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sexta-feira, fevereiro 27, 2015

'Raul bebia pra não saber que tava nessa merda toda'

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Raul internado: morte precoce aos 44 anos
Depois que instalaram uma TV que acessa o Youtube (sem merchan, por favor) lá em casa, desisti de vez de assistir os canais abertos ou pagos e mergulhei nos milhões de vídeos postados por internautas. Numa dessas, trombei com uma entrevista do Plínio, irmão único - e mais novo - do finado Raul Seixas. Ao ser questionado sobre o que teria levado o "Maluco Beleza" a tal ponto de alcoolismo, que o matou aos 44 anos, Plínio resume (o grifo é meu): "Raul tinha uma mágoa enorme com o ridículo, com a mesmice, com a idiotice que tá por aí - e que ainda tá, e que tá até pior. É bom que ele nem esteja mais [aqui]. Porque piorou bastante de lá pra cá, né. (...) Eu não quero falar muito, não, porque eu sou um pouco do lado dele nessas coisas. Mas Raul bebeu também porque... ele era meio tedioso, já, com isso. Isso aqui já não tava mais legal pra ele. Como ele disse: 'Enquanto vocês tão com as cercas do quintal, assento a sombra sonora de um disco voador'. Ele tava além disso tudo, das fronteiras, dos países, das cercas que separam quintais. [A música] 'Ouro de tolo' diz bastante a ideia da cabeça dele. Ele tá muito além disso tudo. Ele não era pra tá aqui. Ele bebia pra esquecer, pra não saber que tava aqui nessa merda toda."


Raul com o vaidoso conterrâneo Caetano
Em outro trecho da mesma entrevista, Plínio afirma que a música "Meu amigo Pedro", um dos maiores "hinos" do raulseixismo, foi feita pra ele - embora haja a especulação de que o "mago" Paulo Coelho, co-autor da canção, tenha direcionado a letra para seu pai, Pedro Queima Coelho. De qualquer forma, registrei acima a opinião de Plínio Seixas sobre o motivo do alcoolismo de Raul porque coincide com um depoimento do Chico Buarque ao jornal espanhol La Vanguardia, de 2005, que recuperei aqui no blog outro dia (o grifo é meu): "Eu nunca vi um movimento geral de idiotice como o de hoje. Já vivemos quase duas décadas de idiotice globalizada. A idiotice nos rodeia, eu mesmo tenho medo de ficar idiota". Pois é. Difícil imaginar Raul Seixas num mundo de Big Brother, Luciano Huck, carnaxé, funk ostentação, sertanejo universitário, coxinhas, anonymous, redes (anti)sociais etc etc etc. Nesse mundo em que todo mundo se leva muito a sério, que "se acha". Como vovó já dizia, em "As aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor", "Acredite que eu não tenho nada a ver/ Com a linha evolutiva da Música Popular Brasileira" - tirando um sarro do conterrâneo baiano Caetano Veloso, que sempre se levou MUITO a sério - tanto que deu o título de "VERDADE tropical" para sua autobiografia, quando mais parece uma "VAIDADE tropical"...

Enquanto Caetano olha para o próprio umbigo, Raul preferia fazer careta no espelho

E como "É fim do mês", termino esse post com os versos de outra obra-prima raulseixista que tem esse título, e que tem tudo a ver com a tal idiotice ressaltada pelo Plínio e pelo Chico (os grifos são meus): "Mas não achei!/ Eu procurei!/ Pra você ver que procurei/ Eu procurei fumar cigarro Hollywood/ Que a televisão me diz que é o cigarro do sucesso/ Eu sou sucesso!/ Eu sou sucesso!/ (...)/ Eu consultei e acreditei no velho papo do tal psiquiatra/ Que te ensina como é que você vive alegremente/ Acomodado e conformado de pagar tudo calado/ Ser bancário ou empregado sem jamais se aborrecer". Um brinde ao grande Raul. Porque eu também já não quero mais nem saber que tô aqui, nessa merda toda...



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quinta-feira, dezembro 04, 2014

Três anos sem Sócrates: o médico era sãopaulino...

