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quarta-feira, abril 29, 2009

Corintiano manguaça: 'Só tem safado na diretoria'

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Como era de se esperar, milhares de corintianos se acotovelaram nas bilheterias do Pacaembu, hoje pela manhã, na desesperada tentativa de assegurar um lugar na segunda partida decisiva do clube pelo Campeonato Paulista, contra o Santos, no próximo domingo (a foto à esquerda é de Reinaldo Marques/Terra). Segundo o site Terra, "havia gente esperando desde sábado". "Quando a bilheteria foi aberta, às 9h (de Brasília)", prossegue o texto de Maurício Duarte, "os fãs comemoraram como um gol de Ronaldo. Fogos, pessoas se levantando de suas cadeiras de praia, muita bebida e gritaria. Mas a festa durou pouco. Às 10h30 (de Brasília) as bilheterias foram fechadas. Quando os corintianos foram avisados pela polícia e pelos orientadores de que os ingressos estavam esgotados, houve princípio de confusão, uma tensão muito grande entre a Tropa de Choque e os torcedores revoltados, que provocavam os policias com hinos ofensivos, atirando pedras e garrafas de plástico". Mas o melhor depoimento foi de "um dos fãs mais exaltados, que admitiu ter consumido vinho, vodka e cerveja na fila durante a espera". Segundo a reportagem, o rapaz chorava compulsivamente, batia no peito e reclamava dos dirigentes corintianos, da polícia e até da política nacional: "Só tem safado na diretoria do Corinthians, que não disponibiliza ingresso. Por isso a política desse país não vai pra frente, porque somos tratados desse jeito. Mas isso aqui é Corinthians, é amor, sentimento, não dá pra controlar". Tava demorando para alguém botar a culpa no (corintiano) Lula...

sexta-feira, abril 24, 2009

Para lavar os cabelos de Baco

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Camarada Anselmo, semana passada, me mandou um release de vinoterapia (já não está na hora de fundar uma associação protetora dos jornalistas contra releases?).

Ele, que abriu interessado numa desculpa a mais para cair nas graças do deus do vinho, logo se decepcionou, era o lançamento de uma linha de xampus à base da bebida sagrada (foto).

Dizia o tal release a loja X, um dos mais charmosos e tradicionais espaços de vinho de São Paulo, promove workshop sobre vinoterapia com a Dra. XX, diretora da XXX, empresa que criou uma linha de cosméticos elaborados a base de ativos de uvas, como os extratos de uvas francesas, que passará a integrar a “carta de vinhos” da loja, fazendo companhia para os mais nobres tintos e brancos... O evento... é dirigido exclusivamente para as “lulus” enófilas, que poderão conferir todos os benefícios que as videiras podem proporcionar para a beleza e o bem estar. Prosecco e aperitivos animam o encontro...”

Fico cá pensando com meus parcos e encanecidos cabelos, qual será o teor alcoólico dos tais xampus? Em emergências, é possível beber? Haverá os reserva Malbec argentinos, uma de minhas preferências por custo/benefício? Serão importados os xampus de carménère do Chile? Por que só uvas francesas? Haverá uma linha masculina? O que vem a ser exatamente “lulus” enófilas?

Não pude deixar de lembrar da frase do dramaturgo e poeta romano Terêncio, que dizia: “Sou homem e nada do que é humano me é estranho.

Ok, tanta criatividade no que fazer com o bendito fruto das uvas pode nem me ser estranho, mas juro que (só por isso) hoje beberei umas taças em homenagem a Baco. Camarada Anselmo, o senhor está convidado.

quinta-feira, abril 23, 2009

Sequência carioca

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Saímos da sala de cinema vivamente ligados pela amizade. Os que estávamos ali sabíamos algo que outros não sabiam. Não havia nenhum orgulho poluindo de vaidade o que era apenas o sincero prazer de compartilhar algo que custou esforço e foi recompensado com uma experiência mágica. A experiência do cinema de Marguerite Duras, que não é fácil, mas que é gigantesca. A cópia em 35 milímetros do filme Aurélia Steiner (Vancouver) estava sendo estreada ali (para o contexto, leia aqui). A qualidade da imagem é brutal. E o filme é pura fotografia: a investigação do espaço, as texturas da praia, das pedras, as paisagens da Normandia, suas falésias, seu vento, suas árvores no inverno, o cemitério de troncos cortados no pátio de uma madeireira. E a voz da sereia Marguerite, sensual, com pausas tão densas quanto o chumbo.

Em meio a esse êxtase estético, pensei que havia uma coerência daquele sentimento com o lugar onde ele acontecia. A amizade soa carioca, principalmente essa amizade inconsequente, que se perde na primeira esquina. Perdemo-nos na sequência, de fato, e já só, na avenida Rio Branco, tomo o metrô no largo da Carioca até a estação Siqueira Campos, de onde caminho ao boteco Pierrot, na rua Domingos Ferreira, em Copacabana. Ali José Murillo, um filósofo chileno, deveria me encontrar. Uma cerveja e, na televisão, Palmeiras vs. LDU. Chegou meu amigo com mais dois chilenos, e outras três garrafas de cerveja agora se viam sobre a mesinha – na verdade um barril de chope com uma tábua redonda em cima.

Não íamos ficar ali. José tinha trazido três vinhos excelentes de Santiago, e uma garrafa de pisco Malpaso. Acontece um estranho evento na TV, em que a bola vence todos os esforços contrários (voluntários ou não) e cruza a linha. Gol da bola, abrindo o placar para o Palmeiras. Era a senha para irmos. Ao entrar edifício, deparamos com um distinto senhor em uniforme impecável, o porteiro:

– Olha só, subiu agora há pouco um cara, não liga não se ele começar a gritar. É que ele chegou doidão. Não pega mulher e fica enchendo a cara. Ele grita, mas não faz nada não, não precisa se preocupar. Mas se ele fizer alguma coisa você chama que a gente vai lá dar um jeito.

Ele me alertava pensando sem dúvida na minha mulher e meu filhinho que já estavam no apartamento, no mesmo oitavo andar que o manguaça. Foi certeiro, ao sair do elevador, um homem visivelmente alterado, meio elétrico, só de bermuda, num movimento frenético de lá pra cá, nos mirou, e seus olhos tremiam internamente. Estava mais pra cheirado que mamado.

– Vocês vão se mudar pra cá? Pô, bem-vindos, pô, certo, desculpa qualquer coisa, aí, sejam bem-vindos mesmo.

E desapareceu, sem que pudéssemos explicar que éramos apenas turistas. Entramos no apartamento, tocamos violão e degustamos vinhos excepcionais, como o Santa Rita (o único de que me lembro o nome). O problema da fartura de bebida boa é a euforia, tudo parece bom demais. Eu mesmo me sentia como um atacante em dia feliz, músicas que não tocava há anos vinham aos dedos como se as treinasse todo dia, lembrava das letras. Tocamos velhos clássicos latino-americanos, como canções de Silvio Rodrigues. A onda era tão boa que nem mesmo com a barulheira que fazíamos o bebê acordou. Brindamos com pisco, antes que os outros dois chilenos se fossem.



José e eu decidimos caminhar um pouco, até, ocasionalmente, aportar nalgum bar. Éramos dois bêbados andando pelo calçadão de Copacabana, desdobrando os mais improváveis assuntos, como fenomenologia política ou o cinema de Marguerite Duras, enquanto o olhar dançava pelas ondas de Burle Marx. Uma criança me pediu dinheiro, depois surgiu uma adolescente, como uma visão, tinha os olhos embaçados e uma voz distante pedindo algo para comer, um menino com alguma deformação facial puxava o canto da boca para baixo, rostos de zumbis que atravessavam meu percurso pelo calçadão. Um frio soprou, era como se estivesse dando os primeiros passos em um pesadelo. Noto que José não está ao meu lado, volto-me, estão todos sobre ele, uns oito, puxando a camisa, remexendo os bolsos, sacando-lhe o relógio...

– Corre, Compay – gritei em espanhol.

José se desvencilhou e os pequenos mortos vivos instantaneamente cruzaram a avenida Atlântica. Ainda atônitos, nos certificamos de que estávamos nós vivos. Vimos os meninos do outro lado, decidimos um caminho por onde voltar. Numa esquina, encontramos com uma viatura de polícia. Relatamos o ocorrido. O guarda, que na verdade queria continuar sua conversa com o senhor que passeava com seu chiuaua, deve ter se sentido constrangido, pois entrou no carro e saiu "em busca" daquelas crianças. Não tinha a menor cara de que ia fazer qualquer coisa, mas pediu para esperarmos no bar da esquina seguinte.

Pedimos duas doses, de Vale Verde e Magnífica. Estranho sabor o da madeira extraída ao tonel pela cachaça quando se mistura ao coquetel de adrenalina e outros alcoóis que circulava nas nossas veias. Não esperamos muito. Seguimos de volta ao apartamento, ainda filosofando, agora já não eufóricos, apenas um pouco mais bêbados. Não sei em que momento de meus descaminhos lógicos eu estava, mas era exatamente ali que se acabava a calçada, e eu pisei em falso no breu do asfalto. Torci o tornozelo esquerdo. Tenho larga experiência no assunto, e percebi imediatamente que era uma torção grave, tinha esgarçado os ligamentos. Era agora um amargo déjà-vu que me assolava. Uma vez, com 17 anos, torci o pé (direito) exatamente desse jeito, na porta de um bar em Santo Amaro, quando não percebi este pequeno abismo que há depois do meio-fio. Não tinha nenhuma saudade daquela dor.

José entrou no último bar da noite, para pedir gelo. Enquanto tentava conter o inchaço, fui me deprimindo nas minhas próprias histórias, contando os últimos 15 anos de minha vida, tão limitados por torções de ambos tornozelos, umas depois das outras, que acabaram me fazendo desistir do futebol, do basquete, do vôlei... Já fui um atleta que bebia, hoje do esporte só sobraram as torções.

Meu colega chamou um taxi, o que foi sensato. Eram três quadras, mas teria sido patético e, talvez, trágico tentar transpor aquele pedaço de chão confiando o agora imprescindível apoio ao equilíbrio de um bêbado. Chegamos, tomei meia garrafa de água (o que deprime também) e me joguei na cama onde dormiam minha mulher e meu filho. Entregue à dor e à momentânea mas intensa depressão, sinceramente chorei. Cris me perguntou o que acontecia, compartilhei minha dor moral, meu sentimento de recorrente derrota para um par de articulações. O bebê, que ainda não fez dois anos, acordou com o balanço do colchão. Limpou os olhinhos com as costas da mão. Me observava muito sério, enquanto sua mãe explicava “O papai está chorando, Chico, ele está muito triste”.

Ele me olha, apenas. Estou rendido, olho para ele também, sem poder interromper os soluços, que cedem agora um pouco à respiração. O Chico inclina um pouco a cabeça, e me olha mais de perto, compenetrado, sempre. Finalmente consigo uma única respiração mais longa e funda. É nessa hora que o Chico ergue as duas mãos e, sem desviar um segundo os olhos, coloca-as sobre a minha perna, como se adivinhasse que a dor nascia ali. E começa a fazer um carinho, movendo suas mãozinhas sem peso de um lado para o outro. Primeiro na perna, depois no ombro e finalmente na cabeça, com todo cuidado. Não tive como, devolvi-me ao choro e murmurei:

– Obrigado, Chico, obrigado.

quinta-feira, março 19, 2009

Em busca do marafo perdido - Capítulo 6

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MARCÃO PALHARES

Os quatro manguaças combinaram de fazer o esquenta na padaria, antes do jogo decisivo que todos assistiriam na república de um deles. Maria mole, rabo de galo, meia de seda, bombeirinho – cada qual com sua preferência etílica. Já turbinados, passaram no supermercado e compraram seis caixas de cerveja, cerca de 72 latinhas. Talvez fosse o suficiente para os 90 minutos de futebol. Mas levaram um litro de vodka, afinal, uma batida de maracujá com leite condensado nunca é demais. Para comer, amendoim.

No apartamento, ligaram a velha e surrada televisão e tentaram diminuir a interferência na imagem e a chiadeira com um bombril nas antenas. Em vão, mas ninguém se importou. A porta da geladeira só fechava com uma fita adesiva. Latas de cerveja eram consumidas em minutos, a vodka mal deu pro gasto. E ainda encontraram um resto de vinho vagabundo, que não durou dez minutos. Quando o jogo começou, os quatro estavam devidamente manguaçados até a tampa. Ninguém se importava mais com o futebol.

Aos brados, os bêbados aumentavam o tom de voz a cada gole sorvido. Num prédio de três andares, com apartamentos pequenos e acústica potente, uma reunião de pinguços, à noite, era uma temeridade. A vizinhança já ameaçava chamar a polícia quando, para piorar, saiu um gol. Sem se importar ou sequer notar qual time tinha aberto o placar, os quatro explodiram num grito uníssono. Cantaram, pularam, berraram e xingaram – nem eles sabiam o quê ou por quê. Para a síndica, que morava no andar de cima, foi a gota d’água.

- Parem com isso! Desliguem essa televisão! Vão beber no bar!, ordenou, pela janela.

Os quatro manguaças ouviram e, por um instante, fizeram silêncio. Depois, como se tivessem combinado, começaram a cantar:

- Ih, fodeu, Camanducaia aparaceu! Ih, fodeu, Camanducaia apareceu!

A mulher ficou possessa. Não fossem os seus 60 anos, desceria até a república com um pau de macarrão para tirar satisfações.

- Seus bebuns! Isso não vai ficar assim! Vou acionar a imobiliária!

Nisso, um dos quatro manguaças saiu na janela e vociferou, raivoso:

- Pode ir! Mas eu vou chamar meu adevogado! (e frisou a sílaba "de", de advogado)

A mulher bateu a janela, assustada, e os bêbados decidiram que era hora de desligar a televisão e rumar para a sinuca mais próxima. Afinal de contas, não restava nenhuma das 72 latas de cerveja e a vodka e o vinho também tinham ido para o espaço. Na rua, encontraram uma garrafa de plástico vazia que, imediatamente, foi convertida em bola de futebol. Trocaram passes por quadras e quadras, gritando, de forma insana, uma paródia da canção religiosa do Roberto Carlos:

- Jesus Carlos! Jesus Carlos! Jesus Carlos, não estou aqui!

Desembarcaram aos tropeções na sinuca e, depois de algumas partidas, cada um tomou o rumo de sua casa, para desmaiar de bebedeira. No dia seguinte, dois dos manguaças, que trabalhavam juntos, estavam discutindo qualquer besteira quando o telefone tocou. O pingaiada que habitava a fatídica república atendeu. O outro só escutou:

- Alô? Sim, é ele mesmo. Pois não.
- (...)
- O que? A síndica? Mas o que houve?
- (...)
- Advogado? Mas que história é essa de advogado?
- (...)
- Sim, eu recebi uns amigos para assistir futebol. Só isso...
- (...)
- Não, ninguém tava fazendo barulho. Deve ter sido a televisão.
- (...)
- Olha, quem abriu a janela pra gritar primeiro foi ela!
- (...)
- O que? Jesus Cristo? Hã?!? Jesus Carlos??? Mas que diabo é isso?
- (...)
- Ela disse que a gente ia chamar o advogado? E que gritamos Jesus Carlos?
- (...)
- Escuta, meu senhor, não aconteceu nada disso.
- (...)
- Não, não vou pagar nada! Essa mulher é biruta!

O manguaça bateu o telefone, revoltado, e ficou resmungando:

- Ah, o que é isso? Pô! Parece que bebe!

Ainda bêbado, o outro perguntou o que estava acontecendo. Ele tergiversou:

- Nada, nada. Vamos lá na esquina tomar mais uma, que tá na hora!

E saíram abraçados, entoando o côro nonsense:

- Jesus Carlos! Jesus Carlos! Jesus Carlos, não estou aqui!

(Continua quando o autor estiver sóbrio o suficiente para escrever...)

quarta-feira, março 04, 2009

A arte de ser moleque e beber qualquer coisa

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Numa dessas mesas de bar no fim da tarde, eu divagava com o colega de trabalho Marcelo sobre a capacidade que todo moleque tem de beber qualquer coisa. Mas qualquer coisa mesmo: de vinho vagabundo a álcool Zulu com maracujá. Ele exemplificava com a última viagem que fez ao litoral, no fim do ano passado, quando seus primos compraram cinco garrafas de "vodka" Leonoff, a R$ 4,85 o litro. É óbvio que ele passou longe - e assistiu de arquibancada a ressaca abominável da molecada. Mas quem é que nunca foi moleque e bebeu essas coisas? Quem nunca tomou uma dessas Askov (foto) da vida, que atire a primeira pedra! Todo mundo tem história pra contar sobre bebidas vagabundas. É assim que aprendemos a diferenciar as coisas boas - e priorizá-las.

De minha parte, me lembro de duas tosqueiras que marcaram para sempre, de forma negativa, meu paladar, meu estômago e meu fígado. Moleque (lógico!), me juntei com mais dois bebuns, todos com 14 ou 15 anos, e catamos todas as moedas possíveis e imagináveis. O saldo foi tão irrisório que não dava para comprar uma garrafa de 51. Rodamos os mercadinhos da cidade e, no mais obscuro, trombamos com um litro de "uísque" Chanceler (foto), que na época era envasado em garrafa de cerveja - e com tampinha! Era tão barato que as moedas somaram o valor exato. Fomos para uma praça e tomamos o troço no bico. Nunca vou me esquecer da dor de cabeça e da vontade de morrer no dia seguinte...

Outra besteira que fiz, bem mais tarde, aconteceu em Paracuru, no Ceará (cidade de praia citada numa música de Armandinho e Fausto Nilo). Eu tinha levado um garrafão de vinho para acampar três dias mas, no último, já havia acabado. Saí pela cidadezinha procurando uma bodega que me vendesse mais um litro. Talvez encontrasse um Góes, Canção ou mesmo um Chapinha. Mas foi pior: o único "vinho" disponível na cidade era um tal de São Francisco (foto), da Paraíba (!). Quando abri, tinha cheiro daquelas ceras Grand Prix, de passar em carro. O negócio queimou minha boca e despelou meus lábios. Pensei em jogar fora, mas ofereci a um mendigo, na rodoviária. Fui ao banheiro e, quando voltei, o mendigo tinha ido embora...e deixado a garrafa intacta no chão!

A última recaída, nesse quesito, foi com a temível "vodka" Zvonka, de triste memória. Mas tem muitas outras porcarias soltas por aí: Ninnoff, Moscowita, Askov, Balalaika, Komaroff, Bowoyka, Kriskof, Roskoff, Perestroika (foto), Romanoff, Baikal, Popokelvis, Stolin, Leonoff Ice, Polovtz, Natasha, Novaya, Rajska, Kovak, Snovik, Eristoff. "Isso não é vodka. Não usaria nem para limpar vidro. O 'sabor' dessas marcas obscuras e baratas revela altos índices de impurezas. Provavelmente são feitas com água da torneira, álcool de cana-de-açúcar, e filtradas em carvão de churrasco", esculhamba (com toda razão) Daniel Poeira, do blogue Drink Drinker. Pois é: porre de vodka vagabunda é uma coisa que todo bêbado profissional se lembra com pânico e temor. Como diz Luís Fernando Veríssimo, na crônica "Ressaca", "até hoje, quando vejo uma garrafa, os dedos do meu pé encolhem". Os meus também...

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Em busca do marafo perdido – Capítulo 2

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MARCÃO PALHARES

Domingo era dia de bebedeira naquele prédio. Do primeiro ao 18º andar, homens e mulheres preparavam alimentos e corriam ao supermercado para garantir o combustível da esbórnia. Ninguém sabia ao certo o motivo de tanta sede e necessidade de entupir as células com álcool até a embriaguez sepulcral. Mas era assim naquele condomínio. E naquele dia não foi diferente. Estava marcado um primeiro "esquenta" no segundo andar, onde cinco paraguaios dividiam uma quitinete. Eles fritaram manjubas e a pinga correu solta na forma de caipirinha, batida de maracujá ou mesmo pura. Alguém chegou com salame e calabresa. De algum lugar, brotou uma garrafa de San Raphael. Misturaram aquilo com guaraná e limão e o clima esquentou. A próxima parada seria no 15º andar.

Lá, no apartamento de duas enfermeiras e uma estudante de odontologia, um frango assado com arroz de forno aguardava os mais famélicos. Mas a preocupação geral era beber, então havia três dúzias de latas de cerveja, dois garrafões de vinho vagabundo, uma vodka pela metade e mais pinga que os paraguaios rebocaram de seu muquifo. A turba já chegava a 28 pessoas. Entre brindes e dentadas no frango, comido com as mãos, alguns transitavam entre o apartamento, as escadas e o 11º andar, onde a miséria se estenderia no cafofo de dois irmãos cachaceiros. Eles estavam assando carne de terceira num grill elétrico e aguardavam a chegada de outro pinguço, que ficou de fazer macarrão.

Eram 14 horas e o contingente ultrapassava cinco dezenas de bêbados (e bêbadas). O condomínio era habitado, preferencialmente, por estudantes, proletários e vagabundos que se amontoavam em três dezenas de repúblicas. Todo mundo bebia - e bastante. Nisso, chegou o tal que havia se responsabilizado pelo macarrão. Visivelmente embriagado, ele trouxe o alimento - ou a tentativa dele - dentro de uma vasilha plástica de sorvete. Quando uma menina meio careca tentou ver o estado da coisa, notou que o macarrão tinha passado do ponto e estava todo grudado. Inaproveitável, repugnante. O manguaça, muito provavelmente, havia esquecido a massa no fogo enquanto mamava seu mé ou cochilava na mesa da cozinha. Nem com molho aquela porcaria poderia ser aproveitada.

Por isso, a vasilha foi esquecida num canto, entre dezenas de garrafas vazias. A maratona tinha que continuar e, do 11º andar, todos se dirigiram ao sétimo, onde duas secretárias bilingues e feiosas tinham cozido siris. A quantidade de cerveja consumida até o momento era industrial, mas não parava de chegar mais. Os convidados, bicões e amigos e amigas dos amigos das amigas chegavam em bandos carregando sacolas e caixas de bebidas de vários níveis e qualidades. Tinha gente virando conhaque no bico, outros misturando pinga com Cinzano, outros ainda batendo vodka com rapadura e gelo no liquidificador.

O final da tarde se aproximava e mais de 90 pessoas circulavam entre os vários apartamentos e andares. Nunca se viu tantas garrafas, latas e restos de comida. Os banheiros se entupiam de gente passando mal - ou simplesmente dormindo. Quando o relógio bateu oito da noite, metade dos bárbaros já tinha se retirado. A outra metade estava desmaiada. No apartamento dos irmãos cachaceiros, repousava o temível macarrão embolotado. O que fazer com aquilo? Zonzo, um dos irmãos não teve coragem de jogar fora. Deixou o negócio ali, morto, e foi dormir. No outro dia pensaria no que fazer. E foi assim que a vasilha plástica ficou atrás do filtro de cerâmica, abandonada, a semana inteira.

Só se lembraram do macarrão no domingo seguinte, quando uma nova esbórnia estava para começar. Algum desavisado olhou e pensou que era comida do dia. Abriu a tampa. Uma coisa verde, com vida própria, o cumprimentou. Ainda hoje, os relatos são contraditórios sobre o que aconteceu em seguida. Sabe-se apenas que os moradores desapareceram sem explicação aparente e o prédio, abandonado, acabou lacrado pela prefeitura. Muitos falam em abdução ou fenômeno paranormal. O manguaça que cozinhou o macarrão nunca foi encontrado para esclarecer.

(Continua quando o autor estiver sóbrio o suficiente para escrever...)

quinta-feira, dezembro 04, 2008

A quadra que surgiu do "bucheiro cheio do vinho"

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Na pesquisa sobre as escolas de samba que continuo fazendo, vou me dando conta de que cachaça e futebol são a força motriz de quase todas. O Seu Nenê (foto), que batiza uma das escolas paulistanas, diz: "A Nenê da Vila Matilde surgiu no Largo do Peixe. Tinha um bar de um português, que tinha vindo da Ilha da Madeira. Então, no início o povo chamava Largo do Bar Madeira. Depois, como o português usava um casaco de couro, a malandragem sempre que falava do bar, chamava Bar do Casaco de Couro". Tão vendo? Tinha que ter um bar no meio como pólo aglutinador! Mas o Seu Nenê continua: "Aquilo ficava animado. Na época, o nosso divertimento era esse. Futebol de várzea, eu mesmo joguei muito". Pois olha aí: tinha que ter futebol também.

Mas uma história curiosa da Nenê de Vila Matilde é o motivo para a construção de sua quadra. Voltemos com o Seu Nenê: "Tudo começou com uma confusão. No natal de 67, o pessoal estava tocando em frente a minha casa. A turma sempre vinha, porque vira e mexe a gente fazia samba. (...) Porque eu era o chefe, o rei desse negócio, e eles vinham me procurar, e ficavam lá na frente da minha casa. Nós pegávamos os instrumentos que ficavam guardados em casa, num lugar já reservado para eles. Fiz um barracãozinho do lado de fora e guardava os instrumentos ali. Nesse dia, nós pegamos os instrumentos, saímos para a rua e começamos tocar e cantar. (...) Mas estávamos naquela brincadeira, no Dia de Natal, aquela animação, e passou o bucheiro". Agora prestem atenção no que vai acontecer...

"Eram mais ou menos umas quatro horas da tarde, acho que ele estava cheio do vinho, e passou com uma perua verde no meio da batucada. A turma xingou, ele deu a volta no quarteirão, e passou a segunda vez. Aí começamos a xingar a mãe dele de tudo quanto foi nome, porque a rapaziada também não era mole. Ele voltou e passou de novo, até que o pessoal meteu o chocalho na boca do bucheiro. Pra quê? O covarde foi lá embaixo, e depois de uma meia hora subiu com dez caras dentro da perua, todos com revólver e facão. Eles batiam com o facão e quando o pessoal queria avançar eles apontavam o revólver, se não, davam tiro para cima. (...) Às sete, aqueles que apanharam foram buscar reforço. Vieram uns 150 homens mais ou menos, acho que a escola inteira e mais o pessoal do futebol".

Prossegue o Seu Nenê: "Foi um fuzuê. Queriam colocar fogo na casa do bucheiro, mas aí teve alguns que usaram a cabeça. Então um disse: 'Eu vou dar parte'. E fomos dar parte. Pra quê? Pegamos o nome do bucheiro e fomos lá. Aí fomos intimados. No outro dia, fomos eu e o bucheiro para a delegacia. O delegado fez ele pagar as coisas que tinha destruído. (...) O delegado Carlito pôs a mão no meu ombro, e depois de muita discussão, falou para o bucheiro: 'Olha, você não passa mais lá. Se eu souber que você passou por lá com o carro, eu vou pegar você na sua casa'. E disse para mim: 'E você Nenê, também não toca mais na rua, arruma um lugar para tocar'". E assim construíram a quadra da escola, por causa do bucheiro "cheio do vinho"...

quarta-feira, novembro 26, 2008

Você batizaria seus filhos como Mussolini?

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Tá sobrando dinheiro por aí: sem mais o que fazer (ou propor), um partido italiano de extrema direita está oferecendo 1.500 euros para quem der aos filhos o nome do falecido ditador italiano Benito Mussolini (à direita) ou de sua mulher, Rachele. O nanico Movimento Sociale-Fiamma Tricolore argumenta candidamente que esses dois nomes são "muito agradáveis". Na cara larga, o partideco acrescenta ainda que o incentivo "não tem nenhuma intenção fascista ou racista" - Ma che! Catzo! Só que uma das condições é exatamente que pelo menos um dos pais seja italiano (xenofobia?). Para facilitar as adesões, o "Bolsa-Mussolini" é oferecido em cinco áreas pobres do Sul de Itália. Aí o manguaça vira pra mulher, com um olhar pra lá de mal intencionado: "-Chega pra cá, minha porpêta! Vamo fazer outro bagulino? Esse vai se chamar Benitinho! Mas me diz uma coisa, pêpa: quanto será que dá, em vinho tinto, 1.500 euros?".

quarta-feira, novembro 19, 2008

A cena mais horripilante do mundo operístico

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O acaso me deu a sorte de ter como aluno um cara como o Mauro Wrona. Seria bem improvável eu dar aulas numa faculdade para alguém que já tem uma carreira consolidada, de uma geração anterior. Mauro fez carreira internacional como cantor operístico e hoje trabalha sobretudo como diretor cênico de óperas em várias instâncias, como a Ópera Estúdio (que acontece numa parceria da Universidade Livre de Música, Faculdade Santa Marcelina (Fasm) e Centro Tomie Ohtake), o Centro de Cultura Judaica e projetos próprios. Pois bem, ele agora está se formando em Regência na Fasm, onde aconteceu de eu ser o professor responsável pelas monografias de conclusão de curso.

A razão desse post é que hoje, justamente, estávamos trabalhando no texto deste meu aluno, cujo tema é a ópera O Franco Atirador, do compositor alemão Carl Maria von Weber. Mais especificamente, ele estuda a cena da "fundição das balas", em que se realiza um pacto com o diabo. Aprendi que essa cena é considerada por muitos como o maior exemplo do horripilante, do terror, na ópera.

Aí estávamos revisando a biografia do Weber, quando deparo com a seguinte passagem, que cito em primeira mão do trabalho (ainda inacabado) do Mauro:

"Em 1806, sofreu um acidente grave: procurando no escuro uma garrafa de vinho que deixara em cima de mesa, bebeu por engano o ácido nítrico que se utilizava para as impressões das partituras. Ficou dois meses hospitalizado. Nunca mais pôde cantar, e até para falar seu timbre se alterou."

Cara, isso sim é que é cena horripilante! Depois dessa, qualquer um cria coisas que nem Zé do Caixão seria capaz!

Pra terminar fica aqui o registro de que hoje, 19 de novembro, é aniversário tanto do Carl Maria von Weber como do Mauro Wrona. Parabéns!

PS¹: como bem lembra o Anselmo, é também dia da Bandeira. Salve a Bandeira.

PS²: como muito bem lembra o Glauco, é aniversário do milésimo gol de Pelé, marcado nesta data em 1969.

sexta-feira, novembro 14, 2008

Mais vinho...

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Inspirado pelo excelente post do Maurício, decidi pesquisar de que forma, especificamente, o vinho tem a ver com os princípios fundamentais do Futepoca. E tem tudo a ver! Senão, vejamos:

Vinho e futebol
Quando pensei nisso, a primeira relação que veio foi com o ex-jogador Tigana (à direita). Nascido no Mali e naturalizado francês, jogou pelo Toulon, Lyon, Bordeaux, Olympique Marselle e Mônaco. Pela seleção francesa, esteve nas Copas de 1982 e 1986. Depois, virou treinador e dirigiu o próprio Mônaco, o Fulham (Inglaterra), seleção da Mauritânia, Besiktas (Turquia) e Manchester City, entre outros. Mas foi em 1983 que Tigana, jogador do Lyon, comprou uma vinícola e investiu em terras, tecnologia de produção e em novas variedades de uva. Os vinhos Chateau Bibian-Tigana são reconhecidos como de excelente qualidade.

Outra relação do futebol com vinho foi feita pelo jornalista carioca Bruno Agostini (à esquerda) na Enoteca do portal O Globo. Ele vai listando pontos em comum: "Qual é o objetivo de todo o jogador, todo o torcedor? E dos enófilos? Levantar taças, ora. São dois universos movidos pela paixão. E muito do que se espera de um craque é o que se quer de um vinho. Raça, presença, versatilidade, surpresa...". E mais: "Dizem que o futebol é o ópio do povo. O vinho já é isso há pelo menos 5 mil anos". Depois, monta um "time de futebol" de vinhos - num exercício parecido com o do Frédi em relação à MPB. Entrem no link acima e confiram.

Vinho e política
Essa é uma relação bem complexa. Mas existe: nos Estados Unidos, recentemente, uma vinícola do estado de Michigan criou os chamados "Political Wines" (à direita), vinhos brancos e tintos para democratas e republicanos. Para saber se o vinho é de "direita" ou de "esquerda", basta identificar as cores dos rótulos: curiosamente, se for vermelha, indica a "direita" (dos republicanos), e se for azul, a "esquerda" (democratas). Será que Barack Obama comemorou sua vitória com algum vinho desses?

Em Portugal, outra mistura de política com vinho: o tinto Herdade São Miguel é um projeto pessoal do empresário Alexandre Relvas (à esquerda), diretor de campanha de Aníbal António Cavaco Silva, eleito presidente da República em 2006. "Relvas é o meu Mourinho", reconheceu certa vez Cavaco, fazendo uma analogia com o ex-técnico de Portugal, hoje comandante da Inter de Milão. Na terra de Camões, Alexandre Relvas é conhecido por suas freqüentes intervenções no PSD e em movimentos empresariais como o Compromisso Portugal.

Vinho e cachaça
Teoricamente, misturar essas duas bebidas pode dar uma grande dor de cabeça. Mas aqui mesmo no Futepoca já mostramos que esse casamento existe e que resultou, de fato, no famoso vinho do Porto. Produzido no Vale d'Ouro, esse tipo de vinho consiste numa mistura com a chamada bagaceira, que tem 77º de teor alcóolico. Trata-se de um tipo de cachaça produzida com casca de uva, no processo vinícola. No produto final, há cerca de um quinto dessa aguardente e o restante de vinho. A mistura, que surgiu da demanda para o mercado inglês, é batizada de "fortificação".

Já aqui no Brasil, a combinação de vinho e pinga pode ser saboreada, principalmente, nas tradicionais festas juninas. Entre doces, pipocas e pratos típicos, o chamado "quentão" é consumido por velhos, adultos e crianças. No portal Mundo dos Sabores, descolei uma receita bem interessante:

Quentão com Vinho

1/2 litro de aguardente
1 garrafa de vinho tinto seco
1 laranja
1 limão
50 g de gengibre cortado em fatias
3 xícaras de água fervendo
3 pedaços de canela em pau
4 cravos-da-índia
2 xícaras de açúcar


Preparo
Coloque o açúcar em uma panela e leve ao fogo. Deixe caramelizar levemente. Adicione a água fervendo, os cravos-da-índia, o gengibre, a canela, o limão e a laranja
cortados em fatias finas, com a casca. Deixe ferver por 15 minutos, mexendo de vez em quando. Abaixe o fogo, acrescente o aguardente e o vinho e deixe por 5 minutos. Coe e sirva quente.


Buenas, como se vê, vinho e Futepoca têm total afinidade. Sendo assim, um bom brinde de tinto seco a todos! Salut!

quinta-feira, novembro 13, 2008

A ética do vinho

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Não são muitas as coisas que me comovem. Uma delas são as crianças. Eu acho incrível o que os pequenos são capazes de fazer com a gente. Pensei nisso quando comecei a ler um livro muito interessante que caiu nas minhas mãos, É Vinho! Naturalmente – Em defesa do vinho orgânico e natural (Boccato e Gaia). O autor, Luciano Percussi, dedicado apreciador por décadas, oferece a obra a seus netinhos Francesca, Chiara e Lorenzo, para que eles “um dia descubram que vinho é cultura”.


Falando assim, parece pouco, mas pense bem, é muito bonito: um avô, preocupado com a formação manguaça de seus netos, não quer vê-los crescendo de qualquer jeito, engolindo qualquer coisa, desperdiçando os dons que a natureza lhes deu de sentir prazer e maravilhar-se com os sentidos numa total (ou quase) indiferença em relação ao que ingerem... Eu, não sendo nenhum especialista em vinho, sinto que ganhei mais instrumentos para apreciar esse líquido sagrado que há milênios reúne as pessoas mais diferentes em fóruns adequados à degustação e ao debate. Coloco este livro ao lado de um filme que vi tempos atrás.

Percussi é bem minucioso. Aborda cada aspecto que pode ser de interesse a um principiante para adentrar essa incrível diversidade que é o mundo do vinho. A história, o plantio da uva, a vinificação, o tempo de cada coisa, a degustação. Seu texto é cheio de metáforas, como quando explica o trabalho de um enólogo comparando-o ao de um treinador de pugilismo: “A cada [atleta] dará um tratamento específico para que, dentro dos limites de cada categoria, possam tornar-se os melhores. Com o vinho acontece o mesmo. Os tempos e as temperaturas serão diferentes para cada tipo de vinho.”

O livro tem mesmo o sabor de uma boa história de avô. E é ilustrado por fotos belíssimas. Devo registrar aqui uma ressalva quanto à revisão; esta deixa muito a desejar, a obra merecia um maior cuidado neste quesito tão importante.

Parênteses ético

Peço licença para um parênteses, pois é de valores que se trata quando nos preocupamos em como os manguaças do amanhã vão apreciar seus bebes. Lembrei de uma passagem do perfil do Daniel Dantas, publicado pela revista Piauí, em que o banqueiro faz uma interessantíssima colocação sobre o vinho. O interesse está na síntese de como funciona a cabeça de um banqueiro. Cito aqui o trecho:

“Outro dia, num restaurante, insistiram que eu tomasse um vinho caríssimo”, disse. “Argumentei que seria um desperdício oferecerem um vinho daqueles a uma pessoa que não tinha paladar apurado para apreciá-lo. Aí, me sugeriram aprimorar o paladar.” Fez uma pausa e massageou a testa, parecendo refletir sobre o assunto. “Acho uma aporrinhação esse negócio de aprimorar paladar. Se consigo gostar de um vinho que encontro em qualquer lugar, porque vou arrumar meu paladar e só ter prazer quando tomar uma coisa rara, de altíssima qualidade? É um contra-senso. É muito mais fácil gostar de qualquer coisa. Depois, eu teria que comprar uma adega climatizada, e aí acabaria a luz, e tudo viraria um inferno.”

A lógica é perfeita, só que dentro de uma ética de resultados, que parece ser cada vez mais hegemônica, apesar da resistência de não poucos. Não estou defendendo os “vinhos caríssimos”, apenas quero clarificar um pouco o que é esse “contra-senso” na avaliação de Dantas. É a mesma lógica que inspira o Dunga a acreditar que o importante é ganhar a qualquer custo, jogando de qualquer jeito (e mesmo assim não ganha). Apreciar o bom futebol exige dedicação, não aceitar qualquer coisa, entender os lances e movimentos fundamentais que passam despercebidos e, também, perdoar o craque que arrisca o lance de arte e eventualmente perde uma jogada. Quem tem a qualidade como valor não se impressiona com firulas, coisas vistosas e sem densidade, sem sentido, mas também não pode suportar “qualquer coisa” que lhe dê um retorno quantificável. Assim é com a música, a literatura, o cinema e o vinho, entre tantas outras coisas.

Retomando, entendo a mensagem que Percussi lega aos netinhos de que “vinho é cultura” desse jeito: o vinho não é só uma bebida que agrada e embebeda, é um universo, exige conhecimento, dedicação para apurar o paladar e entender tudo o que está implicado ali. E, finalmente, tudo isso não serve para nada. É assim com tudo o que temos de mais precioso, não dá para submeter a nenhum critério de eficácia. É o campo da qualidade, do amor às coisas e às pessoas, do sabor singular e intraduzível, do valor em si.

Para quem se interessou, hoje, quinta-feira, 13 de novembro, vai ter uma sessão de autógrafos na Livraria Cultura (Loja de Artes, avenida Paulista, Conjunto Nacional), das 19h às 21h30.
PS: Não cheguei a mencionar a defesa que o autor faz das práticas orgânicas e biodinâmicas na produção do vinho. Mais um ponto para a ética!

quarta-feira, outubro 08, 2008

Manguaça-Cidadão: A torneira que jorra vinho na Itália

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Tudo não passou de um erro, mas foi tomado por milagre. Foi na cidade de Marino, sul de Roma (capital da Itália), da região vinícola das Colinas Albanas durante a abertura do 84ª Festival da Uva da cidade, o mais tradicional do país. O combinado era começar a jorrar vinho branco da fonte depois de uma contagem regressiva. Mas o goró foi pelo cano. Das residências.





Por que não erram assim no meu bairro?



Foto: Divulgação
Parecia um milagre, mas foi erro de um funcionário da companhia da cidade. O prefeito Adriano Palozzi (foto), partidário de Berlusconni, logo veio explicar. É que no chafariz da Fonte dei Quattro Mori, na praça do centro da cidade, deveria jorrar vinho branco de 3 mil litros posicionados para isso. Na hora H, um abençoado abriu o registro errado e mandou a bebida para as casas. Quem levou a fama foi a Virgem do Rosário, padroeira da festa.

O encanamento de bebida advinda de arranjos produtivos locais tem tudo a ver com o Manguaça-Cidadão.

quarta-feira, outubro 01, 2008

A importância de um líder manguaça

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De volta de uma viagem à Alemanha, meu colega de trabalho Gerson, já citado em outro post, conta uma historinha interessante que ouviu na cidade medieval de Rotemburgo (Rothenburg ob der Tauber). Em 31 de outubro de 1631, em plena Guerra dos Trinta Anos, a cidadezinha foi sitiada e ocupada pelas tropas da Liga Católica, chefiadas pelo general holandês Johann Tserclaes, conde de Tilly (acima, à esquerda). Enfurecido com a resistência oferecida pelos habitantes (todos protestantes), que provocou a morte de vários soldados católicos, o militar convocou as autoridades locais para tratar da rendição, em uma taberna, ameaçando destruir Rotemburgo e enforcar quatro conselheiros do prefeito Georg Nusch em praça pública.

Na hora da reunião, o taberneiro, querendo agradar, ofereceu ao general invasor o melhor vinho local (o famoso Franken Wein, vinho da região da Francônia), num canecão. Na época, o hábito era passar a enorme caneca de boca em boca, como o chimarrão gaúcho, para cada um tomar um gole. Tilly bebeu mais de uma vez e, já meio manguaçado, zombou dos inimigos, apostando que não haveria homem na cidadela capaz de beber aquele galão inteiro de vinho, correpondente a 3,25 litros, de um gole só. O prefeito Nusch se sentiu no dever de enfrentar o desafio, mas com a condição de que Tilly se retirasse de Rotemburgo sem represálias. Pois o manguaça entornou o canecão inteiro e Tilly preservou a cidade e os conselheiros. Dizem que Nusch ficou em coma 3 dias. Mas sobreviveu para ser reeleito 14 vezes!

Seu feito histórico foi eternizado como o "Meistertrunk", "gole de mestre". Hoje, há um relógio na Prefeitura cujos carrilhões recordam o feito duas vezes ao dia, das 11h às 15h e das 20h às 21h. Numa janela, sai uma estátua de Tilly, perplexo, enquanto na outra sai uma de Nusch entornando lentamente o galão (acima, uma gravura do prefeito manguaça, com a inseparável caneca). O engraçado é que seu nome, Georg Nusch, é quase idêntico ao de outro político bebum, que preside um certo país da América do Norte. E ainda vem o Larry Rohter criticar a cachaça do Lula! Ora, faça o favor...

sexta-feira, maio 23, 2008

Vinho de pinga ou pinga de vinho?

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Bom, como a última rodada da Copa Libertadores entristeceu 50% dos futepoquenses que escrevem no blogue (para felicidade geral de parmeirenses e curintianos), vamos voltar ao assunto fundamental para afogar mágoas ou comemorar a desgraça alheia: a cachaça. Assistindo um programa sobre vinho no History Channel, descobri que o famoso vinho do porto é, na verdade, uma mistura com pinga. Ou melhor, com a bagaceira (um tipo de cachaça) produzida com casca de uva, no processo vinícola.
No produto final, há cerca de um quinto dessa aguardente, um processo chamado pelos portugueses do Vale d'Ouro (foto) de "fortificação do vinho". Poderia muito bem ser chamado de "turbinação", pois, com a mistura da pequena proporção de bagaceira, que tem 77º de teor alcóolico, com o vinho produzido lá, que tem entre 8º e 9º, a mistura final, o chamado vinho do porto, fica com cerca de 22º - bem mais que o teor de 11º a 13º normalmente encontrado em vinhos. A mistura, segundo o programa, surgiu porque os ingleses queriam importar vinho especificamente do Valde d'Ouro, mais distante, e por isso o produto corria o risco de estragar no caminho. Em resumo: quando a coisa ameaça dar errado, a solução é a cachaça!

terça-feira, abril 29, 2008

Do vinho e da caninha

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Logo após se tornar conhecido globalmente como o Rei do Futebol, com a conquista da primeira Copa do Mundo pelo Brasil, em 1958, Pelé passou a ser explorado de todas as formas pela indústria. Na foto à direita, a "Caninha Pelé", destilada e vendida, naqueles tempos pré-históricos, em muitas cidades do interior de São Paulo. Já na década de 1980, outro exemplo de atleta que "virou bebida" foi Romário. Em sua passagem pelo PSV Eindhoven, na Holanda, o Baixinho batizou um vinho local (à esquerda). Sem entrar na polêmica dos gols, poderíamos suscitar outra disputa entre os dois boleiros brasileiros: quem teria vendido 1.000 garrafas primeiro? Sei lá, "Peixe", considerando o gosto nacional pela branquinha, acho que o Pelé também leva a melhor nessa dividida...

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

O vinho e a barbárie

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Esses dias revi um documentário genial. Chama-se Mondovino.

O diretor Jonathan Nossiter chega próximo a cada personagem que compõe o complexo, apaixonado e conflituoso mundo do vinho. Temos o velhinho da Toscana que com um largo sorriso fala do vinho que produz como herdeiro de uma milenar tradição civilizatória: o vinho é o que alimenta os laços da comunidade, que rega as amizades e produz a festa. É o vinho contra a barbárie. Mas há também os produtores do Napa Valley, na California, em particular os megaprodutores da família Mondavi, que sonham um dia, quando já sentirem que a Terra é pequena, poder produzir vinho em Marte...

É na proximidade com essas pessoas que o filme realiza sua proeza, e desenha um dos retratos mais nítidos do meio cultural em que estamos mergulhados, ao qual damos o nome difuso de “sistema”. De um lado, uma diversidade enorme de pequenos produtores, em geral em idade avançada, e particularmente fortes na França, defende os chamados terroirs (os territórios vinícolas) e os vinhos feitos numa relação de intimidade entre o homem e a natureza, únicos a cada safra, e que ganham complexidade de degustação e personalidade em lentos processos de envelhecimento.

De outro, os seguidores da “filosofia” Mondavi, de produzir vinhos jovens, vibrantes e expansivos, de fácil apreciação pelo “bebedor comum”, mas sem a riqueza de aromas, cores e sabores dos vinhos mais “lentos”. Em vez dos territórios, que produzem sabores singulares em cada localidade, resultado do clima, do solo e do trato com as uvas, valorizam recursos tecnológicos que permitem homogeneizar a produção e, em tese, gerar o mesmo vinho em qualquer lugar do mundo onde cresçam uvas.


Os degustadores


Nossiter vai então desvendar os mecanismos que permitiram aos Mondavi tornarem-se o modelo de sucesso no mundo do vinho contemporâneo. Percebe-se como umas poucas pessoas acabam determinando o mercado vinícola mundial. Para começar, um degustador chamado Robert Parker, famoso por seu virtuosismo técnico, que tem influência direta nos preços internacionais. O preço da garrafa acompanha as notas dadas por Parker. Este homem gosta de vinhos jovens, de sabor vibrante, exatamente como os que são produzidos pelos Mondavi, e começou a dar notas baixas aos vinhos de Bordeaux e Borgonha, pelo menos desde os anos 1980.

Isso só não bastaria. Há um enólogo francês chamado Michel Rolland – que presta consultoria a mais de 300 produtores em todo o mundo, como os Mondavi e outros dentre os maiores. Ele é quem sabe produzir vinhos de notas altas. O filme acompanha Rolland em suas visitas às vinícolas, e o seu conselho é um só: “microoxigenação”. Seu bordão é “precisa microoxigenar este vinho”, e é curioso que todos os vinhos precisem da mesma coisa. Outro recurso que se difunde são as chamadas barricas de madeira jovem, que dão sabor de baunilha ao vinho. É também algo que valoriza (e uniformiza) os produtos ao redor do mundo.

Esse mesmo Michel Rolland será o principal consultor dos produtores argentinos e chilenos, que tanto cresceram no mercado mundial nos últimos anos. E muitos produtores mesmo nos rincões mais tradicionais começam a entrar na onda, e aproximar seus vinhos do chamado “gosto moderno”. E são eles que vão chamar os "resistentes" de "terroiristes", quando fazem campanha pelas práticas tradicionais e pela preponderância dos terroirs sobre as marcas.

Mas o que me parece mais belo (e terrível) neste filme é como ele mostra o que significa esse estabelecimento de um mundo dominado pelos interesses comerciais, que começa a se habituar e se moldar por um vocabulário publicitário (que chama de “filosofia”) e já não reconhece mais as coisas genuínas e complexas. Mais que isso, percebemos o quanto se deve compreender a uniformização, o já tediosamente chamado “pensamento único”, como a própria imagem do fascismo. O fascismo não é um regime de Estado nem um conjunto de práticas, é precisamente um estado de anulação do indivíduo em nome de uma massificação que avança subterrânea mas evidentemente e que se dissemina na exata proporção de sua simplificação do que seja o ser-humano, a vida e a cultura. “Fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”, alertou Rolland Barthes, mostrando que não é na repressão, mas na proliferação que o verme se instala.

Mais que diversidade, valores ou o que quer que seja, perdemos é intensidade de vida, o contato com coisas insubstituíveis, que valem por si, pela experiência que proporcionam, e não pelo que são capazes de comprar. Lembrei muito de As Invasões Bárbaras, realizado pelo canadense Denys Arcand, selecionado em Cannes em 2003, um ano antes de acontecer o mesmo com o filme de Nossiter. Nesse filme, há uma geração (ali com os seus 60 anos), cuja intensidade estava no sexo e no pensamento livre, e a geração aos 30 anos, cuja intensidade se encontra na heroína e no “gerenciamento de risco dos investimentos em petróleo no mundo”.

É isso. Paro por aqui, recomendando vivamente a todos que assistam a Mondovino.