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segunda-feira, abril 27, 2015

Obdulio Varela uniu o time campeão mundial de 1950 em bar uruguaio - e se arrependeu em bares brasileiros

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No cartaz do filme, o chute de Ghiggia
Ontem assisti, finalmente, o documentário "Maracanã" (ou "Maracaná", como grafam e pronunciam os uruguaios), sobre a Copa do Mundo de 1950, de autoria de Sebastián Bednarik e Andrés Varela. Foi uma revelação, para mim, descobrir o quanto Obdulio Varela, capitão da Celeste, foi absolutamente determinante em toda a campanha vitoriosa dos portenhos, da fase preparatória ao título. Até então, eu achava que ele tinha sido fundamental apenas na partida decisiva, considerada uma das maiores "zebras" da história do futebol mundial em todos os tempos, quando comandou como um leão raivoso seus companheiros a uma virada absurdamente improvável. Mas o documentário narra uma responsabilidade muito mais significante e abrangente desse mulato, filho de uma lavadeira negra, na maior conquista futebolística (e, por que não, patriótica) do Uruguai.

Obdulio usava sobrenome materno
Aliás, o orgulho que o jogador tinha de sua mãe e do sacrifício que ela fez em sua infância miserável era tão grande que ele não usava o sobrenome do pai, Muiños, mas o materno, Varela. Criado nas ruas de Montevidéu, Obdulio tinha um temperamento "chucro", zangado e determinado, com cara "de poucos amigos", que impunha temor e respeito. Caráter determinante para que liderasse, em 1948, uma inédita greve dos jogadores de futebol no Uruguai, que durou mais de sete meses, até que os clubes concedessem as reivindicações que extinguiram um regime profissional quase que escravocrata imposto até então. Porém, como era de se esperar, o líder grevista Obdulio ficou marcado - e foi afastado da seleção. Só que, às vésperas do Mundial do Brasil, a Celeste estava muito mal, com jogadores fora de forma, desunidos, sem comando e sem dinheiro. A ressaca da greve de 1948 era forte - e eles iam passar vexame.

O então presidente Luis Batlle Berres
Todos imploraram para que Obdulio voltasse à seleção, mas, orgulhoso, ele negou. Foi preciso que o próprio presidente do Uruguai na época, Luis Batlle Berres, fosse atrás dele para convencê-lo. "Tenho 36 anos e não tenho nada. Só peço um emprego", impôs Varela. "Terá", garantiu Batlle. E a primeira tarefa do "jefe" (chefe), como era chamado, foi extinguir de uma vez por todas as desavenças no elenco que iria à Copa. Muitos dos atletas tinha furado a greve de 1948, e eram desprezados e evitados pelos outros. Um deles era Matías Gonzales, o zagueiro que seria peça crucial e considerado um dos melhores jogadores do torneio. Obdulio Varela chamou todo mundo para um bar, em Montevideu, e, no meio dos "inimigos", sentenciou: "Chega disso. Nós somos todos uruguaios e vamos ganhar a Copa juntos. Agora, cerveja pra todos, amigos". O grupo se uniu e criou um vínculo patriótico ali.

Diário do Rio: 'O Brasil vencerá!'
O resto é mais ou menos conhecido. Obdulio comandou reações "impossíveis" como o empate em 2 x 2 com a forte Espanha e a virada heróica na vitória por 3 a 2 sobre a Suécia (ambos os jogos no Pacaembu), e praticamente "obrigou" seus colegas a virarem o jogo contra o Brasil no Maracanã lotado com mais de 200 mil pessoas, sendo que o anfitrião tinha a vantagem do empate e abriu o placar. Na véspera da decisão, o jornal carioca Diário de Notícias havia estampado um pôster da seleção brasileira com o título: "Eis os campeões do mundo!" No local onde estavam hospedados, os jogadores uruguaios aguardavam a partida já com uma sensação de dever cumprido, de que "fomos longe demais, está muito bom; se o Brasil ganhar será apenas a lógica". Obdulio abriu a porta do quarto onde estavam e jogou o jornal violentamente contra a parede. "Leiam!", ordenou.

Augusto (à esquerda) e Obdulio Varela
Naquele momento, os defensores da Celeste ficaram "com o sangue nos olhos", como se diz atualmente. Aliás, dizem que, segundos antes de começar o jogo, ao cumprimentar o capitão brasileiro, Augusto, e notar seu sorriso de "campeão", Obdulio teria dito a ele, rangendo os dentes: "Vais llorar lágrimas de sangre"" ("[Você] Vai chorar lágrimas de sangue!"). Depois que o Brasil fez 1 x 0 no início do segundo tempo, com o atacante Friaça, o capitão uruguaio resolveu intervir diretamente. Berrou aos companheiros: "Nós, uruguaios, entramos em campo para ganhar ou ganhar!" Até ali, o lateral-esquerdo brasileiro Bigode vinha fazendo marcação implacável sobre os atacantes da Celeste que caíam pelo seu setor, com entradas duras. Depois de mais uma delas, recebeu um "tapinha" intimidador de Obdulio, que vociferou em sua cara, com os olhos faiscando: "Calma, muchacho!"

Bigode levou 'tapinha' e murchou no jogo
Bigode murchou completamente e Ghiggia passou voando por ele duas vezes, primeiro para dar a assistência ao empate uruguaio, num chute forte de Schiaffino, e depois para marcar o gol que ficará entalado eternamente na garganta e na alma de toda uma nação. A vitória uruguaia era tão estapafúrdia e inacreditável que o presidente da Fifa (e idealizador das Copas do Mundo), Jules Rimet, ficou parado com a taça na mão, no meio do campo, sem saber o que estava acontecendo nem o que fazer. Quando ele deixou as tribunas para pegar o túnel que o levaria ao gramado, o Brasil vencia o jogo e a multidão brasileira urrava em delírio. Ao subir para a premiação, viu jogadores do Uruguai pulando, brasileiros chorando e os 200 mil torcedores em absoluto - e assustador - silêncio. O documentário mostra Obdulio literalmente arrancando a taça das mãos de Rimet, que permaneceu mudo e abestalhado. Nada daquilo estava no script.

Tragédia: brasileira chorando no Maracanã
Sem dinheiro e abandonados (porque, prevendo derrota, metade dos dirigentes da seleção uruguaia tinha embarcado de volta ao seu país antes da decisão!), os heróis da Celeste não tiveram direito nem a um jantar da vitória. Precisaram fazer uma "vaquinha" do próprio bolso para comprar salgadinhos e cervejas para a modesta comemoração em um quarto de hotel. Mas houve uma ausência: de temperamento completamente diferente dos companheiros, Obdulio Varela saiu pela noite do Rio de Janeiro, sem ser reconhecido, para tomar cerveja sozinho nos bares cariocas. Conforme relataria em seu país, ficou assombrado com o tamanho do desespero dos brasileiros que afogavam as mágoas naquela noite. Porque, para ele, tinha sido apenas um jogo de futebol, e haveria outros, para possível desforra. "Se eu soubesse a dor que causaria a essa gente tão boa, não teria ganhado o jogo", diria mais tarde, ao recordar que, em muitos bares, abraçou bêbados e chorou junto com eles.

ASSISTA O DOCUMENTÁRIO:

 


 E LEIA TAMBÉM:











quinta-feira, agosto 14, 2014

Mídia já incensa 'Madre Marina de Calcutá'

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Dando sequência à precisa análise do camarada Di Massad, em outro post feito hoje (clique e leia aqui), sobre os possíveis cenários políticos após a trágica e inimaginável morte do candidato à presidente Eduardo Campos, registro aqui algumas pistas do que pode acontecer - ou já está acontecendo - no pós-susto. Parece nítido que, apesar da hesitação e dos (justos) receios (e interesses) do PSB, a mídia passou a fazer campanha aberta pela oficialização de Marina Silva como candidata. A Folha de S.Paulo crava, como complemento de sua manchete sobre a fatalidade, que "rivais preveem Marina como candidata", e o Estadão, mais contido (mas não menos "militante"), insinua na linha fina que "Marina Silva é apontada como sucessora natural de Campos".

Pois é. Parece que o mau desempenho de Aécio Neves no Jornal Nacional, que sofreu uma saraivada de críticas nas redes sociais até do próprio povo pró-PSDB e/ou antipetista, em contraposição à boa participação de Eduardo Campos no mesmo programa, na noite imediatamente anterior à tragédia, já indicava que muitos setores midiáticos poderiam pular do barco tucano para o lado PSB da força na campanha contra Dilma Rousseff. Porém, não houve tempo para constatarmos essa tendência. Mas a "torcida" implícita por Marina, nos veículos de imprensa, demonstra que o moral de Aécio está mesmo caindo pelas tabelas. Porque Marina, de uma hora pra outra, transformou-se em "mártir sofredora" e herdeira quase que "religiosa" do legado do "santo" Eduardo.

Exagero? Como bem comentou Massad, "o corpo fechado da acreana, que chegou a ser convidada por Campos para ir a Santos mas não foi, pode grudar como um estigma metafísico" (o grifo é meu). Sem disfarçar, o Estadão estampa hoje, na página H-5 de seu caderno especial sobre a morte de Campos, uma notícia - sobre o fato de Marina ter desistido de viajar no fatídico avião - que tem como parte da linha fina a informação de que ela "diz que aprendeu a confiar nos ideais do aliado". Olha aí, já botou a mão no "andor" do legado político(-religioso?) do finado! E o mais impressionante, que, por experiência profissional em redações e fechamentos de edições jornalísticas, me recuso a crer que tenha sido "por acaso", é a foto gigantesca de Marina que ilustra a notícia:


É ou não é a mais perfeita e acabada representação da nova "Madre Marina de Calcutá"? Como disse, uma figura de mártir - e com uma estratégica imagem "bíblica" de dor e sofrimento ao fundo, com um homem consolando uma mulher. E o que mais importa: de alguém que agora tem que superar essa dor para o "sacrifício" de uma "missão": a de "redimir" o Brasil e a política (empunhando o sacro-estandarte de Eduardo Campos). Delírio? Paranoia? Mistificação? Pois ontem mesmo, dia da tragédia, a faxineira de uma colega minha compareceu a uma reunião de pais numa escola pública da periferia (pobre) da capital paulista. Entre dezenas de opiniões (unânimes), ela ouviu mais ou menos o seguinte: "Coitado, esse homem era sério. Era o único que prestava"; "Agora a Marina fica no lugar dele. A gente já tem em quem votar"; "Ela não tem partido, não faz essa sujeira da política que o PT e o PSDB fazem. Ninguém aguenta mais, tá na hora de mudar". Pois é...

PEÇAS QUE SE ENCAIXAM (?) - E já que esse meu post parte para a mais deslavada e rasteira teoria da conspiração mística-metafísica-midiática-eleitoral, não posso deixar de juntar mais peças no meu (delirante) quebra-cabeças. No início deste ano, um colega conversou com um figurão do agronegócio paulista, que revelou, em off, que a campanha deles neste ano é para tirar tanto o Geraldo Alckmin do governo de São Paulo quanto a Dilma da presidência da República. O motivo? Em terras paulistas o agronegócio teve 30% de prejuízo com o racionamento de água, "obra" do governo tucano. E em nível nacional a proposta é ter um governante que invista fortemente no velho pró-álcool, para alegria dos usineiros e produtores de cana-de-açúcar do interior de São Paulo. Pois bem. Sem entrar no mérito de quem eles estariam apoiando em São Paulo, contra o PSDB, a tragédia de ontem trouxe a tona uma informação bem interessante nos jornais de hoje:

Jato acidentado pertencia a um grupo de usineiros

A aeronave que transportava Eduardo Campos e sua equipe, da Cessna Aircraft, havia sido arrendada do fabricante pela AF Andrade Empreendimentos e Participações Ltda., empresa do grupo Andrade, de Ribeirão Preto.
(Trecho de notícia assinado por Renato Alves na página H-4 do Estadão de hoje)

Repito: delírio, paranoia, mistificação? Tudo junto? Nada disso? Então. Pois é.


segunda-feira, janeiro 28, 2013

O papel da imprensa na tragédia de Santa Maria

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Mais uma vez, Latuff diz tudo... Charge original aqui.

quinta-feira, julho 15, 2010

Após seis décadas, 'Maracanazo' ainda sangra

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Amanhã serão completos 60 anos daquela fatídica e inesquecível partida entre Brasil e Uruguai, o chamado "Maracanazzo", em que nossa seleção, precisando de um mísero empate para conquistar sua primeira Copa do Mundo, em seu próprio país, saiu na frente do placar mas conseguiu levar uma virada improvável e calou 200 mil torcedores que assistiam in loco, assombrados, aquela tragédia futebolística. Aqui, ali e acolá , já falamos sobre o assunto. Mas a ferida não cicatriza e, como uma espécie de Vietnã para os Estados Unidos, aquela derrota nunca deixará de pertubar o sono dos fanáticos torcedores brasileiros. Nem dos uruguaios, que podem ter vibrado muito na época, mas, como uma espécie de maldição, nunca mais ganharam nada com a seleção celeste depois daquele feito histórico. Só neste ano ressurgiram com um surpreendente quarto lugar na Copa da África do Sul.

Muito já foi dito sobre o que aconteceu naquele 16 de julho de 1950 no gramado do Maracanã - e muito ainda será especulado. O melhor esforço de reportagem, até o momento, foi o livro "Dossiê 50 - Os Onze Jogadores Revelam Os Segredos Da Maior Tragedia Do Futebol Brasileiro" (Editora Objetiva, 2000), de Geneton Moraes Neto. Reproduzo abaixo alguns dos depoimentos colhidos pelo autor, e, na sequência, um vídeo sobre a Copa de 1950 e o "Maracanazo", sob a ótica uruguaia. Pra lamber as feridas...

"Ghiggia diz que só ele, o Papa e Frank Sinatra calaram o Maracanã. Eu também fiz o Brasil calar, fiz o Brasil chorar: não é só ele que tem esse privilégio não." - Barbosa, goleiro

"A cena já estava toda pronta, na minha imaginação. O jogo terminava. O Brasil, absoluto, ganhava fácil do Uruguai. A gente se perfilava no gramado, em frente à tribuna de honra do Maracanã. Depois de cantar o Hino, a gente veria chegar o velhinho Jules Rimet com taça na mão. Eu pegaria a da taça das mãos dele. Todo feliz, ergueria a taça lá para o alto." - Augusto, zagueiro

"Vim para o Rio para ser campeão do mundo. Voltei a São Paulo no chão do trem." - Bauer, meio-campo

"Como a Copa de 50 marcou a inauguração do Maracanã, a derrota do Brasil ficou gravada para a eternidade. O próprio time do Vasco, base da Seleção Brasileira, derrotou o Peñarol, base da Seleção Uruguaia, em Montevidéu, logo depois. Mas os uruguaios diziam: 'A gente não queria ganhar essa aqui em Montevidéu, não. Queríamos ganhar aquela, no Maracanã'." - Danilo, meio-campo

"Deve ter morrido gente de enfarte. Se o Brasil fosse campeão, morreria muito mais gente. O povo é exagerado. O Maracanã ia vir abaixo. Iam quebrar tudo nos bailes. O futebol é um fenômeno que ninguém explica. Futebol incomoda mais que problema de família…" - Bigode, lateral-esquerdo

"Fiz 1 x 0 na final da Copa. Ali nós já éramos deuses." - Friaça, atacante

"Meu sonho era assim: a gente ainda iria jogar contra o Uruguai. Aquilo que aconteceu era mentira." - Zizinho, atacante

"Sempre antes de dormir, eu pensava no gol que não fiz, aos 45 do segundo tempo. Eu sonhava assim: o Brasil com um time daqueles não ganhou a Copa do Mundo? A derrota é que tinha sido um sonho. Acordava espantado, olhava ao redor - e o Maracanã estava ali, na minha frente." - Jair Rosa Pinto, atacante

"Tive um pressentimento estranho. Quando o Brasil entrou em campo, a derrota já estava escrita." - Chico, ponta-esquerda

"Estava muito confiante ao entrar no gramado, senti uma forte vibração nas veias, olhei para os lados e a festa estava praticamente pronta. Só bastava fazer a nossa parte, e aí se deu o detalhe: quando a bola rolou, nem notei. Só percebi quando Jair me gritou: '-Acorda, Juva, agora é com a gente!'. Friaça fez o gol no início do segundo tempo e só caiu na real depois que o Uruguai empatou o jogo, aí ele voltou a si. Danilo Alvim chorava feito uma criança ainda no gramado. Ao vê-lo aos prantos, já nos vestiários, tive uma crise de choro também. Todos choraram, menos Chico. Foi uma barra terrível.", Juvenal, zagueiro




(Observação: Ao contrário do que dizem os uruguaios no vídeo, o Maracanã não recebeu 250 mil torcedores e o técnico brasileiro não era Feola, mas Flávio Costa)

terça-feira, abril 13, 2010

A Tragédia no Rio de Janeiro e o jornalismo aquático

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O fato me lembrou o bordão de Glauber Rocha, "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", mas não à toa. Afinal o “grupo de praticantes de esportes radicais e circenses que usam suas habilidades para desafiar o cotidiano e distorcer a realidade da urbana”, o Rizoma, botou a câmera na mão e um guarda-chuva na cabeça, para desbravar as ruas alagadas do Rio de Janeiro. Só que sobre um bote inflável.

O resultado está no vídeo de quase dez minutos, gravado na madrugada do dia 6 de abril, onde somos telespectadores de pessoas ilhadas e capazes de reunir uma quantidade de xingamentos impensáveis em tão poucos minutos. Já as cenas de carros e mais carros submersos ou boiando, não perde em nada para aquelas mega produções cinematográficas que falam sobre o fim do mundo ou de enormes catástrofes naturais, ou as duas coisas juntas.

A produção do coletivo Rizoma é tão completa que mostra até a épica intervenção sonora de um policial tentando coagir o grupo a parar de filmar, além, obviamente, do momento heróico do grupo, resgatando sete pessoas.

Quanto às cenas que seguem abaixo, apenas uma ressalva.... Atenção manguaças de plantão, não tentem realizar nada parecido. Se beber, nada de dirigir ou navegar!



Brincadeira à parte, para debatermos as crises nas cidades, a responsabilização das vítimas em tragédias como a do Rio de Janeiro e o modelo de desenvolvimento, vale uma passadinha pelo blogue da Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada e ler a entrevista concedida à revista Fórum do mês de janeiro deste ano.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Planejamento, gestão e eficiência

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Materinha muito esclarecedora do site Brasília Confidencial, publicada no dia 4, escancara o que a imprensa paulistana - e grande parte da nacional - tenta esconder de todo jeito: as trágicas enchentes no estado de São Paulo tem responsável com nome e sobrenome, José Serra. Desde o início de dezembro, ele cortou em 20,4% os recursos para combater as enchentes em 2010, segundo análise do economista Eduardo Marques, do Transparência São Paulo. A previsão de Serra é cortar R$ 52 milhões. De acordo com Marques, além de prever menos recursos para 2010 em relação a 2009, o tucano impediu que a Assembléia Legislativa corrigisse estes problemas com emendas ao orçamento. Em números, o governo paulista previu R$ 252,2 milhões em 2009 para combater enchentes, mas destinará apenas R$ 200,6 milhões em 2010.

Segundo o Brasília Confidencial, os principais cortes de recursos foram para as ações de limpeza e conservação de corpos d´água (desassoreamento dos rios e canais), na manutenção, operação e implantação de estruturas hidráulicas e nas obras complementares na bacia do Alto Tietê. Foram retirados do canal do rio Tietê em 2009 cerca de 400 mil metros cúbicos de sedimentos, segundo o governo do estado. No entanto, especialistas têm avaliado que seria necessária a retirada de pelo menos um milhão de metros cúbicos por ano. Outros números do orçamento público revelam que em 2009 o Estado pretendia retirar 2,5 milhões de metros cúbicos de sedimentos com R$ 4,4 milhões. Não cumpriu nem 10% da meta, nem justificou o gasto. Pior: em 2010, o Estado pretende retirar quase a mesma quantidade de sedimentos com apenas R$ 1,5 milhão. Mágica? Ah, mais essa: não há registros sobre serviços de desassoreamento em 2006, 2007 e 2008...

"Sem dúvida nenhuma, estes valores apontam para as verdadeiras causas das últimas enchentes na marginal do Tietê, bem como do agravamento das inundações de bairros inteiros na cidade de São Paulo", arremata o economista Eduardo Marques. Planejamento, gestão e eficiência. Esse é o forte do PSDB. José Serra merece um prêmio: nenhum voto em 2010.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

As pequenas tragédias da Ilha Grande

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Duas cenas: a chegada e os passeios numa Ilha Grande paradisíaca e o Morro da Carioca, em Angra, depois da tragédia.

Fotos: Simone Polli e Frédi Vasconcelos


















Das grandes tragédias nem é necessário falar. A TV, a todo momento, mostra imagens da pousada que caiu, das casas, dos velórios. Na falta de assunto, explora-se ao máximo a dor alheia em busca de audiência...

Mas eu e a companheira Simone estávamos num grupo que foi para a Ilha passar o Ano-novo, na casa dos amigos Helô e Gerardo, na Praia Grande de Araçatiba, bem perto do Bananal, onde despencou o morro.

A chegada no dia 27 e os dias 28 e 29, apesar de um pouco de chuva, foi dentro do previsto. Praia, caminhadas, passeios de barco, boas comidas, ótimas conversas com os amigos etc.

A mudança começou no dia 30. Desde as primeiras horas, chuva torrencial. Impedia de fazer qualquer coisa, mas nada indicava o que viria.

Manhã do dia 31, não havia boas notícias. A chuva continuava muito forte. O morro atrás da casas que estávamos começou a cuspir terra. A primeira operação, apesar do susto, foi até simples, tirar aquela pouca terra e fazer um caminho para a água descer.

Operação que teve de ser repetida durante algumas vezes, mas nada ainda que assustasse. À tarde a chuva diminui e traz alívio a todos. Engano, ledo engano. Volta com mais força ainda à noite, o que não impede a ceia e as comemorações da meia-noite. Com direito a ir pular as 7 ondas mesmo debaixo da chuva.

Na volta à casa, as notícias não são boas. Mais terra caíra. É necessário trocar de roupa de festa e fazer um novo caminho para que a água não invada os quartos. E lá vai o grupo para a tarefa nas primeiras horas de 2010.

Não adianta. Refeito o primeiro caminho, vem mais terra ainda, a situação começa a ficar crítica. Não é possível mais mexer atrás da casa porque fica perigoso, a toda hora acontece novo pequeno desmoronamento.

É necessário tirar as roupas, os colchões, tudo que puder ser salvo, porque a invasão de terra e água é iminente. Cada um faz uma pequena mochila para levar o que é essencial. Mais terra caindo e água vertendo do morro, formando novas cachoeiras.

Perto das 3h da manhã a decisão de abandonar a casa e ir para lugar mais seguro oferecido por amigos. A caminhada parece que nunca acaba, atravessando partes inundadas, pequena trilha que pode a qualquer momento desmoronar. No grupo, os bravos León e Thomás, de 9 e 14 anos, que enfrentam tudo sem reclamar.

A chegada à outra casa foi um alívio. Parte do grupo não cabe e ainda tem de caminhar mais para chegar a outro local. Ficamos nesse primeiro e tentamos dormir...

No outro dia, caímos da cama às 8h da manhã com medo do que poderia ter acontecido à casa de Helô e Gerardo. Chegamos e eles já estavam lá. Apesar de ter entrado água e terra nos quartos, que tivemos de limpar, a situação era melhor do que esperávamos. Não havia acontecido nada de mais grave. Embora um dos quartos estivesse com cerca de 1,5 metro de terra na parede externa. Além de pedras ameaçadoramente soltas. Limpamos tudo e almoçamos o resto da paella maravilhosa preparada por Gerardo para a noite anterior.

Daí fomos para outra pousada, numa área de menos risco.

Soubemos da tragédia no Bananal e em Angra, mas com informações cada vez mais confusas. Chegavam a falar em 100 mortes, inclusive de gente famosa...

O espírito das férias já tinha ido embora. Na nossa última noite na Ilha, algo simbólico. Um jantar feito com restos da ceia e mais o peixe e o camarão que sobraram fritos por Helô, com vinhos trazidos da Argentina por Daniel e Mónica, à luz de velas, na mesa de um bar fechado. A prova de que enquanto resta solidariedade e vida, tudo ainda pode ser feito.

Decidimos retornar no dia seguinte, mas boa parte do grupo ficou em locais mais seguros.

Agora, o verdadeiro problema é para a população local. Está sem água e luz até hoje, várias casas estão interditadas, os mantimentos que ficam nas geladeiras estão todos estragando, os turistas vão saindo em bandos, lotando os barcos que vão para a Angra.

A época em que todos que vivem lá do turismo ganham algo para passar o ano está irremediavelmente soterrada.

Nada se compara às vidas perdidas, mas as pequenas tragédias continuarão ainda por muito tempo.

sexta-feira, novembro 13, 2009

Cerveja torrada

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Você pagaria cerca de 14 mil reais (5 mil euros) por uma garrafa de cerveja que não poderia beber? Pois este será o lance mínimo, em leilão neste sábado, por uma long neck da cerveja alemã Lowenbrau de 72 anos (foto), recuperada quase intacta dos destroços do dirigível Hindenburg, que pegou fogo em Nova Jersey, Estados Unidos, em maio de 1937. "Ninguém vai querer beber isso. É bem provável que o gosto esteja bastante podre", alertou o auditor Andrew Aldridge - que subestima a sede e as ideias de bêbado de certos futepoquenses. Mas o mais legal é a saga da garrafa: ela foi encontrada por um dos bombeiros que ajudaram a apagar os restos do Hindenburg, que matou 38 pessoas e feriu outras 60 após uma explosão causada pelo hidrogênio que o fazia flutuar. O manguaça Leroy Smith achou seis garrafas no meio dos destroços e decidiu enterrá-las. Depois, presenteou cinco amigos e guardou uma consigo. Em 1966, passou o seu exemplar para uma sobrinha, esse mesmo que agora vai a leilão. Uma parte da cerveja evaporou e o rótulo está queimado, mas a marca ainda é visível. Outra garrafa, de um dos amigos de Smith, está hoje em exposição na fábrica da Lowenbrau, em Munique.

sábado, junho 13, 2009

Tragédia pode ter mudado o rumo da Copa de 58

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Estou lendo Manchester's Finest - How the Munich Air Disaster Broke the Heart of a Great City, de David Hall, sobre o acidente de avião – foto – que matou oito jogadores do time inglês Manchester United em 6 de fevereiro de 1958, na Alemanha. Era a famosa equipe batizada como "Busby Babes", uma geração de jovens craques capitaneados pelo mítico técnico escocês Matt Busby, que venceu o Campeonato Inglês das temporadas 1956-1957 e 1957-1958. Seria como se o time do Santos perdesse numa tragédia, logo após vencer o Brasileirão de 2002, Robinho, Diego, Renato, Elano, Leo, Alex e Alberto, por exemplo.


No dia anterior ao acidente aéreo, o Manchester United empatou por 3 a 3 com o Red Star, em Belgrado, na antiga Iuguslávia, e garantiu presença na semifinal da Liga dos Campeões da Europa, na qual enfrentaria o Real Madrid. Mas, na viagem de volta, o avião parou para reabastecer em Munique e, sob forte nevasca, tentou decolar duas vezes e não conseguiu. Na terceira, saiu da pista, bateu uma das asas em uma casa e pegou fogo, matando 22 das 43 pessoas a bordo. Veja imagens da epoca aqui.

Entre as vítimas fatais estavam os jogadores Geoff Bent, Roger Byrne, Eddie Colman, Duncan Edwards, Mark Jones, David Pegg, Tommy Taylor e Billy Whelan. Morreram ainda três funcionários do clube, oito jornalistas de Manchester, dois membros da tripulação e dois outros passageiros. Entre os jogadores que sobreviveram estava Bobby Charlton, futuro campeão mundial pela Inglaterra em 1966. Outros dois do time, Jackie Blanchflower e John Berry, nunca mais puderam jogar futebol. O técnico Matt Busby passou por diversas cirurgias e esteve entre a vida e a morte, mas sobreviveu para reassumir o time três meses depois.

Mas a perda mais sentida foi a de Duncan Edwards (foto), de 21 anos, uma espécie de Pelé inglês e grande promessa de destaque na Copa da Suécia, que seria disputada dali alguns meses. Como se sabe, a Inglaterra foi a única seleção a quem o Brasil não conseguiu derrotar naquele mundial – e seria uma das favoritas ao título se tivesse contado com os jogadores Edwards, Taylor, Byrne, Pegg e Bent, que morreram no acidente e tinham suas convocações praticamente certas.

Os "Busby Babes" em 1957: a partir da esquerda, Ray Woods, Duncan Edwards, Tommy Taylor, Billy Whelan, Geoff Bent, Bill Foulkes, Jackie Blanchflower, Colin Webster, Dennis Viollet, Eddie Colman e Johnny Berry

Ps.: O legendário técnico Matt Busby (foto à esquerda) foi citado por John Lennon na letra de Dig It, dos Beatles, em 1969, um ano depois de o Manchester City ter vencido o Benfica, de Portugal, na decisão da Liga dos Campeões da Europa. A letra diz: "Like a rolling stone/ Like the FBI and the CIA/ And the BBC...BB King/ And Doris Day/ Matt Busby/ Dig it, dig it, dig it...". A música está no disco Let It Be e pode ser conferida aqui. Busby morreu em 1994, aos 85 anos.

sexta-feira, maio 01, 2009

F-Mais Umas - A homenagem que Senna não fez

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CHICO SILVA*

Quem me conhece sabe que nunca fui admirador do corintiano Ayrton Senna (foto). Acho isso uma coisa curiosa. Pois quem me conhece sabe também que sou um renhido defensor das coisas e tipos da Zona Norte, região onde nasci e vivo até hoje. Dizem, aliás, que os moradores da ZN são os paulistanos que mais defendem seu pedaço. Não sei se isso é regra. Mas seguramente não sou a exceção. Todo esse prólogo é para falar que Senna, assim como eu, era um sujeito da ZN. Passou a infância na Vila Maria e parte da adolescência na Serra da Cantareira, onde seu pai comprou uma casa grande e confortável. Em algumas ocasiões o vi circulando por aqui a bordo de uma Audi Station Wagon azul.

Uma delas ficou na memória. Em uma tarde chuvosa de verão, ele parou seu carrão para que eu atravessasse a Alfredo Pujol, uma das avenidas mais conhecidas do bairro Santana. Mas a ironia, o deboche e o jeito escrachado, além do imenso talento, me aproximaram de Nelson Piquet. A cruzada da Globo e especialmente do Galvão Bueno para torná-lo um santo na Terra e o seu pouco caso com jornalistas que não fossem do plim-plim me desagradavam. Era novo para estar na ativa, mas ouvi várias histórias de colegas que foram tratados com descaso pelo piloto. E até hoje não engulo aquela conversa de que ele viu Deus na saída do túnel de Mônaco. Mas, fazer o quê?

Pois nesse momento em que se completam 15 anos de sua morte descubro uma história que me tocou. Não a conhecia. E imagino que muitos de vocês também não. Por isso acho legal contá-la. Não quero com isso limpar minha barra com ele. Pelo contrário, não mudo uma vírgula do que penso a seu respeito. Mas aí vai: como todos sabem, Senna morreu no GP de San Marino, disputado no 1º de maio de 1994. Na véspera, o piloto austríaco Roland Ratzenberger (acima, à direita) teve o mesmo destino. Foi a primeira morte em oito anos na categoria. O acidente mexeu com Senna, que foi para a corrida do dia seguinte claramente abalado. Contrariando seu instinto midiático, resolveu prestar uma emotiva e silenciosa homenagem ao colega morto.

Durante a autópsia do brasileiro no Instituto Médico Legal de Bolonha, uma jovem legista encontrou uma bandeira da Áustria dobrada no bolso de seu macacão. Senna desfraldaria a flâmula na volta da vitória. Seria a primeira vez que exibiria uma bandeira que não fosse à brasileira. A curva Tamburello não deixou. O episódio está no blog do Flávio Gomes. Na época do acidente, Flávio cobria o GP pela Folha de S.Paulo e assinou um sensacional texto sobre os acontecimentos daquele trágico final de semana. O título do post é "Ímola, 1994" e pode ser lido no mesmo endereço. Vale a visita.


*Chico Silva é jornalista, wilderista (fanático por Billy Wilder) e nelson-piquetista. Em futebol, 60% santista, 40% timbu pernambucano. Bebe bem e escreve semanalmente a coluna F-Mais Umas para o Futepoca.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Kaká se casou na igreja cujo teto desabou

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Os paulistanos acompanharam neste domingo, 18, mais uma tragédia da qual, invariavelmente, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) e o governador e ex-prefeito José Serra (PSDB) serão completamente poupados pela mídia e isentos da mais remota responsabilidade, como ocorreu, há exatos dois anos, no Buraco do Metrô. Ontem, no bairro Cambuci, o teto do enorme templo da Igreja Renascer desabou (foto acima, da Agência Estado), matando 9 mulheres e ferindo outras 90 pessoas (há um rapaz correndo risco de morte). Do jeito que a imprensa é, não duvido se, além de ignorar pefelistas e tucanos, ainda acharem um jeito de noticiar que a falta de vistoria e de fiscalização foi culpa da gestão Marta Suplicy (PT) - e ressuscitarem o mitológico "mensalão", insinuando que os pastores da Renascer teriam colaborado com o suposto Caixa 2 da campanha eleitoral petista. Não duvido mesmo.

Aliás, os prósperos pastores dessa igreja andaram tendo problemas com a polícia recentemente, mas parece que a imprensinha não está muito disposta, na cobertura da tragédia, a recuperar de maneira um pouco mais incisiva esses episódios nebulosos. Outro fato curioso, dessa vez relacionando o post com futebol, é que o garoto-propaganda da Renascer, o milanista Kaká, se casou com sua esposa Caroline justamente nesse templo que desabou, em dezembro de 2005. Além do casal, correram risco de morte personalidades como o atacante Ronaldo Gordo, o meia-atacante Júlio Baptista, o goleiro Dida, o lateral Cafu e o então técnico da seleção, Carlos Alberto Parreira. Para quem não se lembra, Kaká doou seu troféu de melhor jogador da Fifa de 2007 para a Renascer, que ficou em exposição justamente no templo do Cambuci. Na ocasião, o jogador disse que os pastores presos eram "boas pessoas". Que explique isso, agora, para as famílias das vítimas do teto desabado.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Buraco do metrô: dois anos da tragédia impune

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Hoje faz dois anos da maior tragédia em obras de transporte público na cidade de São Paulo: o desabamento em um dos canteiros da futura Via Amarela do metrô, na Marginal Pinheiros, que matou sete pessoas e resultou na interdição de 55 imóveis nas imediações da cratera e na demolição de cinco deles. Um fato absurdo, creditado unicamente ao Consórcio Via Amarela, responsável pela construção e liderado pela Odebrecht, a maior construtora do país, e ainda por OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Mas o consórcio foi contratado pelo governo do Estado (gestões tucanas de Geraldo Alckmin e José Serra), que se isentou completamente de responsabilidade e foi docilmente poupado pela imprensa.

Na semana passada, segundo o site Uol, o promotor Arnaldo Hossepian Junior protocolou na 1ª Vara Criminal do bairro Pinheiros um documento em que denuncia 13 pessoas ligadas ao consórcio e ao Metrô como responsáveis pelo acidente nas obras da linha 4, acusando os engenheiros envolvidos de negligência e imprudência. De posse dos laudos feitos pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e pelo Instituto de Criminalística, o promotor afirmou corajosamente que a tragédia poderia ter sido evitada. Os laudos haviam demonstrado também ter havido explosões momentos antes do acidente e que o plano de evasão no entorno da obra não funcionou.

Porém, tudo acaba em pizza. Em entrevista coletiva, o próprio Hossepian disse que não acredita que os responsáveis sejam presos. Enquanto isso, nas ruas vizinhas ao local da tragédia os moradores ainda lamentam os prejuízos. "Meu prejuízo foi muito grande e só aceitei a mixaria que eles me ofereceram porque minha família pediu para tirar o processo. Eles me f... de verde e amarelo", reclama o espanhol Fidel Montes, dono de uma marcenaria que ficou fechada por três meses, em entrevista para o Uol. José Carlos de Oliveira, por sua vez, tinha sociedade em um estacionamento que ficava na esquina das ruas Capri e Gilberto Sabino e foi engolido pelo deslocamento de terra para dentro do buraco à beira da marginal do rio Pinheiros.

Hoje, ele cuida dos carros na rua e aluga vagas em garagens das cercanias. "Eu era microempresário, agora sou um flanelinha." Já a taxista Rosa Maria Pescuma foi desalojada por decisão judicial e teve de abandonar sua casa na rua Gilberto Sabino na última semana de 2008. Diante de sua porta há cavaletes e placas de "proibido passar". Ela e seus dois cachorros tiveram de ir morar com a filha no município de Osasco. "Meus clientes e amigos estão aqui. Saio com dor no coração." E aí, governador José Serra, só silêncio? E aí, Veja? E aí, Arnaldo Jabor? Nada a comentar? Além das mortes e perdas, quanto o governo do Estado está tendo de prejuízo com o reparo e o atraso na entrega das estações? Isso não é um boa pauta, não?!??

quarta-feira, agosto 08, 2007

Cidade Ademar quer o fim do apagão. No transporte coletivo da cidade

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O palco era o refinado Rosa Rosarum, um bifê classe A frequentado por abastados da cidade de São Paulo. A presença do prefeito Gilberto Kassab, dos secretários municipais de Esportes, Walter Feldman, do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, e da Assistência Social, Rogério Amato, poderia indicar um prato cheio para o pessoal que adora falar mal da elite branca, má e perversa e de seus preconceitos.

Mas era o lançamento do Dia Mundial Sem Carro pelo movimento Nossa São Paulo: outra cidade. Realizado desde 1997 na França, o dia 22 de setembro é uma data voltada aos 30% da população proprietária de automóveis.

Mas as 22 atividades do 22 de setembro (passeatas, rotas de bicicleta, atividades culturais e até virada esportiva com direito a esportes de bar) eram pretexto para divulgar a iniciativa de Oded Grajew, ex-assessor de Lula e ex-diretor presidente do Instituto Ethos de responsabilidade social empresarial, e mais 300 entidades. O Nossa São Paulo quer reunir indicadores de todas as áreas e exigir que a prefeitura e os candidatos já em 2008 tenham planos de governo com metas de melhoria desses indicadores.

No caso do transporte, abordado no dia sem carro, são 13 índices, de número de motoqueiros mortos à dias em que a qualidade do ar ficou inaceitável na cidade.

Constrangimento
A parte mais interessante da manhã de lançamento que dá título ao texto, foi a intervenção de Airton Goes, do Fórum Social Cidade Ademar (região na Zona Sul da capital paulista). Chamado para falar o que a população esperava do poder público, ele prometeu não querer causar constrangimentos, mas entrou de carrinho.

Disse que só apoiam o Nossa São Paulo porque um dos eixos é diminuição da desigualdade social, e que, para a cidade mudar, a periferia precisa de muitas transformações.

"Na Cidade Ademar, nos solidarizamos com as vítimas do acidente da TAM", declarou Goes. Mas ele reclamou do fato de que as principais rádios enviam, em seus noticiários, repórteres para informar quantos vôos estão atrasados e por quanto tempo. "Todo dia, no terminal de ônibus da Cidade Ademar, a gente vê quatro filas esperando por um ônibus. E nenhum ônibus está lá". Os atrasos são muito superiores a uma hora.

Para protestar contra a precaridade do transporte público, especialmente na periferia, os moradores da região já preparam as atividades para o dia sem carro com um debate entitulado "CPI do apagão no transporte coletivo de São Paulo". O relato arrancou aplausos da platéia, deixando o prefeito Kassab e seus secretários com uma cara de Kassab.

Aderiria a Cidade Ademar ao movimento "Pés fora do coletivo" no próximo dia 18?

sábado, julho 21, 2007

"A tragédia vista de Porto Alegre"

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Alexandre Maretti
Sobre o 11 de setembro de 2001, entre tantas coisas que li, uma que me emocionou foi a crônica enxuta e densa do escritor norte-americano Paul Auster, que descrevia a tragédia sob uma ótica simples, a do cotidiano de um homem cuja filha estava perto da catástrofe.

No episódio da queda do Airbus da TAM de 17 de julho de 2007, igualmente, foi um escritor – que saiu fora das dramatizações baratas e proselitismos políticos toscos – que me emocionou, o que também tem a ver com o fato de que eu fui criado ali, naquela região onde caiu o avião, em Congonhas. Quando a tragédia atinge a nossa aldeia, aquela de onde a gente veio, o espírito sente mais.

Mas este post, enfim, é apenas o pretexto pra divulgar a crônica do escritor gaúcho Moacyr Scliar, que copio abaixo na íntegra porque nem todo mundo é assinante do Uol ou da Folha, onde o texto foi publicado na sexta-feira última, dia 20. Merece o registro, é um texto muito bonito.

A tragédia vista de Porto Alegre
(Folha de S. Paulo - 20 de julho de 2007)
MOACYR SCLIAR

Porto Alegre é uma cidade grande, como as metrópoles brasileiras. Mas mesmo as cidades grandes, por vezes, voltam no tempo e regridem à época em que eram pequenas cidadezinhas interioranas, provincianas. Isto aconteceu com a capital gaúcha, na última terça. A notícia do medonho acidente com o avião da TAM foi recebida com incrédulo horror. As pessoas não podiam acreditar que aquilo tinha acontecido. E aí veio o pânico, o desespero. Famílias inteiras correram para o único lugar em que podiam obter informações, o aeroporto Salgado Filho. Um aeroporto do qual os porto-alegrenses se orgulham, mas que era, naquele momento, cenário para cenas de dor e de sofrimento. A notícia rapidamente se espalhou. Num primeiro momento, não se sabia ao certo quem estava a bordo, o que desencadeou uma verdadeira onda de ansiedade. A cidade, agora, era uma única família, com as pessoas ligando umas para as outras, querendo saber se estava tudo bem, se amigos e conhecidos não teriam, por acaso, viajado no fatídico avião. Particularmente, recebi numerosos telefonemas, tanto do Rio Grande do Sul como de outros Estados, o que me fez pensar nesta nova, e sombria, forma de identificar amigos: são aqueles que nos telefonam nessas horas. Depois veio a lista e a consternação foi geral. Muitas das vítimas eram pessoas conhecidas e estimadas. Havia políticos, esportistas, jovens empresários. A sensação era a de uma catástrofe. Nas casas, os olhares estavam fixados na tela de tevê. De repente, Congonhas transformava-se no fulcro da tragédia. O que não deixa de ter um amargo simbolismo. Para os habitantes de um Estado situado na ponta do país, Rio e São Paulo são os grandes pontos de referência, sonhos gaúchos, por assim dizer. E Congonhas era a porta de entrada para este sonho. Desembarcar em Congonhas era, para empresários e estudantes, para políticos e artistas, o começo de uma excitante aventura. De repente, a aventura revelava-se um pesadelo. E a pergunta que a gente pode se fazer é: por que os sonhos se transformam em catástrofes? O que aconteceu, que erros ou equívocos foram cometidos para que isso acontecesse? É uma pergunta à qual precisamos responder. Em primeiro lugar, trata-se de um dever que temos para com as vítimas, gaúchos, paulistas, mineiros, não importa: esta é uma tragédia brasileira, e como tal tem de ser considerada. Em segundo lugar, porque precisamos, de uma vez por todas, descobrir qual o caminho que, afinal, deve o nosso país seguir, para melhorar a existência de seus cidadãos. E, finalmente, porque precisamos nos reconciliar com nossos símbolos. Congonhas era, com suas limitações, uma imagem do progresso brasileiro, um lugar dinâmico, mesmo que confuso. Não pode ficar na história do país como um cenário de holocausto. Precisamos dar asas aos nossos sonhos. Mas precisamos assegurar que eles possam pousar em segurança, sem aterrorizar Porto Alegre ou qualquer outra cidade brasileira.