Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook
Até o São Paulo admite: teve dinheiro público para a construção do Cícero Pompeu de Toledo, conhecido como estádio do Morumbi. A conclusão de uma auditoria interna do clube corrobora o que fora afirmado há dois meses em reportagem da ESPN. Confirma o que muita gente sabia e que até Juvenal Juvêncio, em entrevista de novembro de 2008, admitia.
Laudo Natel (
foto) era governador de São Paulo de 1966 a 1967 e de 1971 a 1975, ambos os períodos durante a ditadura militar. Antes, havia sido dirigente do São Paulo. E garantiu facilidades para a obra no Jardim Leonor (segundo a busca de
CEP dos Correios), próximo à Vila Sônia. Consta que havia até liberação de material de construção por parte do setor público.
A versão oficial do clube saiu no
Estadão neste domingo, e vários outros veículos seguiram-lhe à cola. Um relatório encomendado pela diretoria tricolor aponta que 4,54% do custo do Morumbi teria vindo da prefeitura e do governo do estado.
As "irrisórias" quantias, segundo termos do estudo, seriam de Cr$ 11 milhões, das administrações municipal e estadual em 1956 e 1958 (Cr$ 5,5 milhões para cada instância). Consta ainda que projetos de lei na Câmara de Vereadores paulistana aprovaram Cr$ 10 milhões (PL 301/1956) e Cr$ 50 milhões (PL 261/1960) ao Tricolor. A reportagem não esclarece por que esses outros valores, bem mais expressivos, não foram liberados. Nem comenta os rumores sobre desvios e facilidades atribuídas (e não comprovadas) à gestão de Natel.
No relatório, consta que o que bancou as despesas foram a venda de carnês, espaço publicitário, cadeiras cativas e camarotes. Na biografia de Natel custo de US$ 70 milhões na obra. Pela "auditoria" atual do clube, US$ 3 milhões teriam vindo dos cofres públicos.
Usando a
calculadora do cidadão, do Banco Central, com valores corrigidos pelo IPC-SP da Fipe (o único índice da calculadora disponível desde aquela época), tem-se:
- Cr$ 5,5 milhões em 1956 valeriam R$ 1,3 milhão.
- Cr$ 10 milhões em 1956 representariam R$ 1,2 milhão.
- Cr$ 50 milhões em 1960 equivaleriam R$ 2,3 milhão.
Mesmo somando o que o clube diz que não recebeu, é tudo muito mais baixo do que os valores mencionados atualmente para obras do estádio do Corinthians.
Oportunismo pouco é bobagem
Os são-paulinos sofrem a acusação de terem obtido recursos do erário público desde a época da construção. O tema sempre foi meio tabu e motivo de negativas.
Menos de
uma semana depois de o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (ex-DEM, a caminho do PSD) ter sancionado lei que concede incentivos fiscais de R$ 420 milhões para um estádio orçado em R$ 820 milhões (segundo o
Lance!), o São Paulo reconhece que usou dinheiro público.
Mas só 4,54%, hein?
Um arguto tricolor arguirá: o que é isso perto do que pode chegar a 51,2% que terá o prometido estádio do Corinthians em Itaquera, zona leste da capital? E olha que a estrutura provisória pode demandar R$ 70 milhões, custeados pelo governo do estado de São Paulo na conta da Copa (a "pegadinha" que diferencia o custo-Copa do investimento em obra privada está explicada
aqui). Proporcionalmente, é mais que dez vezes, exclamará o torcedor à mesa de bar.
O
são-paulino Kassab, sem querer, ofereceu uma redenção ótima para seu clube do coração. Longe de ser sua intenção (já que anda orgulhoso de repetir a fórmula aplicada à
Nova Luz), a oferta de Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CID) permitiu esse, digamos, efeito colateral.
Até a Lusa!