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Hoje faz três anos que perdemos Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira. O Doutor. O Magrão. Cada vez que ouvimos, hoje, algum jogador de futebol sendo entrevistado, mais falta sentimos da inteligência, conteúdo, posicionamento e consciência do velho e bom Sócrates. Paciência, vida segue. No vídeo abaixo, gravado para o programa "Fantástico", da Rede Globo, temos uma de suas últimas entrevistas, logo após sair do hospital, no fim de agosto de 2011. As complicações no fígado, decorrentes do alcoolismo, fragilizaram definitivamente sua saúde, provocando sua morte cerca de três meses depois. Mas posto esse vídeo porque, nele, a esposa de Sócrates, Kátia Bagnarelli, faz uma revelação: o médico que havia salvado sua vida, naquele momento, era torcedor do São Paulo (!). Justo o rival que o Magrão (também médico) derrotou por duas vezes, nas decisões do Campeonato Paulista de 1982 e 1983, e que teria, mais tarde, seu irmão Raí como um dos maiores ídolos. "Um sãopaulino teve que salvar a vida de um corintiano", observou Kátia à reportagem, enquanto Sócrates ria. Confiram (a partir de 1:38):




quinta-feira, novembro 27, 2014

'Umas dez cervejas na Ponta da Praia'

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Em março de 2011, quando a imprensa começou a especular que o Santos poderia contratar o técnico Muricy Ramalho, o então presidente do clube, Luis Alvaro Ribeiro, também conhecido como "Laor", comentou: "Quando ele quiser, acertamos isso tomando caipirinha e comendo um camarão". O convite parece ter sido decisivo, pois Muricy realmente acertou com o clube e o levou à conquista do Paulistão e da Libertadores naquele ano. Pois bem, passados mais de três anos e meio da entrevista sobre a caipirinha com camarão, o mesmo "Laor" revela à Bruno Cassucci, do jornal Lance!, que também recorrerá à manguaça para selar a paz com o atual presidente do Santos, Odílio Rodrigues: "Vamos tomar um porre!" (reprodução à esquerda). De acordo com Luis Alvaro nesta entrevista (leia a íntegra aqui), o desafeto, com quem já trocou diversas críticas públicas, o telefonou espontaneamente na última sexta-feira. Diz "Laor":

- A conversa foi tão boa que combinamos que assim que ele deixar a presidência do Santos vamos tomar um porre, umas dez cervejas na Ponta da Praia, onde o convidei para ser meu vice. Vamos chorar um no ombro do outro por ter aceitado essa missão tão difícil de comandar o clube nesse anos.

Que edificante! Mais um exemplo de que não há nada que o homem, o dinheiro ou o poder separe que a cachaça não pacifique! Mas tenho sérias dúvidas de que, se eu chamasse algum dos futepoquenses para "tomar um porre", a soma ficasse só em "dez cervejas"... cada um!


quinta-feira, junho 06, 2013

Aldo Rebelo quer mais Estado na gestão esportiva

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Flagrado com o prato cheio, o futepoquense
Nicolau esconde-se atrás do cabelo
Para arrepio dos liberais e alegria dos esquerdinhas, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, é um intervencionista. A revelação, não tão surpreendente se considerarmos sua filiação ao PCdoB, foi feita para um grupo de onze blogueiros e blogueiras de esportes, entre eles este que vos escreve. Realizada em São Paulo, a coletiva foi um convite do ministério para debater as Copas das Confederações e do Mundo que o país abrigará.

O palmeirense Rebelo defendeu que o Estado tenha maior participação na gestão do futebol e de outros esportes, um espaço de influência para “impor determinados limites para a proteção do interesse público e do interesse nacional. A não ser que alguém prove que não há interesse público nem nacional na prática do desporto. Eu acho que há, e muito, não só no futebol”, defendeu.

A afirmação veio em resposta sobre a relação entre o governo federal – que tem como representantes máximos na organização da Copa o próprio Rebelo e a presidenta Dilma Rousseff, ambos ex-participantes de organizações de luta contra a ditadura militar –, ao lado da CBF de José Maria Marin, ex-deputado pela Arena acusado de contribuir para o assassinato do jornalista Vladmir Herzog. A resposta, sem mencionar o nome de Marin, revela uma marca  entrevistado, afeito ao hábito de embutir mensagens indiretas em suas respostas.

Rebelo minimizou as desavenças, dizendo que as relações entre governo, Fifa, Comitê Organizador Local (presidido por Marin) e os patrocinadores “têm sido muito boas”. Não negou que o diálogo é precário e que haja diferenças de ideias, “mas que não interferem na realização da Copa”.

“Defendo que haja limitação de tempo e número de mandatos para dirigentes de entidades ligadas ao esporte. Se você tem número limitado de mandatos para presidente da República, prefeitos, governadores, por que não pode ter também para o presidente de uma federação?”, indagou o ministro. Ricardo Teixeira, antecessor de Marin e principal articulador da atual estrutura do futebol, passou 23 anos à frente da CBF.

Atentem para o celular do ministro com a capinha do Palmeiras
“Eu vejo entidades que têm dificuldades de prestar contas do dinheiro público. Não é porque vai tirar ou desviar dinheiro. É pela própria competência de prestar contas desse dinheiro. Se você profissionaliza, você valoriza as suas marcas”, continuou o ministro, em mais recados.

Em outro momento da entrevista, falou da necessidade de mudanças no calendário, tema sensível para as federações e para os clubes. Segundo ele, é necessário uma temporada com mais jogos para os pequenos times do país, que sofrem por não ter o que disputar em dois terços do ano, e menos compromissos para os grandes, que disputam perto de 20 jogos a mais que os europeus e não conseguem internacionalizar suas marcas com excursões e pré-temporadas. Não disse, no entanto, o que o ministério efetivamente fará para contribuir com as mudanças – falou apenas em “mediar” o debate.

Como político experimentado, Rebelo revela-se um entrevistado escorregadio. Auxiliado pelo formato do encontro, com cada blogueiro querendo aproveitar sua pergunta e não interferir demais na resposta que outros aguardam, desliza pelos assuntos com referência históricas e sociológicas interessantes, mas pouco práticas.

Por exemplo, Aldo foi perguntado sobre o porquê da privatização/concessão do Maracanã, arrematado pelo Consórcio Maracanã SA, formado pela IMX, Odebrecht Participações e Investimentos e pela norte-americana AEG Administração de Estádios por R$ 181,5 milhões, não ocorrer antes da reconstrução do estádio, que custou mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Aldo dá uma volta ao mundo em centenas de palavras para chegar no final e dizer: qual era a pergunta mesmo?

Em linhas gerais, seu discurso valoriza o legado da Copa em termos de infraestrutura para as localidades e das novas oportunidades de negócios que ela pode proporcionar, inclusive o para o futebol como modalidade de negócio, mas revela preocupação com o legado esportivo do evento, temendo a elitização e o distanciamento do povão do esporte que só se consagrou no país graças à paixão que despertou nas massas desde o início do século 20.

“A Copa pode melhorar a estrutura do futebol brasileiro e elevar a renda dos clubes pela qualificação da gestão, ou pode também elitizar o futebol, transformá-lo numa "ópera", de ricos e da classe média, que vão ali como uma diversão e não porque têm paixão pelo futebol, o que seria lamentável. E também não daria um bom destino para o futebol. O futebol só se transformou no que é porque foi abraçado pelo povo”, afirma o ministro.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Por que essa insistência em fazer a Copa com 12 sedes? Menos sedes não seria mais vantajoso?

Poderia ser mais vantajoso fazer só em São Paulo. Se pegarmos Itaquera, o Palestra, o Morumbi, Ribeirão Preto, Prudente, São José do Rio Preto e outros estádios, faríamos provavelmente uma Copa melhor que a da Espanha em 1982. No entanto, temos um país com toda sua diversidade geográfica, somos um continente, com metrópoles espalhadas de norte a sul. Uma no coração da selva, outra no coração do Pantanal, outra no extremo Sul, e o Nordeste cheio delas.

Se queremos uma Copa do Mundo no país, vamos fazer em todo o Brasil. Não é difícil fazer Copa em Manaus ou Cuiabá, difícil foi fundar e construir as duas cidades. Para fazer o forte na boca do Rio Negro, as pedras tiveram que ser transportadas de Portugal, lá por 1600. Difícil foi a jornada do Raposo Tavares, que saiu de São Paulo e percorreu esse roteiro todo em dez anos, passando inclusive por Manaus. Esse era o desafio nosso e estamos fazendo.

Desafio vai ser transformar esses estádios, que não costumam receber jogos oficiais, em estádios cheios. Brasília, por exemplo, não costuma ter grandes públicos. Como fazer para eles serem rentáveis depois da Copa?

Nesse sentido, é bom lembrar que Brasília nem existia, foi fundada nos anos 1960. Se vamos construir um estádio na capital do país, ele tem de ser compatível com sua vocação, sua trajetória, e acho que o estádio é isso. Não creio que tenha vocação para elefante branco. Ele vai ter todos os jogos importantes? Provavelmente não.

Wembley (em Londres) é um estádio com esse conceito, um monumento ao futebol no qual acontecem oito, dez jogos por ano. Vive mais de eventos, casamentos, museus, restaurantes, bares, visitação. O estádio de Brasília, o de Manaus, o de Cuiabá ou do Rio Grande do Norte serão estádios, terão jogos, e também eventos.

Em Natal a empresa que constrói já está vendendo os espaços internos pelo melhor preço da cidade. É um espaço como tem hoje no Morumbi. Estive lá outro dia e o Juvenal Juvêncio (presidente do São Paulo FC) me disse que arrecadam R$ 50 milhões por ano em venda e aluguel de espaços para academias, bancos, lojas. Isso vai acontecer no país inteiro. O de Fortaleza já é a sede da Secretaria Estadual de Esportes e da Diretoria de Engenharia e Arquitetura do Estado. Tem auditórios, eventos e todos eles vão funcionar mais ou menos desse jeito.

Lamentavelmente a questão do público no Brasil não é só desses estádios. Veja o público dos jogos do Campeonato Paulista, do Carioca, do Gaúcho. Não se pode falar só dos campeonato menores. Vi jogo do Fluminense no estadual com menos de mil pessoas. Mais da metade dos clubes do Rio Grande do Sul tiveram menos de mil pessoas nos jogos. Então, esse é um problema de todo o Brasil e deve ser enfrentado assim.

Por que não privatizaram o Maracanã antes da reforma? Além disso, as pessoas que tinham camarotes perderam o direito a eles. Isso vai acontecer em outros lugares?

Eu não conheço cada uma dessas realidades estado por estado. Sei que há estado em que o estádio é privado: o do Corinthians, do Atlético-PR, do Inter. Alguns são novos. Outros, reformas. Nesses casos, o governo emprestou dinheiro do BNDES para a reforma ou construção, para o consórcio ou empresa, não para os clubes, o que é proibido. Cobrando todas as garantias que são exigidas de qualquer tomador do BNDES, sem diferença. E num volume muito menor do que os empréstimos que o BNDES faz para outros setores, como telefonia.

Em Pernambuco, o estado cedeu uma área para uma empresa em São Lourenço da Mata, cidade da Grande Recife. Será construído, além do estádio, uma universidade, um shopping, um conjunto habitacional. Acho que são 200 hectares de área, e parte será uma reserva ambiental. Nessa cidade da Copa, várias atividades e serviços serão integrados e o estádio é um deles. Uma rodovia duplicada que já está pronta, um serviço de metrô que está chegando até o estádio. Em São Paulo, a zona leste tem o mais baixo IDH da cidade. A ida do estádio para lá iniciou um processo de transformação. Então, é uma coisa muito boa para a cidade e para a Zona Leste. E agora? Esqueci da pergunta (risos)...

Sobre a privatização do Maracanã.

Primeiro, quando você faz com dinheiro público, é criticado porque gastou dinheiro público. Se faz concessão, é criticado porque foi privatizado. É preciso saber o seguinte: o governo do estado vai ser remunerado? A concessão remunera o poder público? Porque elas estão sendo feitas em outros equipamentos, como aeroportos. O de Guarulhos foi concedido recentemente, todo ele construído com dinheiro público. Ou seja, às vezes o setor privado não está disposto a construir, só a fazer a concessão. O primeiro Maracanã foi construído também dessa forma. Tem que ver se na concessão há remuneração e em quanto tempo esse investimento vai ser amortizado.

Em 2007, quando o Brasil foi escolhido sede da Copa, os políticos presentes no dia comemoraram porque havia sete anos para planejar, escolher cidades, construir estádios. Estamos próximos, da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, e há muitos atrasos.

Temos no Brasil uma burocracia muito forte, bem assentada, que envolve órgãos de controle do Executivo, a Controladoria Geral da União (CGU), o Tribunal e Contas da União (TCU); o Ministério Público, o federal e os dos estados; as Defensorias Públicas; órgãos ambientais; o Iphan. Isso cria um coeficiente de atrito, de deslocamento em todas as decisões relacionadas a um empreendimento dessa natureza.

Todo planejamento já deveria levar em conta todas essas circunstâncias, mas é imponderável, você não sabe se sua obra vai ser paralisada por licença ambiental, por ação do MP ou por uma greve. Mas tenho segurança de que as obras serão concluídas dentro do prazo e nenhum atraso comprometerá a realização das Copas.

E que futebol brasileiro teremos no pós-Copa? Vai haver um processo como na Inglaterra, só para a classe média e daí para cima? O povo vai ser impedido de ver futebol?

Essa é uma batalha, não está decidido não. Há um processo econômico...

Por exemplo, uma arrecadação de R$ 7 milhões no jogo entre Santos e Flamengo, no Mané Garrincha em Brasília, é maravilhosa, mas um ingresso médio a R$ 150 não é um preço aceitável.

Principalmente para quem apoia e tem mais paixão pelo futebol, sinceramente não. Alguns defendem que haja uma elitização econômica e social, e justificam ideologicamente afastar o povo e os pobres dos estádios. Eu acho que é uma batalha, não está definido. A Copa pode melhorar a estrutura do futebol brasileiro, elevar a renda dos clubes pela qualificação da gestão ou pode também elitizar o futebol, transformá-lo numa ópera, de ricos e da classe média, que vão ali como uma diversão e não porque tem paixão pelo futebol, o que seria lamentável.

O futebol só se transformou no que é porque foi abraçado pelo povo, embota tenha chegado pelas mãos das elites. O futebol foi uma plataforma de inclusão dos pobres. A primeira celebridade pobre e negra no Brasil foi do futebol. Como um menino como o Friedenreich (filho de um comerciante alemão e uma lavadeira negra) poderia ascender, ser reconhecido e querido se não fosse pelo futebol? Ou o Fausto, que foi para a Copa do Mundo no Uruguai (1930) e voltou celebrado como a “maravilha negra”.

O futebol foi uma espécie de idealização da oportunidade. Aquilo que a educação não permitia, porque era muito restrita a uma parcela da população, o futebol de certa forma ofereceu. Todas as instituições na nossa sociedade que permaneceram e ganharam força foram criadas ou pelo mercado, ou pelo Estado. Corinthians, Palmeiras, Vasco, Flamengo não foram criados pelo Estado nem pelo mercado, mas pela sociedade.

Sobre o mercado, as imposições do organizador não acabam barrando as manifestações culturais?

Eu defendo que voltem, mas a questão é a seguinte: pressionada pelo Ministério Público, a própria CBF fez concessões nesse sentido. Como o evento é da CBF, ela pode dizer o que permite e o que não permite. É como se fosse uma festa organizada por um ente privado. Aqui em São Paulo ficou uma discussão: pode entrar bandeira ou não? E venda de cerveja? Ou seja, todo mundo pode beber cerveja em casa, com a família, na frente dos filhos. No estádio quiseram proibir. A prova de que essa questão não tem muita relação com a violência é que a violência vai sendo cada vez mais praticada distante dos estádios. Os grupos se encontram para brigar, para se matar, longe dos estádios. E se preparam tanto para a briga que não é problema do álcool. Eles priorizam a briga mesmo.

Voltando à questão das sedes fora dos grandes centros, estima-se que eles serão mantidas depois pelos eventos. E se não houver evento o suficiente para dar conta do custo da manutenção? Vai ter concessão para todos, o governo federal entrar com dinheiro público para manter os estádios em pé?

