Escute, benzinho Você não pode me deixar Este triângulo de amor Não pode acabar Não vamos nos separar Somos versos da poesia Você e eu, orgia...
Acredito nos versos Por isso te peço mais compreensão Me conheceste no samba, no meio de gente bamba Pandeiro na mão Quando estou vadiando Neguinho reclama sua companhia Você e eu, orgia
Se eu morrer na orgia Tô certo, neguinho, que vou lá pro céu Vou orgiar lá em cima com Silas Com Ciro Monteiro, com Zinco e Noel Quero morrer nos seus braços Porque você é minha estrela da guia Você e eu, orgia
Orgia é aquela folia É aquela esticada pela madrugada É um papo bom, discussão, violão No fim de semana aquela feijoada Cachaça é uma água mais benta Do que a que o padre batiza na pia Você e eu, orgia
Quem leva a mulher pro samba É o cara que paga pra ver e confia Você e eu, orgia Somos a realidade E somos a fantasia Você e eu, orgia Somos a Santa-Trindade, neguinho E somos a trilogia Você e eu, orgia Somos um papo furado E somos a filosofia Você e eu, orgia Que será, mas o que de nós será? Você e eu, orgia Separar, mas pra que separar? Você e eu, orgia
(Do LP "Beth Carvalho - De pé no chão", RCA, 1978)
Todo butequeiro que se preze deve derramar um gole, hoje, em homenagem ao "santo" Antônio Carlos Bernardes Gomes, o saudoso mestre Mussum, morto há exatos 20 anos. Ícone do humor brasileiro, eternizado pelo grupo Os Trapalhões, foi também um grande sambista, compositor, músico e passista, tendo gravado vários discos com o grupo Originais do Samba e também em carreira solo. Anteontem, por coincidência (ou não), pois não me lembrava da data de morte do mito, comprei na rodoviária do Rio de Janeiro a biografia "Mussum forévis: samba, mé e Trapalhões", escrita por Juliano Barreto e publicada recentemente pela Editora LeYa. Embora eu considere que a rica e diversa vida de tal personagem mereça uma obra ainda mais "caudalosa", por assim dizer, com mais entrevistados, depoimentos, informações e infografia, o livro satisfaz algumas curiosidades que, com certeza, todo "mussunzista" deve ter. A elas:
A ORIGEM DO 'MÉ' - Já há muito tempo, a gíria "mé" é conhecida entre quem aprecia "molhar a palavra" ou "dar um tapa no beiço". Mas foi Mussum, indiscutivelmente, quem popularizou esse eufemismo para bebida alcoólica em escala nacional, no programa Os Trapalhões. Na biografia, Juliano Barreto conta que, em sua juventude na Mangueira, o carioca Carlinhos (como Mussum era conhecido), que trabalhava como mecânico e dividia um quarto de cortiço com a mãe a irmã, obviamente não tinha dinheiro para comprar conhaque ou uísque, suas futuras preferências. Por isso, "o drink preferido era a cachaça, mais barata e poderosa. Mas, para não beber a bebida pura, sempre rolava um xaveco para misturar a aguardente com algum ingrediente, para, pelo menos, suavizar seu gosto". Assim, naqueles anos 1950, o limão era a primeira opção da moçada mangueirense, seguido pela groselha e pelo mel. "Na primeira receita", prossegue o livro, "juntava-se a pinga com limão espremido e açúcar, o copo era chacoalhado e a mistura ganhava o nome de batida; a cachaça com groselha, por conta de seu tom vermelho opaco, ganhava o apelido de sangue; e a pinga com mel virou simplesmente o mé". Bebedor "militante e profissional", Mussum tornaria-se um dos maiores "embaixadores" do "mé" e do prazer de "molhar a goela" (mesmo em um programa infantil!). Um dos momentos imortais, em Os Trapalhões, foi a paródia de uma propaganda de polivitamínico feita por Pelé, em que Mussum diz que o segredo da vitalidade "é que eu só tomo mé, MUITO mé!". Relembre:
A ORIGEM DO APELIDO - Mussum ainda era apenas um sambista, tocador de reco-reco e passista dos Originais do Samba, em novembro de 1965, quando o grupo foi convidado para ser figurante de um quadro fixo no programa de humor "Bairro Feliz", da recém-inaugurada TV Globo. No quadro, o ator Milton Gonçalves comandava um bloco de Carnaval e sempre se via em apuros para recusar algum samba-enredo horroroso que o mítico Grande Otelo insistia em lhe oferecer, toda semana. O programa era ao vivo, nas noites de terça-feira. Os Originais do Samba cumpriam o papel de figurantes, totalmente mudos, até que um dia Grande Otelo, que passava por fase instável na vida pessoal e vira e mexe aparecia bêbado, entrou em cena com um livro, dentro do qual escondera as folhas com o texto que não havia decorado. Só que, no ar, o veterano comediante tropeçou e derrubou o livro, espalhando folhas para todo lado. O (até então desconhecido) Carlinhos do Reco-Reco, ao fundo, não segurou sua irresistível gargalhada, o que, ao vivo, contagiou a plateia no estúdio e os telespectadores em casa. Furioso com a impertinência daquele figurante (e para disfarçar a gafe de não saber o texto e de ter sua malandragem de escondê-lo dentro do livro revelada ao vivo), Grande Otelo disparou, com sua voz esganiçada: "Tá rindo do quê, seu... seu... seu muçum!" O inusitado "xingamento" (muçum é um peixe parecido com uma enguia), somado a cara de espanto do sambista, completou a gargalhada do público - e tudo foi espontâneo. Para desespero do futuro Mussum, o apelido pegou forte no elenco e ele nunca mais seria chamado de outra maneira na vida. Veja vídeo do peixe muçum:
A ORIGEM DO 'DIALÉTIS' - Mesmo entre as crianças e adolescentes de hoje, que nem tinham nascido quando Mussum morreu, falar igual o personagem, colocando "is" no final das palavras - cadeiris, garrafis, carióquis - ainda é uma febre, e também em memes na internet e em camisetas. O que pouca gente sabe é que não foi o trapalhão quem inventou esse "dialétis". Depois da gargalhada espontânea no programa "Bairro Feliz", da Globo, que provocou a ira de Grande Otelo e o batismo de seu apelido eterno, Mussum saiu do anonimato e fixou-se como um cara engraçado, ganhando espaço para contar piadas e fazer palhaçadas nos shows dos Originais do Samba. Por isso, em 1967, foi convidado a integrar o novo quadro do programa "Chico Anysio Show", na TV Tupi, como aluno da "Escolinha do Professor Raimundo". Como precisava do dinheiro, pois, para sustentar mulher e filho pequeno, somava a carreira de sambista com a de cabo da Aeronáutica, Mussum aceitou. Mas ficou muito nervoso, já que, na experiência anterior na Globo, tinha sido só figurante e não precisava falar nada. Foi aí que o próprio Chico Anysio, que o convidou pessoalmente para o programa, bolou, junto com o redator Roberto Silveira, alguns bordões para ajudar o personagem Mussum a ter o que dizer na Escolinha: “Olha, crioulo, você tem três expressões para ganhar a vida: 'tranquilis', 'como di factis' e 'não tem problemis'. Esse vai ser o seu ganha pão”. De factis, foi isso mesmis que aconteceu. Muito depois, Mussum gravaria com Chico Anysio uma parceria do humorista cearense com Nonato Buzar. Ouça:
Passista: Mussum, de perfil, é o 2º a partir da esquerda
SAMBISTA E PASSISTA - Apesar de muitos ainda recordarem a vida musical de Mussum com os Originais do Samba e posterior carreira solo, poucos sabem sobre sua extraordinária habilidade como passista, que deslumbrou os mexicanos durante excursões por aquele país nos anos 1960. Para se ter uma ideia, Mussum foi um dos passistas de destaque do desfile da Mangueira no Carnaval de 1967, que contribuíram decisivamente para que a escola fosse campeã, depois de seis anos sem título. Ele apareceu até na capa da extinta revista O Cruzeiro. Foi a habilidade como passista de samba, aliás, que favoreceu sua estreia no mundo artístico: como o reco-reco, o instrumento que tocava, não era realmente imprescindível para um grupo de samba, foram os passos rápidos e acrobáticos que garantiram sua vaga nos Modernos do Samba, primeira versão dos Originais. Com o tempo, o bom humor, o jeito engraçado e a capacidade de fazer todo mundo rir seriam outras características que o tornariam insubstituível - e protagonista - no conjunto. E que o levariam ao "Chico Anysio Show", chamando a atenção de um outro cearense: Renato Aragão. O resto, como ele mesmo diria, "é históris". Avoé, mestre Mussum! Que esteja eternamente em paz, tomando um "mé" num buteco celestial. Vamos celebrá-lo com um pouco de Originais do Samba:
E (lógico) com Os Trapalhões, mostrando seus "dotes" de baterista e de cantor:
Encerro o post registrando uma paródia de "Os seus botões", música do Roberto Carlos, que ouvi no programa Os Trapalhões quando tinha uns cinco ou seis anos (e que nunca mais me saiu da cabeça!): "O botão da calça/ Que o Mussum usava/ Era tão pequeno/ Não abotoava/ O dia que caiu/ Foi uma festança/ Todo mundo viu/ Sua preta poupança"
Manoel dos Santos, que teria nascido em 18 de outubro de 1933 (mas registrado em 28 de outubro), descendia de negros e índios fulniôs do sertão de Alagoas. Marcus Vinicius da Cruz e Mello Moraes, nascido em 19 de outubro de 1913, tinha antepassados suecos e alemães, além de um avô baiano - e se intitulou, no "Samba da bênção", "o branco mais preto do Brasil". Mané, como era conhecido, revolucionou, com suas pernas tortas, o mais brasileiro dos esportes, o futebol. Vininha, como o chamavam os mais íntimos, foi um dos nossos maiores poetas populares e um dos responsáveis por modernizar o mais brasileiro dos ritmos musicais, o samba.
Vinicius, em 1958
Garrincha, na Suécia
Em 1958, Mané Garrincha e Vinicius de Moraes contribuíram para colocar o Brasil definitivamente no mapa. Como ponta da seleção canarinho na Copa da Suécia, Mané embasbacou o mundo ao entortar russos, galeses, franceses e quem mais aparecesse pela frente. Pela primeira vez, um time mostrou que era possível vencer no drible, na ginga, na arte. No samba. E, falando nisso, foi naquele mesmo ano que a poesia de Vinicius uniu-se à música de Tom Jobim em uma das canções mais importantes de todos os tempos, "Chega de saudade", que, em gravação de João Gilberto, inaugurou um novo jeito de compor, letrar, harmonizar, tocar e cantar nosso velho samba. Era a Bossa Nova, que influenciaria músicos e a música popular de todo o planeta.
Foi assim que esses dois brasileiros, produtos da nossa melhor mistura de três raças, colocaram o Brasil em um outro patamar, no esporte, na música e, em ambos os casos, na arte. Curiosamente, os dois também eram adeptos de outro de nossos mais célebres produtos nacionais, a cachaça (embora Vinicius preferisse o correspondente escocês/irlandês, o uísque). Infelizmente, foi o excesso de bebida que matou Mané de cirrose hepática e contribuiu para a isquemia cerebral e seus problemas decorrentes que acabaram por levar Vinicius. Outra curiosidade: o poeta torcia para o Botafogo do Rio, que tem Garrincha como maior ídolo.
Para celebrar os 80 anos de nascimento de um e o centenário de outro, segue o poema que Vinicius de Moraes fez para Mané, batizado com o apelido que imortalizou aquele que também era chamado "alegria do povo" (afinal, como diria o já citado "Samba da bênção", "é melhor ser alegre que ser triste"):
O ANJO DAS PERNAS TORTAS
A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.
Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés - um pé-de-vento!
Num só transporte a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita Seu uníssono canto de esperança. Garrincha, o anjo, escuta e atende: - Goooool! É pura imagem: um G que chuta um o Dentro da meta, um L. É pura dança!
Saravá, Mané! Saravá, Vininha! Nós, os brasileiros de três raças, que sambamos e jogamos bola como vocês ensinaram, levantamos um brinde eterno!
A canção popular reflete e respalda valores sociais de todas as naturezas. Assim acontece com questões de gênero. Em tempos de MC Katra, de sertanejos universitários que, se te pegam, ai, delícia, é curioso fazer um mergulho histórico na música brasileira e encontrar peças de um sexismo medieval estampado em cores vivas.
Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, um ano depois da polêmica sobre a lei antibaixaria na Bahia que pretendia proibir exibições públicas custeadas com dinheiro público que incluam músicas machistas, separamos algumas das acusadas, com ou sem razão, de propalarem ideias machistas.
Machismos escondidos em cenas de ciúmes e arroubos de possessividade masculina ficaram para outro post. Nas selecionadas, seja por retratar, seja por difundir esse tipo de concepção (em geral, o ouvinte é quem "decide" em qual das hipóteses enquadrar), elas são clássicas. Mas talvez não possam ser executadas em qualquer show na terra de Jacques Wagner e ACM Neto...
Gol anulado
"Gol Anulado", de João Bosco e Aldir Blanc começa com uma cena que, hoje, poderia ser enquadrada na Lei Maria da Penha. "Quando você gritou 'Mengo', no segundo gol do Zico tirei sem pensar o cinto e bati até cansar". A confissão sem remorso da agressão é seguida de uma explicação que, longe de querer excusar a violência, só tenta explicar as razões para tanta decepção. "Dois anos vivendo juntos, e sempre disse contente: 'Minha preta é uma rainha, porque não tem o batente. Se garante na cozinha e ainda é Vasco doente'". Além de não poder trabalhar, a mulher teria de se anular até na preferência clubística... Cantada por Elis Regina a história soa toda outra. Mas a cena de violência é a mesma.
Na subida do morro
Agressão também é descrita, em condição ainda mais inusitada, em "Na subida do morro", de Moreira da Silva. Nesse percurso, "me contaram que você bateu na minha nega, e isto não é direito: bater em uma mulher que não é sua". Strito sensu, se agredir uma mulher é crime, bater em uma "mulher que não é sua" certo não é. Mas a composição faz graça ao deixar no ar que tapas e sopapos na própria senhora seriam outro departamento. O malandro admite uma biografia cheia de malícia, sai para tirar a satisfação com o "amigo" que "deixou a nega quase nua". Por tudo isso, fica na lista.
Ai Que Saudades da Amélia
No Dicionário Aurélio, Amélia se tornou sinônimo de "mulher que aceita toda sorte de privações e vexames sem reclamar, por amor a seu homem". No Houaiss, "mulher amorosa, passiva e serviçal".
Considerando-se que "Adeus Amélia" é nome de bloco de pré-carnaval em São Paulo, está claro que "Ai Que Saudades da Amélia", de Mário Lago e Ataulfo Alves, não poderia figurar fora desta lista. Aquela que não tinha a menor vaidade, que passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer; que, ao contrário da atual parceira e interlocutora, não tinha saltada a veia consumista nem cobrava mundos e fundos do pobre rapaz...
A questão poderia dar-se por consagrada por maioria de votos, mas segundo uma singela e curiosa nota de 2001, a homenageada era Amélia dos Santos Ferreira, lavadeira de Almeidinha, irmão de Araci de Almeida. Consta que tinha dotes de cozinheira, arrumadeira e outras que tais, tudo sem achar ruim, e ganhando pouco. "Na brincadeira na roda de amigos do Café Ópera, no centro do Rio, vaticinou-se: tão perfeita, não poderia ser de verdade", segundo outra nota. Da empregada ultraexplorada para a desfeita com a namorada (ou esposa) foi liberalidade dos compositores.
Anos depois, Mario Lago disse que "todos nós somos Amélia ou Amélio", especialmente "quando se está apaixonado, sendo homem ou mulher, se aceita tudo, não se faz exigência". Mas a fama foi toda para a conta do machismo.
Emília
De Wilson Batista e Haroldo Lobo, "Emília" é muito mais subserviente do que Amélia, mas passou ao largo de virar adjetivo no dicionário. Sem poder viver sem a moça que lhe preparava café todo dia e era prendada nos afazeres do lar, escapava a informação de que ela já não estava mais lá, porque a letra diz que sem Emília "já não posso mais".
Mas, ao pedirem, em 1940, a Papai do Céu "uma mulher que saiba lavar e cozinhar, que de manhã cedo me acorde na hora de trabalhar", talvez não imaginassem que ganhariam resposta, bem menos popular e conhecida. "Loucas pela boemia", de Bide e Marçal, do ano seguinte, saiu-se com "Emília diz que não é mais a mesma" e que "Emília enlouqueceu", porque "diz que vai viver sambando" e "saiu gritando: quem não pode mais sou eu".
Mulheres de Atenas
Provavelmente a mais injustamente acusada de machismo é um líbelo feminista. De Chico Buarque, o rei do eu-lírico feminino, e Augusto Boal - criador do Teatro do Oprimido -, Mulheres de Atenas data de 1976, como trilha sonora de peça homônima para o teatro. Consta que o próprio Chico Buarque, em uma entrevista à TV Cultura, teve de explicar a ironia: "Eu disse: mirem-se no exemplo daquelas mulheres que vocês vão ver o que vai dar. A coisa é exatamente ao contrário". (Venhamos e convenhamos que a camisa florida e aberta da gravação de 1976, abaixo, não ajuda a demover a ideia...)
Com açúcar, com afeto
Já que Chico Buarque foi para o alvo, outra acusada com frequência é "Com açúcar, com afeto", composta a pedido de Nara Leão. Segundo o compositor, a intérprete pediu uma "música sobre uma mulher daquelas, daquelas que esperam". Recebeu nos conformes. Uma das cenas descritas até coincide com a canção listada anteriormente. O mau-caráter enrola a esposa dizendo que tem que trabalhar duro, para no bar, canta samba, passa a tarde olhando rabos de saia, fala de futebol e chega em casa naquele estado:
Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança Pra chorar o meu perdão, qual o quê! Diz pra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de vida Pra agradar meu coraçãoE ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratadoAinda quis me aborrecer? Qual o quê!
Mulher e amor de malandro
Há diferentes composições com esse título. Na de 1932, de Heitor dos Prazeres, a "Mulher de malandro sabe ser carinhosa de verdade", porque "quando mais apanha, a ele tem amizade". É fato, admite a composição, que "ela briga com o malandro" e, "enraivecida, manda ele andar". Mas logo "ela sente saudade e vai procurar", porque "sempre apanhando e se lastimando, perto do malandro, (ela) se sente bem".
Por outro lado, gravado em 1980, a "Mulher de Malandro" de Geraldo Filme, mostra um pedido do trabalhador negro que, sem emprego e temendo o fiscal da prefeitura, desiste; decide ir embora. E pede à parceira que aguente, porque "mulher de malando não chora".
De outro monstro do samba, Ismael Silva, em coautoria com Francisco Alves e Freire Júnior, "Amor Malandro" estampa logo: "Se ele te bate é porque gosta de ti, pois bater em quem não se gosta eu nunca vi".
Sambistas, jazzistas, bluezeiros, roqueiros e até compositores eruditos têm histórias imbricadas de entorpecentes. Por questões culturais e porque a Lei Seca durou pouco nos anos 1920 nos Estados Unidos, a bebida alcoólica é especialmente ligada à música. Sobram, aliás, composições que tratam do tema, como consagrado na série do Futepoca"Som na Caixa Manguaça" e levado à exaustão nas músicas da nova geração sertaneja (seja lá o que isso signifique).
Mas qual bebida casa com cada música? Porque goró ainda não tem uma API em funcionamento, Drinkfy ganha conotação de serviço de utilidade pública. Ou o contrário disso. E é divertido.
No estilo de aplicativos que sugerem harmonizações para vinhos ou tipos de alimento gourmet (ou gourmand), a ferramenta consiste em uma busca por um cantor, compositor ou nome do universo musical. O que a aplicação faz é simplesmente recomendar um goró que acompanha bem a trilha sonora. Para Tom Jobim, por exemplo, a recomendação é de uma Corona, cerveja mexicana (é favor não confundir: não é para tomar uma Gorducha). Para Astor Piazzolla, uma garrafa de vinho tinto. Em caso de Rolling Stones, um copo de rum. E ainda tem a versão para feriados.
Foto: Reprodução
Em tese, eles alertam que a combinação pode não ser perfeita, até porque é um cruzamento entre o The Echo Nest (base de dados que descreve artistas e relaciona-os a gêneros musicais) com api do Last.fm (que permite, de quebra, tocar a canção pedida).
Nesse Dia de Finados, convém lembrar de um compositor que teve na morte um tema constante em toda sua genial obra. Junto com desilusões amorosas, o mote da angústia existencial passeia pelas letras de Nelson Cavaquinho, que faria cem anos no último dia 29 de outubro. Trata-se de um músico único, cuja síntese da vida e obra poderiam ser esse parágrafo, escrito por Arley Pereira aqui: “Violão, samba, mulheres, botequins, a soma e a essência da felicidade, a forma e a maneira encontradas de ser feliz cantando a infelicidade e de ser alegre exaltando a tristeza.”
A trajetória do compositor é das mais curiosas e ricas, sendo que as histórias de boemia são inúmeras. Como a de seu tempo de policial, na juventude. Uma de suas tarefas era fazer a ronda no morro da Mangueira a cavalo e, em uma dessas incursões, seu animal acabou sendo "perdido", como ele mesmo relembrou em entrevista:
Resolvi parar numa tendinha e deixei amarrado na porta o cavalo, (...) fiquei tanto tempo conversando com o Cartola, que quando saí da birosca, cadê o animal? Tinha sumido. Fiquei apavorado. E resolvi, assim mesmo, voltar para o quartel. Não é que quando chego lá dou de cara com o cavalo na estrebaria? O danado parecia que sorria pra mim pela peça que me pregou.” e completa "Eu ia tantas vezes em cana que já estava até me acostumado com o xadrex. Era tranqüilo, ficava lá compondo. Entre as músicas que fiz no xadrex está Entre a Cruz e a Espada
Nascido na Tijuca, apaixonou-se pela Mangueira, pelo samba e pela vida noturna. Segundo Carlos Rennó e Paquito, na série Os Inventores da MPB, ele “passava às vezes três noites e três dias seguidos fora de casa, bebendo muito, sem nunca perder a pose, e comendo pouco.” Entre os muitos amores que teve na vida, uma mulher merece destaque. Lígia, sem-teto que dormia na praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, aos pés da estátua de Pedro I. De acordo com Rennó e Paquito, “os dois bebiam até acabarem num banco de praça, de porre, dormindo. Segundo o parceiro Guilherme de Brito, 'ele só se chegava a essa gente assim'. O amor chegou a um ponto tal, que Nelson tatuou o nome de Lígia no seu ombro direito, motivo de sua canção 'Tatuagem', que diz: 'O meu único fracasso/ Está na tatuagem do meu braço'.”
Enquanto outros intérpretes já haviam gravado inúmeras das suas canções, seu primeiro disco só foi lançado em 1970, Depoimento de Poeta, pela gravadora Castelinho. E, ao todo, foram só quatro álbuns solo na sua carreira. Seu último LP, de 1985, Flores em Vida, foi idealizado e produzido pelo cantor e compositor CarlinhosVergueiro. O título faz referência à música “Quando eu me chamar Saudade” (Me dê as flores em vida/O carinho, a mão amiga/Para aliviar meus ais/Depois que eu me chamar saudade/Não preciso de vaidade/Quero preces e nada mais). Cavaquinho morreria na madrugada de 18 de fevereiro de 1986, vítima de um enfisema pulmonar, aos 74 anos.
Confira abaixo a entrevista feita por e-mail com Carlinhos Vergueiro, que lança nesse mês um CD inteiramente dedicado a Cavaquinho, com participações nobres como as de Chico Buarque e Wilson das Neves.
Futepoca - Como você conheceu Nelson Cavaquinho?
Carlinhos Vergueiro - Conheci o Nelson no bar do Zé, um boteco na Rua Maria Antônia, em São Paulo, que eu frequentava. Ele era amigo do Francisco de Laurentis, o Chicão, meu amigo também, e acompanhei os dois em várias noitadas. Eu tinha uns 17 anos.
Futepoca - Nelson vendeu várias das suas composições. É possível ter uma ideia de quantas músicas de fato ele compôs ao longo da vida?
Vergueiro - O Afonso Machado, autor do livro Nelson Cavaquinho, Violão Carioca, conseguiu reunir 200 músicas de autoria do Nelson, mas muitas se perderam, outras ele deu ou vendeu, algumas são dele mas não estão no seu nome como “Pecado”, parceria com Zé Ketti. Essa ficou só no nome do Zé Ketti por motivos burocráticos à época.
Futepoca - O primeiro álbum dele foi lançado somente em 1970. Por que demorou tanto a gravar um disco?
Vergueiro - Porque demoravam muito para achar que valia a pena fazer um disco solo com um artista como o Nelson. Isto foi em 70, pelo selo Castelinho, produzido por Pauilo Cesar Costa. Em 72, a RCA lançou o 2º. Em 73, o Pelão (João Carlos Botezeli) lançou pela Odeon um disco muito importante onde o Nelson gravou pela primeira vez tocando cavaquinho. Em 74, a Continental relançou o disco de 70.
Futepoca - Na sua opinião, é possível dissociar a obra e o modo de composição de Nelson Cavaquinho do seu estilo de vida boêmio? Um poderia existir sem o outro?
Vergueiro - A voz do Nelson, o violão do Nelson, as melodias, as letras que ele compunha, tudo junto era emocionante. Nos bares, nos botequins, nas ruas, ele encontrava um público fiel que o admirava e via nascer várias de suas obras-primas.
Futepoca - Como surgiu a ideia de produzir Flores em Vida?
Vergueiro - O Nelson me disse que tinha vontade de gravar um disco e eu apresentei um projeto ao Aluízio Falcão, diretor do selo Eldorado, que não só aprovou como batizou com o nome Flores da Vida. Além deste disco, participei de um documentário dirigido por Ruy Solberg cujo nome é Nelson de Copo e Alma. O disco foi lançado em Mangueira e o documentário no Parque Laje, com o Nelson superfeliz.
Futepoca - E qual a linha desse seu novo trabalho, que também tem como foco a obra do compositor?
R-Neste trabalho, que tem a participação da Cristina Buarque, do Wilson das Neves, do Chico Buarque e do Marcelinho Moreira, eu quis homenagear o Nelson, que faria cem anos. Contei com a participação de grandes músicos e com os inspirados arranjos de Afonso Machado e Tiago Machado. O Afonso, um dos fundadores do conjunto Galo Preto, é um especialista em Nelson Cavaquinho, e está lançando um livro e um disco instrumental com o Galo Preto homenageando Nelson.
Futepoca - Você acha que hoje Nelson Cavaquinho tem o devido reconhecimento no meio musical e pelos brasileiros em geral?
R- Eu espero contribuir para que mais pessoas conheçam o trabalho desse genial artista.
Hoje, no Dia Nacional do Samba, postamos uma homenagem a quatro brasileiros que, no futebol, tiraram muitas vezes os adversários para sambar: Manoel "Garrincha" dos Santos, Ronaldo "Fenômeno" Nazário, Ronaldinho "Gaúcho" Assis Moreira e Róbson "Robinho" de Souza. Como só os brasileiros sabem fazer.
Zeca Pagodinho acaba de finalizar "Vida da Minha Vida", seu próximo disco. E revela: "Eu gravo bebendo cerveja, pra voz ficar rouca. Se a voz sair muito certinha, ninguém vai acreditar que é o Zeca Pagodinho cantando". Uma das faixas do novo CD é "Orgulho do Vovô", única assinada por Pagodinho (em parceria com Arlindo Cruz), e dedicada ao seu neto, recém-nascido. "Meu compadre Arlindo foi ver o meu neto. Nós nos embriagamos mais uma vez, fizemos essa música e nem o menino ele viu. Esqueceu. Depois disso, me ligou: 'Zeca, precisamos marcar outra cerveja pra eu conhecer a criança'."
Vendeu seu terno, seu relógio e sua alma E até o santo ele vendeu com muita fé Comprou fiado pra fazer sua mortalha Tomou um gole de cachaça e deu no pé
Mariazinha ainda viu João no mato Matando um gato pra vestir seu tamborim E aquela tarde, já bem tarde, comentava Lá vai um homem se acabar até o fim...
João bebeu toda cachaça da cidade Bateu com força em todo bumbo que ele via Gastou seu bolso mas sambou desesperado Comeu confete, serpentina e a fantasia...
Levou um tombo bem no meio da avenida Desconfiado que outro gole não bebia Dormiu no tombo e foi pisado pela escola Morreu de samba, de cachaça e de folia...
Tanto ele investiu na brincadeira Prá tudo, tudo se acabar na terça-feira...
Vendeu seu terno E até o santo Comprou fiado Tomou um gole João no mato Matando um gato Naquela tarde Lá vai o homem...
João bebeu toda cachaça da cidade Bateu com força em todo bumbo que ele via Gastou seu bolso mas sambou desesperado Comeu confete, serpentina e a fantasia...
Levou um tombo bem no meio da avenida Desconfiado que outro gole não bebia Dormiu no tombo e foi pisado pela escola Morreu de samba, de cachaça e de folia...
Tanto ele investiu na brincadeira Prá tudo, tudo se acabar na terça-feira...
Nada consigo fazer Quando a saudade aperta Foge-me a inspiração Sinto a alma deserta Um vazio se faz em meu peito E de fato eu sinto em meu peito um vazio Me faltando as tuas carícias As noites são longas E eu sinto mais frio
Procuro afogar no álcool a tua lembrança Mas noto que é ridícula a minha vingança Vou seguir os conselhos de amigos E garanto que não beberei nunca mais E com o tempo esta imensa saudade Que sinto se esvai
O post poderia estar na editoria “Som na Caixa, Manguaça”, afinal o assunto é o programa “Samba na Gaboa”, da TV Brasil, apresentado pelo sambista Diogo Nogueira.
O programa que conta com um cenário baseado em um boteco, tem em suas gravações a presença quase que constante da indispensável cervejinha, que acompanha as conversas em busca pela memória e histórias da música brasileira. Já o episódio de terça-feira, 16, o tema foi a relação entre o samba e o botequim. Com os convidados Cristina Buarque e Alfredo Del Penho, o roteiro incluiu clássicos como Eu Bebo Sim (Luiz Antônio e João do Violão) e histórias de ébrios clássicos como Nelson Cavaquinho.
Samba e manguaça, Futepoca ainda quer discutir a estruturação da gravadora 100% independente "Manguaça Records"
Boemio "profissional", Cavaquinho encontrava-se, no dia de produção de um álbum de Cristina Buarque profundamente “ressaqueado”. Após sucos, águas e todos os tipos de receitas para trazer vida ao corpo de sambista, alguém teve a idéia de buscar uma “caninha”. Pronto! Lá estava novamente o bom (e manguaça) Nelson Cavaquinho.
A prática para curar a ressaca não é novidade alguma para os ébrios de plantão, mas sempre é bom lembrar as propriedades de cura do mé.
PAGODE DO GAGO (Composição: Gracia do Salgueiro/ Gaguinho)
Gracia do Salgueiro
Fui a um pagode na casa do gago E o rango demorou a sair Acenava pra ele e ele mais que que que Que que que que que que guenta aí
O pagode foi crescendo Sob a luz de um lampião Com cuíca e pandeiro A moçada batia na mão A atração da brincadeira Era a nega do gago sambando Mas a fome também era negra Ninguém mais tava aguentando
E o cara da viola Deu bobeira e caiu pelo chão O gago pulava, sorria e gritava Que que que que que toma mais um limão
Toma mais um limão Que que que que que que você fica bão Toma mais um limão Que que que que que que você fica bão
Tenho empreendido uma busca infrutífera nos últimos tempos, e conto com os leitores do Futepoca e com a comunidade manguaça nacional para obter sucesso no projeto. À história:
Faz tempo, bastante tempo mesmo, chutaria algo em torno de 15, 16 anos. Eu estava assistindo a um programa esportivo da TV Cultura que falava sobre a preparação da seleção brasileira de handebol que ia disputar uma grande competição (Olimpíadas? Mundial?). A matéria era boa e explicava como estava sendo realizado o treinamento dos atletas.
Então se iniciou uma apresentação do trabalho específico dos goleiros. Mostraram os dois (ou mais) arqueiros (dá pra usar esse termo também no handebol?) dando seus saltos, pulando nas bolas, fazendo exercícios físicos, aquela coisa. A reportagem - em tom bem humorado - contava que a vida de goleiro do handebol não era nada fácil, e para ilustrar isso mostrou várias boladas que os jogadores levam em diferentes partes do corpo (inclusive "lá", caro leitor do sexo masculino).
Nesse momento, a reportagem se baseou nas cenas dos goleiros treinando enquanto uma musiquinha tocava de fundo. É aí que eu quero chegar. A música em questão era um sambinha bem divertido, divertido mesmo. Falava sobre um tema tão cotidiano quanto espinhoso para os praticantes de pelada Brasil afora - o inevitável revezamento no gol. Sim, porque a não ser que você seja um mau caráter, não importa o quanto você tenha de habilidade com os pés: chegará um momento, durante a partida, em que você terá que atuar como goleiro.
A música contava o quanto é doloroso permanecer embaixo dos paus (no bom sentido) enquanto uma bela partida de futebol desenha-se centímetros adiante. No refrão, a frase mais importante: "dribla o zagueiro, toca de calcanhar... e eu aqui nessa meta, olhando a bola passar... e eu aqui nessa meta, olhando a bola passar...". Trocadilho sensacional!
Acontece que nunca mais ouvi a música nem vi qualquer referência a ela.
"Procura no Google, seu tonto!". Claro que já fiz isso. Mas nada de obter resultado. O site insiste em me dar a seguinte resposta: Você quis dizer: eu aqui "nessa mesa"
E então não chego a lugar nenhum.
Se alguém conhecer a música (ou mesmo se lembrar da reportagem), eu ficarei muito feliz. E será dada uma grande conbtribuição ao repertório futebol-MPBístico - que, se não chega a ser um "Som na caixa, manguaça!", tem também muitas preciosidades.
Pra ilustrar (?) o post, um vídeo que não tem rigorosamente nada a ver com o assunto e eu nem sei direito do que se trata. Mas é que ele apareceu na busca por "futebol" e "samba" no Google. Aparentemente, fala sobre jogadores brasileiros na Turquia. Se alguém sacar direito o que acontece, agradecemos também.
A escola de samba paulistana Vai-Vai aposta na Copa de 2010, na África do Sul para vencer o carnaval do ano que vem. Em entrevista exclusiva ao Futepoca, Thobias da Vai-Vai, presidente da agremiação, promete homenagem a Pelé, além da celebração da chegada do maior evento do futebol mundial ao continente africano.
O tema foi escolhido por "uma feliz coincidência", o fato de tanto a escola quanto a competição concebida por Jules Rimet completarem 80 anos em 2010. De preto e branco, os representantes do Bixiga contam com a "consultoria" de Orlando Duarte, jornalista esportivo autor da enciclopédia das copas.
Alguém pode dizer que para fazer samba-enredo nem precisaria de tanta precisão nas informações, mas nem só de "celebração", aos vivas ao rei do futebol e de recorrer à "africanidade" se faz uma composição.
A escolha do samba-enredo deve acontecer em setembro, com eliminatórias semanais, sempre aos domingos. Até lá, a comissão de carnaval da escola vai escolher a melhor entre seis composição que ainda participam da disputa. Outras 12 já foram descartadas (a lista completa pode ser ouvida aqui).
Em 2009, com uma crítica à situação da saúde pública, a escola não conseguiu o bicampeonato, ficou atrás da Mocidade Alegre. Para 2010, além do jornalista esportivo, a Vai-Vai também conta com Carlinhos de Jesus na comissão de frente.
Confira os principais trechos da entrevista:
Futepoca – Por que a escolha da história das Copas como tema do samba-enredo?
Thobias – O motivo é a feliz coincidência de a Vai-Vai e a Copa do mundo completarem 80 anos juntas. E vamos ressaltar um detalhe: em 2010, a Copa vai ser sediada finalmente num país africano.
Futepoca – Do que o samba-enredo vai falar?
Thobias – Das origens do samba, da nossa cultura que valoriza o samba, do futebol pentacampeão mundial. E do Rei Pelé. Ele vai ser homenageado como o rei do futebol do século XX e do XXI também.
Futepoca – Como a escola vai construir a letra?
Thobias – Temos uma consultoria especial neste ano de Orlando Duarte, que conhece tudo de história das copas. Ele faz parte da comissão de carnaval deste ano. Até o fim de setembro vai a eliminatória dos sambas-enredo. É como um festival, há várias composições concorrendo e uma delas vai ser escolhida pela comissão de carnaval. Além do Orlando Duarte, vale destacar também a presença de Carlinhos de Jesus na comissão de frente, que vai definir a coreografia.
Futepoca – E como o pessoal da escola vê a fase da seleção brasileira? A turma está animada ou tem uns que querem o "fora, Dunga!"?
Thobias – De futebol, o Brasil não perde, deixa de ganhar. O time já entra campeão. Agora, como todo o brasileiro, só acredito vendo. E nunca vi uma seleção sair daqui com 100% de aprovação. Desde 1966 acompanho as copas – nasci em 1958, em 1962 era muito pequeno.
“E um dia afinal/tinham direito a uma alegria fugaz/uma ofegante epidemia/que se chamava carnaval”. Era assim que Chico Buarque, em um quase samba-enredo, fazia o epitáfio da ditadura militar brasileira na épica “Vai Passar”. Não foi o primeiro e nem será o último a misturar a temática do carnaval com política. Aliás, a música foi utiilizada também para a derrotada campanha de FHC à prefeitura de São Paulo em 1985. O contexto da democratização facilitou a vida do então peemedebista, mas parece que Chico Buarque não se orgulha muito do fato não...
Curiosamente, no Brasil, em geral quem é muito afeito ao debate político costuma rejeitar as folias momescas, preferindo o descanso ou o refúgio daquilo que alguns chamam de apologia da alienação, festa comercial, exaltação de narcotraficantes, coisificação da mulher e várias outras críticas das bem pertinentes, aliás. Mas há muitos exemplos de associação de um dos temas-chaves desse blogue com os festejos celebrizados no Brasil.
Se o evento midiático mais forte do carnaval é o desfile das esolas de samba do Rio de Janeiro, lá também surgiram alguns sambas-enredo bem-feitos e "engajados". A Caprichosos de Pilares se notabilizou na arte de trabalhar temas algo espinhosos com muito bom humor e seu apogue aconteceu no ano de 1985 (vídeo abaixo). Pedindo eleições diretas, o samba lembrava o passado sem inflação e pedia "Quero votar!". "Diretamente, o povo escolhia o presidente/Se comia mais feijão/Vovó botava a poupança no colchão/Hoje está tudo mudado/Tem muita gente no lugar errado".
A lembrança de outros tempos promovida pela letra também tinha uma auto-crítica, sobre a mudança de estilo dos desfiles de então e evocando a saudação aos sambistas antigos, culminando em um dos refrões mais célebres da história do carnaval. "Onde andam vocês, ô ô ô/Antigos carnavais?/Os sambistas imortais/Bordados de poesia/Velhos tempos que não voltam mais/E no progresso da folia.../Tem bumbum de fora pra chuchu/Qualquer dia é todo mundo nu...".
Sambas reflexivos e excelentes também foram a tônica de 1988, centenário da abolição da escravatura. Se a Vila Isabel venceu o carnaval homenageando Zumbi, figura à época ainda negligenciada por boa parte dos historiadores e ignorada nos livros de escola, certamente o samba mais cantado foi entoado por Jamelão, na Mangueira (vídeo abaixo). A letra questionava as condições do negro depois da abolição:"Será/Que já raiou a liberdade/Ou se foi tudo ilusão/Será/ que a Lei Áurea tão sonhada/Há tanto tempo assinada/Não foi o fim da escravidão". O refrão é, sem dúvida, um dos mais significativos da história da Sapucaí. "Pergunte ao Criador/Pergunte ao Criador/ quem pintou essa aquarela/Livre do açoite da senzala/Preso na miséria da favela". Virou até aula no exterior...
Ainda no Rio de Janeiro, também não dá pra esquecer o samba campeão da Vila Isabel em 2006, Soy loco por ti América - A Vila canta a latinidade. A polêmica surgiu por conta do patrocínio da PDVSA, estatal petrolífera venezuelana. Claro que a celeuma se deu por envolver Hugo Chávez, outros apoios financeiros comuns, como de prefeituras, governos de estado e até de ongs ambientalistas foram - e continuam sendo - solenemente ignorados e pouco discutidos pela mídia dita imparcial...
Mas o importante é que hoje carnaval e política se misturam à vontade sim. Sindicatos, como os bancários do Rio de Janeiro, que aproveitam a data para dar seu recado e defender o uso de preservativos, por exemplo. E serve até, quem diria, para explicar Karl Marx (vídeo abaixo). Portanto, não se envergonhe em curtir o samba nesse carnaval, ó, amante da política! Engajamento é que não vai faltar...
Todo início de ano me lembro do saudoso sambista carioca Roberto Ribeiro (à direita). Mas por um motivo triste: ele morreu atropelado no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, há 13 anos - e justamente na data do meu aniversário, 8 de janeiro. O cantor tinha apenas 55 anos e estava praticamente cego. Havia perdido uma vista por contaminação de fungo causada pelo mau uso de lentes de contato e a outra terminou comprometida pela diabetes. Consta que o motorista que o atropelou fugiu sem prestar socorro.
Mas o que descobri recentemente é que Roberto, nascido Dermeval Miranda Maciel em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio, em 1940, começou sua carreira profissional como jogador de futebol. Especificamente como goleiro do Goytacaz Futebol Clube, de sua cidade natal, na década de 1960. Seu apelido como jogador era Pneu. E foi por causa do futebol que ele se mudou para a capital carioca, em 1965, para tentar a sorte num clube grande. Chegou a treinar no Fluminense, mas o samba mudou definitivamente o seu destino.
Com voz marcante, passou a se apresentar no programa "A Hora do Trabalhador", da Rádio Mauá, chamando a atenção da compositora Liette de Souza (que viria a ser sua esposa), irmã do compositor Jorge Lucas. Logo depois, foi convidado a ser o puxador do samba-enredo da escola Império Serrano, em 1971. Na sequência, gravou um LP com Elizete Cardoso, em 1972, e outro com Simone, registro de um show na Bélgica, em 1973 (reprodução à direita). Quando estreou em disco solo, em 1975, emplacou de cara os sucessos "Estrela de Madureira", "Só pra chatear" e "Proposta amorosa".
Dos discos seguintes, na década de 1970, sairiam os sucessos "Acreditar", "Liberdade", "Isso não são horas", "Resto de esperança", "Amei demais", "Propagas", "Triste desventura" e, principalmente, "Todo menino é um rei" e "Vazio" (que começa com os versos "Está faltando uma coisa em mim/ E é você, amor/ Tenho certeza sim..."). A produção fonográfica seguiu pela década seguinte, com hits como "Algemas" e "Amar como eu te amei", mas seu espaço no mercado foi diminuindo e, em 1987, saiu da EMI-Odeon, onde havia gravado 14 discos em 15 anos, para produzir seu último álbum, "Roberto Ribeiro", pela BMG, em 1988.
Infelizmente, quando o grande público começava a redescobrir sua obra, com o lançamento da coletânea "O talento de Roberto Ribeiro", pela EMI, em 1995, veio o acidente fatal. Em 2006, sua viúva, Liette, lançou a biografia "Dez anos de saudade", pela Potiguar Editora (reprodução acima, à esquerda). Já no ano seguinte, foi lançado em DVD o programa Ensaio gravado por Roberto Ribeiro em 1990 (reprodução à direita). Para quem não conhece sua obra, uma boa pedida é a coletânea de dois CDs reunidos em um só, "Meus momentos", da EMI, de 2002. E especialmente para os cervejeiros que fazem e leem o Futepoca, segue abaixo uma de suas composições:
DIVINA INVENÇÃO (Serafim Adriano/ Liette de Souza/ Roberto Ribeiro)
Ela mexe com a minha cabeça Ela faz o meu corpo girar Como um cisco nos braços do vento Ela me deixa no ar Ela me deixa no ar
Ó, divina!
Divina invenção dos deuses Que se espalhou por toda parte O combustível da ilusão Que hoje vou mostrar com samba e arte É temperada pela flor Que enriquece o dia-a-dia Está no barraco, no palácio e no salão Acompanhando a tristeza e a alegria
Chegou ao Rio Casou com o samba e com esse clima tropical (tropical) Surgiu o chope, a cervejinha e a crioula Desse enlace matrimonial (ô, chegou ao Rio!)
Bebe o negro, bebe o branco Empregado e patrão A cerveja geladinha No inverno e no verão No inverno e no verão
Na sexta-feira quero horário e vou partir E vou me vestir de ilusão Passear nos braços da alegria Mil litros de fantasia pra esquecer a irritação Mergulhar no néctar dos deuses E esbanjar descontração (lalaiá) Afogar num mar de espuma Da crioula e da loirinha Do sabor e da magia Esquecer o agora e sonhar com o amanhã E despertar no novo dia
Foi em Londres, em 2004. Eu morava naquelas bandas, uns camaradas músicos iam tocar samba num bar "brasileiro" chamado Guanabara, em Covent Garden, no centro. Lá fomos eu, a patroa da época e um camarada, o George, que estudava inglês e trabalhava de garçom num bufê de festas para os chiques britânicos. O Alemão, outro amigo nosso, fez as pick-ups e tocou samba-roque na entrada e nos intervalos. Até aí, tudo conforme.
Vamos comprar a cerveja. Quem conhece a capital inglesa sabe que isso não é exatamente uma preocupação. Qualquer canto tem o seu Pub, com lager ultragelada ou bitter em temperatura mais ou menos ambiente, a tradicionalíssima irlandesa Guinness e outras tantas variedades. A cerveja é servida em pints, um copo que praticamente corresponde a uma de nossas garrafas, com seus 568 ml, ou em half pints.
Aconteceu, no entanto, que os cabras acharam que a cerveja tinha que ser "a caráter". Só tinha long neck Nova Schin, ao custo de 4 libras. Cada libra na época valia uns R$ 4,40, totalizando R$17,40!!! Ninguém vai deixar de beber, mas o camarada George registrou sua análise, sem contestações: "Os caras acham que bar brasileiro é o que vende cerveja brasileira. Bar brasileiro é o que vende cerveja barata". Opa!
"Estou ameaçado de morte"
Mas isso não foi o mais surpreendente da noite. Conhecemos o produtor da banda, cujo nome nenhum manguaça vai exigir de mim que me lembre, mesmo considerando que o preço e a revolta impediram que eu bebesse o suficiente pra fazer a cabeça. Mas o cara tinha história pra contar.
Era mais um de tantos paulistanos de classe média que vão a Londres viver a liberdade de andar sem documentos, comprar "cogumelos mágicos" (magic mushrooms) no mercado, ganhar uns trocados em subempregos. Ele trabalhava como entregador de pizza, e pra isso comprou uma moto. Na hora de registrar o veículo, não pedem documento, apenas perguntam o seu nome. A dele estava em nome do Silvio Santos, um dos maiores proprietários de motos na Inglaterra. A brasileirada acha então que não precisa cumprir nenhuma lei de trânsito, pois as multas vão pra conta do Silvio. E o cara abusou um pouco.
Mas se o registro é apenas pro forma, o mesmo não se pode dizer do seguro obrigatório, que exige apresentação de passaporte e comprovante de endereço. Pra encurtar a história, pegaram o cara e ele foi convocado a se apresentar aos tribunais ingleses, que estão entre os mais tradicionais do mundo, onde os juízes usam até peruca branca.
Encurralado, o manguaça resolveu arriscar tudo. Diante das Royal Courts of Justice, confessou: "É verdade, eu falsifiquei o registro e tomei as multas todas. Mas vocês não podem me mandar de volta pro Brasil". Pausa entre os magistrados. Eles trocam olhares. Finalmente, perguntam a razão de tal impedimento. O cara, que nunca deve ter saído da Vila Madalena, truca: "Sou do MST, estou ameaçado de morte. Se voltar ao meu país, vou morrer."
Conseguiu asilo político, e deve estar por lá até hoje.