Se Corinthians e São Paulo locuperaram-se (ou locupletar-se-ão) de apoio governamental, um terceiro clube da capital enfrenta questionamentos do mesmo gênero. O Canindé, da Portuguesa, estaria construído em terreno público. Pelo menos uma parte dele, na
visão do Ministério Público Estadual.
A cobrança de aluguéis atrasados giraria em torno de R$ 9,8 milhões referentes ao período posterior a 2008. A área foi concedida em 1996, mas o plano diretor da cidade de 2002 exigiria o pagamento da contrapartida pela cessão do terreno. A Lusa diz estar
tranquila de que tudo está certo por ter recebido a área em comodato.
Foto: Divulgação
Dinheiro público para o Itaquerão (ou Fielzão):
livrou a barra dos são-paulinos
É mais embaixo
(atualizado às 17h40)
Para ter certeza de que o são-paulino se sinta desconfortável pela quase redenção pela via corintiana, cabe um adendo. Em setembro de 2010, o Promotoria de Habitação e Urbanismo da Capital do Ministério Público Estadual, instaurou inquérito para apurar detalhes sobre a doação do terreno na Vila Sônia. Segundo investigação preliminar, faltavam duas contrapartidas prometidas pelo São Paulo, um parque infantil e um estacionamento de 25 mil metros quadrados. Irregular ou não, o fato é que a arena foi erguida também em terreno público.
Ao mérito
Vale explorar o funcionamento dos CIDs oferecidos. Os certificados são oferecidos pela prefeitura aos investidores para descontar impostos pagos. Eles pagam os tributos mas recebem os certificados, corrigidos a juros, que funcionam de modo semelhante aos títulos de dívida pública. Eles permitem ao detentor dos papéis ao final do período recuperar o valor reajustado.
Mais ou menos assim: o empreendedor pega o documento oficial com valor de face igual "X", vende a quem quiser comprar no mercado por "X" menos um deságio. No final do prazo determinado (no caso, 10 anos), quem tiver aquilo em mãos leva o valor de "X" mais todo juro acumulado. Quer dizer, o cidadão ganha a soma dos juros mais o deságio que deixou de pagar lá no começo.
Os R$ 420 milhões são teto e dependem de haver despesas de ISS e IPTU nos próximos dez anos para serem descontados. Eles vão chegar lá. Tecnicamente, não é investimento público mas renúncia fiscal – a prefeitura devolve o que receber; mas nada receberia se nada fosse construído. O problema é que, na prática, o que sai do erário é mais caro lá na frente, por causa dos juros.
Dinheiro público em obra particular é uma polêmica ruim de entrar. Quando acontece, alguém sempre pode lembrar que não é a primeira vez. E provavelmente não será a última.
No caso da Copa do Mundo, os gestores mantém o discurso: dinheiro recolhido de impostos do cidadão não vai bancar estádio particular. Mas tudo bem arcar com despesas para infraestrutura temporária, porque isso "volta" com outros tributos recolhidos durante os eventos, dizem os mesmos administradores de diferentes esferas de governo.
O cálculo é semelhante ao investimento em grande prêmio de automobilismo ou outros eventos que atraem turistas e movimentam a economia local.
Aí, entram em campo as "contas de chegada" para justificar um investimento e provar que tudo será compensado com folga pela geração (sic) de emprego diretos e indiretos, pelo giro do comércio e serviços etc.
Só que a argumentação para livrar-se de críticas em relação à Copa serve para minimizar outras "ajudinhas" do poder público.
Então, esse post serve pra duas coisas. De um lado, reclamar do oportunismo de aproveitar a liberação de verbas para a Copa para redimir apropriações privadas do dinheiro público. De outro, para lembrar que existem formas muito diferentes de essa transferência ocorrer – e eu não sou o mais qualificado para apontar quais são as modalidades mais ou menos nobres de se adonar do dinheirinho que, no fundo, no fundo, era do povo.
Mas posar de bom moço numa hora dessas fica feio.