois anos, estava vivendo de olhar carros em Pinheiros e dormia em albergues públicos. Foi então que conheceu o João, irmão do Vavá, que permitiu que ele morasse no porão do bar, onde passou a ter alimentação gratuita (os irmãos já haviam feito isso por muitos outros). No fim de sua existência, Argentino era do tipo que, como disse o poeta Vinicius de Moraes na letra de "Um homem chamado Alfredo", é "gente que a gente não vê/ porque é quase nada". O fato de ter sido atropelado de forma tão estúpida e gratuita me lembrou outra música, "Manjedoura", de Kleber Albuquerque, pois fala daqueles que vêm ao mundo em situação tão frágil que só lhes restam "segurar na mão distraída de Deus". E que distração...
Ao Argentino, nosso querido Baixinho, reproduzo abaixo a letra da canção como última homenagem. Um abraço sincero. E até um dia!

Ferve o pano de chão, prepara a manjedoura
Que vem chegando mais um pra dividir o cafofo
Mais uma boca no mundo
Mais um pra ficar gritando
Mais um perdido na vida
Mais um porteiro de prédio, se estudar!

Ferve o pano de chão que longe vêm os reis magos
Eles trazem farinha, fumo, metralhadora
Chama o pai do garoto pra conhecer o bastardo
Que vem mais um quase-nada
Mais um pra chorar de fome
Mais um pra levar tiro

Mais um servente na obra
Mais um bandido no morro
Mais um perdido na vida
Mais um pouco
Mais um torto
Pra se segurar na mão distraída de Deus

0 comentários: