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quarta-feira, setembro 16, 2015

Arrigo Barnabé traçava um 'X-Banana' no Bar do Vavá

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Num post (clique aqui) sobre o maravilhoso show "Caixa de Ódio – o universo de Lupicínio Rodrigues", do Arrigo Barnabé (confira uma palhinha clicando aqui), em agosto de 2011, o camarada Maurício "De Marcelo" Ayer registrou: "Numa dessas noitadas, o Marcão contou que viu um documentário em que aparecia o senhor Barnabé, lhe perguntavam sobre um lugar de São Paulo que achasse significativo, e ele de bate-pronto indicava o Bar do Vavá". Depois do tal show, "De Marcelo" teve o prazer de manguaçar com o Arrigo e tocou no assunto: "[Ele] logo reavivou recordações do saudoso Gardenburger, sob o olhar curioso de nossos colegas de mesa. [...] Não sabia da morte do Vavá, ficou bastante triste, e me perguntou sobre seu irmão João (o chapeiro)".

Trecho do documentário mostra a localização do extinto 'Gardenburger Rest. Lanch.'

Pois então, durante todos esses anos eu pelejei para encontrar o tal documentário, mas não sabia sequer seu título. Lembro vagamente de ter ligado a TV na madrugada, acho que na Cultura (mas não tenho certeza), e tomado o susto de ver o Arrigo Barnabé sentado no balcão do nosso inesquecível Bar do Vavá, já extinto - e de ter me espantado mais ainda ao ver o próprio Vavá falando no documentário. Já deve fazer uns seis ou sete anos isso. E, por mais que eu fuçasse o Gúgou ou o IuTubi, não tinha qualquer referência para achar essa preciosidade. Pois no início desta semana, zapeando a esmo, trombei por acaso, novamente, com o tal vídeo no canal fechado "Curta!". Estava no fim, nem vi a sequência do Vavá. Mas li o nome nos créditos finais e o localizei! Ei-lo:



Trata-se do primeiro episódio de uma série chamada "Mapas Urbanos", do diretor Daniel Augusto, produzido em 1998. Vários artistas, poetas, músicos e compositores falam sobre a cidade de São Paulo, o maior centro urbano do país e da América Latina. Nesta primeira parte, além do Arrigo Barnabé, aparecem Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção, José Miguel Wisnik, Luiz Tatit, Nelson Ascher, Paulo Vanzolini, Régis Bonvicino e Tom Zé. E o Vavá, é claro! Quem quiser ir direto ao ponto pode levar o cursor até o minuto 12:11, mais ou menos, e, logo depois de o Arnaldo Antunes falar sobre uma estátua antiga que até então estava preservada numa lanchonete da Avenida Paulista, aparece o Arrigo aboletado no saudoso balcão do não menos saudoso Bar do Vavá.

Cena do documentário 'Mapas Urbanos', com Arrigo Barnabé no saudoso Bar do Vavá

Logo de cara, ele fala: "Esse bar aqui... Eu morava aqui na [rua] Virgílio de Carvalho Pinto. Isso em 1973. Em 1973, 1974, a gente morou aqui, numa república. Um monte de gente. E volta e meia a gente vinha aqui no Bar do Vavá, que naquela época era uma espécie de um 'inferninho', tinha uns neons vermelhos aqui, assim. E a gente vinha à noite, aqui. E eu conversava com o Vavá". E na sequência aparece o Vavá relembrando: "O Arrigo vinha depois do... Acho que aquela época ele era amador, e ele vinha fazer os lanches dele, um sanduíche de queijo, um X-Banana, um queijo quente com alface, tomava um suco, a gente conversava muito" (Nota do Autor do Post: quem conheceu o X-Elvis e outras "iguarias" daquele bar não duvida que misturassem queijo com banana).

Vavá, o mito, no documentário de 1998: inspirador do Futepoca faleceria 11 anos depois

E prossegue Vavá, o mito, inspirador do Futepoca e protagonista do nosso Post 1000: "Aquele tempo eu era universitário, tava fazendo medicina em Ribeirão Preto. Nos finais de semana, quando eu vinha pra São Paulo, a gente conversava, [o bar] ficava aberto até altas horas da madrugada e ele [Arrigo Barnabé] vinha". Em seguida, o artista dá um testemunho histórico: "Certamente que esse tipo de bar está no universo das minhas canções". Mas Arrigo observa que o Bar do Vavá não tinha "balcão de fórmica vermelha", como na canção "Diversões eletrônicas", parceria sua com Regina Porto que venceu o 1º Festival Universitário da MPB, realizado pela TV Cultura em maio de 1979, um marco do movimento musical Vanguarda Paulista (assista clicando aqui).

Fradique Coutinho, 390: hoje, no lugar do saudoso boteco de Pinheiros, há uma ótica

"Eu não sei que bar tem o balcão de fórmica vermelha, acho que eu inventei na hora", diz Arrigo Barnabé, no documentário "Mapas Urbanos". Interessante é a que letra da tal canção começa falando em um "antro sujo" e em um "luminoso". Seriam referências ao "inferninho" e aos "neons vermelhos" de suas recordações do Bar do Vavá de 1973-74? Provavelmente. Durante 52 anos, entre 1956 e 2008, o glorioso, simpático e hospitaleiro boteco do bairro Pinheiros arregimentou uma fauna peculiar de frequentadores, serviu de palco para milhares de situações inusitadas (como essa aqui, exemplarmente narrada pelo camarada Glauco "De" Faria) e até de cenário para uma história em quadrinhos (do camarada Don Luciano, veja aqui). Mas, infelizmente, acabou.

Maio de 2007: Thalita, Glauco, Mauro Beting, Olavo, Anselmo, Marcão, Frédi e Edu

Apesar da saudade, fica aqui a confirmação de que o tal documentário com Arrigo Barnabé no Bar do Vavá (e com o próprio) realmente existe. E que não é mais uma lenda urbana ou "estória" (de bêbado) - "Ih, lá vem o Marcão com suas 'estórias'...". Engraçado é que conheci o boteco e seu dono em 1999, provavelmente pouco depois da gravação dessas entrevistas do "Mapas Urbanos". E passei a frequentar mais assiduamente o Gardenburger a partir de 2003, levando pra lá, dois anos depois, todos os futepoquenses, amigos, familiares, simpatizantes e convidados (como o Mauro Beting e o Antônio Martins). Enfim, vida que segue... Avoé, Arrigo! Avoé, Daniel Augusto, pelo documentário! E avoé, Vavá! Até um dia.

P.S.: Tem duas frases nesse episódio do "Mapas Urbanos" que me chamam a atenção. Primeiro, como se falasse do próprio Bar do Vavá, o compositor Luiz Tatit diz (o grifo é meu): "Nem há tanto tempo para a pessoa se envolver tanto com as coisas [na cidade de São Paulo]. Tudo o que você viveu desapareceu". E o poeta Régis Bonvicino resume muito bem o que sinto - e sempre senti - (sobre)vivendo nessa metrópole (os grifos são meus): "Aqui eu vivo a experiência do confinamento. Essa sintaxe do confinamento, da impossibilidade, da interdição". Deve ser por isso que o Bar do Vavá me faz tanta falta.

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segunda-feira, abril 27, 2015

Obdulio Varela uniu o time campeão mundial de 1950 em bar uruguaio - e se arrependeu em bares brasileiros

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No cartaz do filme, o chute de Ghiggia
Ontem assisti, finalmente, o documentário "Maracanã" (ou "Maracaná", como grafam e pronunciam os uruguaios), sobre a Copa do Mundo de 1950, de autoria de Sebastián Bednarik e Andrés Varela. Foi uma revelação, para mim, descobrir o quanto Obdulio Varela, capitão da Celeste, foi absolutamente determinante em toda a campanha vitoriosa dos portenhos, da fase preparatória ao título. Até então, eu achava que ele tinha sido fundamental apenas na partida decisiva, considerada uma das maiores "zebras" da história do futebol mundial em todos os tempos, quando comandou como um leão raivoso seus companheiros a uma virada absurdamente improvável. Mas o documentário narra uma responsabilidade muito mais significante e abrangente desse mulato, filho de uma lavadeira negra, na maior conquista futebolística (e, por que não, patriótica) do Uruguai.

Obdulio usava sobrenome materno
Aliás, o orgulho que o jogador tinha de sua mãe e do sacrifício que ela fez em sua infância miserável era tão grande que ele não usava o sobrenome do pai, Muiños, mas o materno, Varela. Criado nas ruas de Montevidéu, Obdulio tinha um temperamento "chucro", zangado e determinado, com cara "de poucos amigos", que impunha temor e respeito. Caráter determinante para que liderasse, em 1948, uma inédita greve dos jogadores de futebol no Uruguai, que durou mais de sete meses, até que os clubes concedessem as reivindicações que extinguiram um regime profissional quase que escravocrata imposto até então. Porém, como era de se esperar, o líder grevista Obdulio ficou marcado - e foi afastado da seleção. Só que, às vésperas do Mundial do Brasil, a Celeste estava muito mal, com jogadores fora de forma, desunidos, sem comando e sem dinheiro. A ressaca da greve de 1948 era forte - e eles iam passar vexame.

O então presidente Luis Batlle Berres
Todos imploraram para que Obdulio voltasse à seleção, mas, orgulhoso, ele negou. Foi preciso que o próprio presidente do Uruguai na época, Luis Batlle Berres, fosse atrás dele para convencê-lo. "Tenho 36 anos e não tenho nada. Só peço um emprego", impôs Varela. "Terá", garantiu Batlle. E a primeira tarefa do "jefe" (chefe), como era chamado, foi extinguir de uma vez por todas as desavenças no elenco que iria à Copa. Muitos dos atletas tinha furado a greve de 1948, e eram desprezados e evitados pelos outros. Um deles era Matías Gonzales, o zagueiro que seria peça crucial e considerado um dos melhores jogadores do torneio. Obdulio Varela chamou todo mundo para um bar, em Montevideu, e, no meio dos "inimigos", sentenciou: "Chega disso. Nós somos todos uruguaios e vamos ganhar a Copa juntos. Agora, cerveja pra todos, amigos". O grupo se uniu e criou um vínculo patriótico ali.

Diário do Rio: 'O Brasil vencerá!'
O resto é mais ou menos conhecido. Obdulio comandou reações "impossíveis" como o empate em 2 x 2 com a forte Espanha e a virada heróica na vitória por 3 a 2 sobre a Suécia (ambos os jogos no Pacaembu), e praticamente "obrigou" seus colegas a virarem o jogo contra o Brasil no Maracanã lotado com mais de 200 mil pessoas, sendo que o anfitrião tinha a vantagem do empate e abriu o placar. Na véspera da decisão, o jornal carioca Diário de Notícias havia estampado um pôster da seleção brasileira com o título: "Eis os campeões do mundo!" No local onde estavam hospedados, os jogadores uruguaios aguardavam a partida já com uma sensação de dever cumprido, de que "fomos longe demais, está muito bom; se o Brasil ganhar será apenas a lógica". Obdulio abriu a porta do quarto onde estavam e jogou o jornal violentamente contra a parede. "Leiam!", ordenou.

Augusto (à esquerda) e Obdulio Varela
Naquele momento, os defensores da Celeste ficaram "com o sangue nos olhos", como se diz atualmente. Aliás, dizem que, segundos antes de começar o jogo, ao cumprimentar o capitão brasileiro, Augusto, e notar seu sorriso de "campeão", Obdulio teria dito a ele, rangendo os dentes: "Vais llorar lágrimas de sangre"" ("[Você] Vai chorar lágrimas de sangue!"). Depois que o Brasil fez 1 x 0 no início do segundo tempo, com o atacante Friaça, o capitão uruguaio resolveu intervir diretamente. Berrou aos companheiros: "Nós, uruguaios, entramos em campo para ganhar ou ganhar!" Até ali, o lateral-esquerdo brasileiro Bigode vinha fazendo marcação implacável sobre os atacantes da Celeste que caíam pelo seu setor, com entradas duras. Depois de mais uma delas, recebeu um "tapinha" intimidador de Obdulio, que vociferou em sua cara, com os olhos faiscando: "Calma, muchacho!"

Bigode levou 'tapinha' e murchou no jogo
Bigode murchou completamente e Ghiggia passou voando por ele duas vezes, primeiro para dar a assistência ao empate uruguaio, num chute forte de Schiaffino, e depois para marcar o gol que ficará entalado eternamente na garganta e na alma de toda uma nação. A vitória uruguaia era tão estapafúrdia e inacreditável que o presidente da Fifa (e idealizador das Copas do Mundo), Jules Rimet, ficou parado com a taça na mão, no meio do campo, sem saber o que estava acontecendo nem o que fazer. Quando ele deixou as tribunas para pegar o túnel que o levaria ao gramado, o Brasil vencia o jogo e a multidão brasileira urrava em delírio. Ao subir para a premiação, viu jogadores do Uruguai pulando, brasileiros chorando e os 200 mil torcedores em absoluto - e assustador - silêncio. O documentário mostra Obdulio literalmente arrancando a taça das mãos de Rimet, que permaneceu mudo e abestalhado. Nada daquilo estava no script.

Tragédia: brasileira chorando no Maracanã
Sem dinheiro e abandonados (porque, prevendo derrota, metade dos dirigentes da seleção uruguaia tinha embarcado de volta ao seu país antes da decisão!), os heróis da Celeste não tiveram direito nem a um jantar da vitória. Precisaram fazer uma "vaquinha" do próprio bolso para comprar salgadinhos e cervejas para a modesta comemoração em um quarto de hotel. Mas houve uma ausência: de temperamento completamente diferente dos companheiros, Obdulio Varela saiu pela noite do Rio de Janeiro, sem ser reconhecido, para tomar cerveja sozinho nos bares cariocas. Conforme relataria em seu país, ficou assombrado com o tamanho do desespero dos brasileiros que afogavam as mágoas naquela noite. Porque, para ele, tinha sido apenas um jogo de futebol, e haveria outros, para possível desforra. "Se eu soubesse a dor que causaria a essa gente tão boa, não teria ganhado o jogo", diria mais tarde, ao recordar que, em muitos bares, abraçou bêbados e chorou junto com eles.

ASSISTA O DOCUMENTÁRIO:

 


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terça-feira, setembro 09, 2014

'Mercado de notícias': ao colaborar com massacre midiático de Collor, PT fortaleceu golpismo da imprensa

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Fui ver "Mercado de notícias", documentário de Jorge Furtado que debate política e jornalismo. A costura de depoimentos de vários profissionais da comunicação sobre o comportamento e interesses da mídia, tendo como pano de fundo uma peça de teatro inglesa do século 17 (que dá nome ao filme), dá margem a vários tipos de crítica, comentários, interpretações e conclusões. De minha parte, saí do cinema com duas impressões: 1) de que, por ser jornalista com duas décadas de profissão em redações e assessorias de imprensa, não ouvi nenhuma novidade; 2) e de que, por outro lado, para uma pessoa leiga (e consumidora desavisada do noticiário midiático), o documentário é didático e revelador - para que ela passe a questionar notícia como "verdade".

Alguns dos jornalistas/ repórteres/ blogueiros/ donos de veículos de imprensa entrevistados até ensaiam uma defesa daquilo que se convenciona chamar de "jornalismo", da "verdade factual" e de outras funções aparentemente "imprescindíveis" dos profissionais de comunicação para a sociedade. Porém, no final das contas, creio que o documentário cumpre a função (louvável e necessária, em minha opinião) de levar a maioria dos espectadores a concluir que o noticiário divulga apenas versões, em vez de fatos - e versões que favorecem prioritariamente os interesses econômicos/ políticos das empresas de mídia. Como observei, penso que, para nós, jornalistas (veteranos e calejados), isso costuma estar mais do que claro. Mas, para quem não é jornalista, não está, não.

Entre outras coisas, os profissionais que aparecem no documentário dizem que: não existe imparcialidade no jornalismo; que os jornais são partidos políticos; que, por isso mesmo, críticas e denúncias (mesmo que infundadas ou irrelevantes) são sistemáticas e catastróficas contra determinadas pessoas e/ou grupos, ao mesmo tempo que quase inexistem ou são feitas de forma benevolente quando referem-se a outros grupos e/ou pessoas; que as redações desenvolvem "teses" (mesmo que irreais e/ou mentirosas) e depois mandam os repórteres colher informações e declarações que as justifiquem; que a maior parte das notícias é produzida sem que se faça a necessária e profunda apuração e checagem dos fatos; e que, por fim, tudo é um grande "balcão de negócios".

De certa forma, eles estão verbalizando, para plateias de milhares de espectadores, muitas das coisas que afirmei, há três anos, para um blog da minha terra natal, Taquaritinga (SP), que, óbvio, tem um alcance quase nulo. "A imparcialidade é um mito, não existe", cravei, naquela entrevista (leia a íntegra clicando aqui). "Dono de jornal não é jornalista, é empresário, que defende seus interesses, econômicos e políticos", prossegui. "A censura, hoje, não é política nem imposta pelo governo. A censura é econômica. Só consegue dizer o que quer quem tem dinheiro para ter um meio de comunicação", acrescentei. Pois exatamente tudo isso, de maneira menos simplória que minha abordagem, lógico, é dito, com outras palavras, no documentário "Mercado de notícias".

Outros "ecos" que ouvi se referem à necessidade de pulverizar a verba estatal para os meios de comunicação (no filme, há quem concorde e quem discorde) e, mais impressionante, o papel protagonista do Partido dos Trabalhadores na configuração do tabuleiro de interesses midiáticos. Na última década, gastei muita saliva - e a paciência da companheirada - nas mesas de bar e afins sustentando que, a partir de 2003, o governo Lula deixou a imprensa "nua", no sentido de que não consegue mais disfarçar seus reais interesses. No documentário, Janio de Freitas diz que, até 1964, cada jornal defendia um partido político; que na época do golpe militar todos se uniram para apoiá-lo; e que, depois da vitória de Lula, todos se unem novamente, só que no anti-petismo (bingo!).

Outra teoria que já despejei na orelha dos camaradas foi de que, no episódio "mensalão", o PT passou a pagar o preço por ter colaborado com o movimento golpista contra o presidente Fernando Collor de Mello. Pois, no documentário, Luis Nassif afirma com todas as letras que o "jornalismo" praticado (e louvado) hoje no Brasil, baseado em uma cascata de denúncias escandalosas que via de regra não possuem provas nem sustentação lógica, virou "padrão" ou "modelo" justamente na cobertura midiática que "enlameou" a carreira política e a vida de Collor, e que precipitou sua renúncia. Renata Lo Prete acrescenta, no filme, que muitos dos que hoje reclamam da postura da imprensa eram os que antes, quando estavam na oposição, forneciam informações e materiais para alimentar escândalos.

Por essas e por outras, recomendo o documentário "Mercado de notícias". Rende muito "pano pra manga" sobre um assunto que considero de fundamental importância no mercado jornalístico: o esclarecimento do receptor (leitor, ouvinte, espectador, internauta) sobre os métodos, artimanhas e interesses do emissor (as empresas que comercializam notícias). E, como sonhar não custa nada, ainda espero que, um dia, essa necessária "educação" sobre o consumo de mídia venha a fazer parte do ensino formal na escolas. Ou então nós mesmos, jornalistas, teremos que, voluntariamente, deixar o jornalismo "nu" para a população.

sábado, janeiro 26, 2013

Quando perder do Uruguai fez sentido

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Não, eu não estou afirmando que a derrota do Brasil para os uruguaios na final da Copa de Ouro dos Campeões Mundiais, em janeiro de 1981, foi uma armação. Assim como em 1950, nossos adversários ganharam na bola, e pelo mesmo placar de 2 a 1 (na foto ao lado, o goleiro e capitão Rodolfo Rodríguez levanta a taça). O título do post refere-se ao fato de que, há 32 anos, a vitória uruguaia representou um grande e justificado desabafo para sua população. É o que conta o ótimo documentário "Mundialito", exibido hoje pelo Canal Brasil. Trata-se de um exemplo crucial de como o futebol e política podem se misturar.

Em 30 de novembro de 1980, os uruguaios foram às urnas para votar, em plebiscito, se a ditadura militar poderia modificar a Constituição do país. Surpreendentemente, 57% votaram "não"! Pela primeira vez na História mundial, um governo ditador foi derrotado em um plebiscito que ele próprio organizou. Acontece que, temerosos pela truculência dos militares, os uruguaios não soltaram fogos nem foram para as ruas comemorar esse episódio fantástico. Calaram-se, apesar da enorme vontade de gritar contra a ditadura que os oprimia.

Só que a oportunidade não tardaria a acontecer: justamente 1 mês depois, teve início no Uruguai a Copa de Ouro organizada pela Fifa, que ficaria conhecida como "Mundialito de 1981" e que reuniu, além do time da casa e do Brasil, Alemanha, Argentina, Itália e Holanda. Fazia 30 anos que a seleção uruguaia não ganhava nada e, simbolicamente, a decisão a confrontou com a vítima de seu título anterior, o Brasil. O novo troféu levou os uruguaios à loucura. E a vitória nas urnas, 40 dias antes, foi gritada nas ruar por milhares de pessoas, a plenos pulmões: "Se va acabar, se va acabar, la dictadura militar!"

No documentário, vários atletas dão depoimento, como o ex-gremista Hugo de León e o ex-santista Rodolfo Rodríguez. E também o nosso saudoso Sócrates, morto em 2011 por consequência do abuso de bebida alcoólica (o que justifica, nos marcadores, a inclusão da cachaça, completando o coquetel de futebol e política). Sócrates criticou no documentário a falta de consciência política de seus companheiros de seleção. Ele diz que comprava jornal para levar à concentração e separava o caderno de esportes, porque era a única coisa que os outros jogadores liam (enquanto ele lia o resto). Confira trecho com o Doutor:


terça-feira, junho 07, 2011

A cachaça como sinal de liberdade e segurança

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O ótimo documentário "Hércules 56", produzido em 2006 pelo diretor carioca Silvio Dá-Rin, narra a dramática libertação de 15 presos políticos no Brasil, em setembro de 1969, a partir do sequestro do embaixador estadunidense Charles Elbrick pela luta armada. A viagem dos presos até o México e depois à Cuba é narrada pelos nove sobreviventes do grupo na época de produção do trabalho: Agonalto Pacheco, Flávio Tavares, Ricardo Zarattini, José Ibrahim, Maria Augusta Carneiro, Ricardo Villas, Mário Zanconato, Vladimir Palmeira e José Dirceu (ficaram faltando os falecidos Gregório Bezerra, Luís Travassos, Onofre Pinto, Rolando Frati, João Leonardo Rocha e Ivens Marchetti). Agonalto morreria em 2007, em Aracaju, e Maria Augusta, em 2009, no Rio de Janeiro.

Quatro sobreviventes: Flávio Tavares, José Ibrahim, José Dirceu e Mário Zanconato

Outros entrevistados pelo documentário são participantes do sequestro, como Franklin Martins, Paulo de Tarso Venceslau, Claudio Torres e Daniel Aarão Reis (os comandantes da operação, Joaquim Câmara Ferreira, o "Toledo", e Virgílio Gomes da Silva, o "Jonas", morreram torturados pelos militares). "Hércules 56" mostra que o processo de libertação dos presos foi muito complicado. Quando 13 deles já estavam dentro do avião, no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro (Bezerra seria resgatado em escala em Recife e Zanconato, em Belém), nada garantia que conseguiriam levantar vôo. Militares radicais pára-quedistas chegaram a tomar a torre de controle do aeroporto segundos após a decolagem da aeronave.

Ao chegar ao México, circulava o boato que seriam deportados de volta ao Brasil. Foi então que o secretário de Governo daquele país, Luis Echeverría, pediu para que tirassem as algemas dos presos e garantiu que estariam a salvo. No documentário, questionado sobre qual o momento em que havia se sentido realmente livre, o ex-metalúrgico José Ibrahim responde:

- Foi quando eu e o João Leonardo derrubamos uma garrafa de tequila. No dia que nós botamos o pé lá. Ele falava assim: 'Ibra' - ele me chamava de Ibra - 'Ibra, tá amarrado aquele negócio nosso, né?'. Eu digo: 'Claro que tá, Jota'. Só eu e ele que sabia (sic). A gente ia chegar, botar o pé no hotel, pedir uma garrafa de tequila e derrubar. Pô, nós estávamos a seco há meses na cadeia. Só de vez em quando vinha a 'laranjinha', né (risos). E aí nós derrubamos essa garrafa de tequila, os dois. E fomos dormir.

Confira, a partir de 3:40 -

terça-feira, setembro 29, 2009

Motivo para beber não faltou...

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Que o Milton Nascimento gostava de uma birita desde os primeiros tempos como músico, todo mundo sabe. Mas, no início dos anos 1970, o saudável hábito de molhar a palavra evoluiu para um quadro perigoso de alcoolismo, que quase comprometeu sua carreira profissional. O livro "Os sonhos não envelhecem: Histórias do Clube da Esquina", escrito pelo compositor Márcio Borges (Geração Editorial, 2002), narra um triste episódio em que Milton desabou de costas no palco, destruindo a bateria da banda, antes mesmo de terminar a primeira música. O show, no Rio de Janeiro, teve que ser cancelado. Na época, Milton costumava se isolar em Vitória, no Espírito Santo, para pegar uma praia e encharcar todas. Mas, pelo o que parece, conseguiu (felizmente) vencer o alcoolismo doentio e destrutivo.

Pois hoje, assistindo o documentário "Brasil, Brasil - Tropicalia Revolution", da BBC de Londres, no Youtube, vi um interessante depoimento do genial músico, cantor e compositor mineiro. Ele relembra sua participação na famosa Passeata dos 100 mil, o maior protesto popular contra a ditadura, quando foi fotografado pelos repressores na linha de frente (na foto acima, aparece à direita, de braços cruzados), e passou a sofrer ameaças. "O telefone tocou e era uma pessoa da ditadura dizendo que eu estava proibido de ir a São Paulo, principalmente na rua tal, que era onde morava minha esposa, na época, e meu filho. Porque, se eu fosse, eles iam raptar meu filho. Sem volta. Eles iam matar meu filho", revelou Milton.

Naquele tempo, ele era casado com a paulistana Káritas, com quem teve o filho Pablo. "Mas eu não liguei praquilo, fui (a São Paulo) mais umas três vezes. Então, quando eu cheguei em casa no Rio, outra vez, o cara (telefonou de novo e) falou assim, 'olha, essa foi a última vez, é o último aviso - se a gente te ver de novo aqui, ele vai sumir pra nunca mais'. Aí foi o mais horrível que aconteceu na minha vida, as pessoas não entendiam por que que eu bebia tanto, por que que eu não ia a São Paulo, e eu não podia falar nada. Nem pra minha mãe, eu não podia falar nada", desabafou Milton, no documentário da BBC. O artista, lógico, não quis pagar pra ver e passou muito tempo sem ver o próprio filho. Alguém imagina uma situação dessas? Pois é, tempos brabos. E tem gente que tem a cara de pau de tratar o período de "ditabranda"...

quinta-feira, abril 02, 2009

Um filme para a Fiel Torcida

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Captar e descrever em imagens o amor da Fiel Torcida pelo Corinthians. O formato é só de entrevistas com torcedores, dos mais variados tipos, classes sociais, raças, gêneros e idades. O cara que voltou de Paris para ver a partida contra o Grêmio que definiu o rebaixamento. A menina que rezou para Nossa Senhora pedindo pelo Corinthians antes do jogo contra o Ceará que decretou o retorno. O membro da Gaviões que passou a noite do sábado ántes do jogo fatídico em 2007 bebendo para não ter que dormir. Muitas caras dessa torcida que, dizem, é a única a inverter a relação e ter um time de futebol.

Esse é Fiel, documentário dirigido pela corintiana Andréa Pasquini, com roteiro dos também alvinegros Sérgio Groisman e Marcelo Rubens Paiva, a que o Futepoca teve a honra de assistir na sessão exclusiva para a imprensa realizada nesta quarta-feira, em São Paulo.



O filme é todo feito de depoimentos de torcedores, sem narração. Os entrevistados foram escolhidos entre mais de 3 mil histórias enviadas ao site oficial do filme. Segundo os realizadores, não houve nenhum acesso aos perfis sócio-econômicos dos torcedores e a diversidade alcançada não foi um objetivo.

O pano de fundo é a saga corintiana do rebaixamento em 2007 até a volta por cima e o retorno para a Série A. Fica a pergunta: por que diabos fazer um filme tendo como pano de fundo o momento mais triste da história do clube? A diretora explica com uma constante encontrada em todos os depoimentos colhidos. “Os entrevistados chegavam antes do momento de seu depoimento e acabavam ficando o dia todo, conversando. E sempre aparecia a questão das tragédias que presenciou. Eu pensei ‘a gente é meio maluquinho mesmo’ (risos). Parece que o sofrimento faz parte da paixão do corintiano”, diz Andréa.

Luiz Paulo Rosemberg, diretor de marketing do Timão, conta que a decisão de fazer o filme foi tomada por ele e pelo presidente Andrés Sanches logo após consumado o rebaixamento. “Fizemos duas promessas: fazer um filme homenageando a torcida e estar na Libertadores em 2010. Fico muito feliz de ter cumprido uma delas”, afirma.

Ele conta também a única diretriz que foi dada para os realizadores: “não ouçam a diretoria”. De fato, nenhum mandatário ou conselheiro aparece, apenas torcedores, alguns jogadores – Dentinho, Lulinha, Felipe (os sobrevivente de 2007), Chicão, William e André Santos (os novos), e o treinador Mano Menezes.

Mas a estrela é mesmo ela, a torcida, com sua devoção ao time. Há momentos que arrepiam, entristecem, emocionam. Entre as história, destaque para a torcedora que, durante as filmagens, descobre estar com câncer.

O filme tem ainda uma música inédita dos corintianos Rita Lee e Carlos Rennó, chamada "Sou Fiel", na voz da cantora Negra Li (que também torce pelo Timão). Bela homenagem do Corinthians a seu torcedor, que deve fazer de tudo para ir aos cinemas a partir do dia 10, quando o filme estréia - eu pretendo ver de novo e comprar o DVD (pré-venda no site www.filmefiel.com.br), que trará depoimentos que ficaram de fora do corte final do filme (a primeira versão de trabalho tinha mais de oito horas, segundo a diretora).

Os planos do clube para a bilheteria são ambiciosos: esperam ser o filme de futebol mais visto do país. Sobre isso, Rosemberg – em tom de brincadeira, santistas – provocou: “Teve um filme sobre um ex-jogador, que usava a mesma camisa que o Douglas, que levou 200 mil pessoas aos cinemas. Deixo para a Fiel responder se levaremos 300 mil, 500 mil...”.