O esforço de construir infraestrutura esportiva do futebol não é só por causa da Copa. O Brasil precisava fazer isso, independente da Copa do Mundo. O Brasil é o país do mundo que tem o maior artilheiros de todas as Copas, que tem os maiores astros de Copas. E esse país que tem toda essa presença no futebol tem apenas 2% do “PIB” mundial do futebol. Ingleses têm 30%, os alemães, um pouco mais de 20%, os espanhóis, 18%, os italianos, uns 16%, e nós lá embaixo. O maior clube de massas do Brasil não tem um estádio próprio. Qualquer time de segunda ou terceira categoria da Espanha, Alemanha ou da Itália tem o seu estádio. E o Flamengo não tem. O Corinthians não tem, vai ter agora. Então, precisava criar essa infraestrutura, melhorar o nosso desempenho.

O país, no entanto, é muito desigual. Alguém se queixa: “Por que na Amazônia, no Centro-Oeste, no Nordeste?” Mas a desigualdade não é só do futebol. Se você for para a Amazônia, você sai de uma cidade da sede do município e anda centenas de quilômetros dentro do mesmo município. E você não pode ir nem de carro, só de avião ou de barco. Essa é a desigualdade do Brasil.

Isso é garantia de que vai haver essas obras de infraestrutura nesses lugares?

Para licenciar uma rodovia no Norte do país, é uma dificuldade muito grande. Mas lá, nessas capitais e metrópoles, existe uma economia capaz de sustentar um estádio. Em cidades como Natal, em torno de 1 milhão de habitantes, você tem atividade suficiente para preencher um espaço como a Areia das Dunas. Em Manaus, você tem essa possibilidade. Porque não é só um campo de futebol. O Vivaldo Lima era um campo grande, lá teve jogos da Seleção Brasileira, mas a Arena Amazônia tem a possibilidade de uma gama de serviços e de atividades que os antigos estádios não tinham.

O presidente da CBF, José Maria Marin, tem um histórico de conexão à ditadura...

A CBF, os órgãos que regulam o esporte no Brasil foram criados pelo Getúlio Vargas. Antes era tudo privado, o Estado não se metia. As maiores ligas do país, de São Paulo e Minas, não se entendiam. Quando a liga do Rio convocava a seleção, como em 1930, São Paulo não mandava ninguém. E vice-versa. Então, não tinha nenhuma seleção brasileira. Acho que só em 1919, quando o Brasil ganhou o primeiro sul-americano, houve um entendimento. Depois o Getúlio criou uma estrutura estatal para tratar do desporto.

Quando acabou o regime militar, as pessoas passaram a acusar que era entulho autoritário, porque o regime militar interferia no futebol, nomeava almirante, brigadeiro, e disseram que tinha de acabar com essa interferência. Só que essa interferência dos militares não seria a mesma da democracia. Quando você tirou o Estado, na democracia, deixou o futebol como uma coisa absolutamente privada, as federações estaduais e os clubes decidem tudo.

E defendo que o Estado tenha uma capacidade de intermediação desses interesses, de impor determinados limites, para a proteção do interesse público e do interesse nacional. A não ser que alguém prove que não há interesse público nem nacional na prática do desporto. Como eu acho que há e muito, não só no futebol.

O diálogo entre o ministério e o Comitê Organizador Local é precário?

Isso não está atrapalhando nada. A cooperação entre governo, Fifa, Comitê Organizador Local e os patrocinadores tem sido muito boa. Nós temos um representante do governo no Comitê Organizador Local. Só de cooperação, muitas coisas para a Copa que dependem do governo. Aeroporto, vigilância sanitária. concessão de visto de trabalho, segurança pública, telecomunicações. Nós participamos, não há nenhum desentendimento nesse aspecto. O que há são diferenças de ideias que não interferem na realização da Copa. Defendo que haja limitação de tempo de mandato e de número de entidades ligadas ao esporte. Defendo. Acho que se você limita os mandatos para presidente, prefeitos, governadores, por que não pode ter também para o presidente de uma federação?

Muitos clubes se queixam que jogam demais (20 partidas a mais do que a média europeia). Outros reclamam que jogam de menos (três meses e passam seis sem ter como pagar um jogador, inclusive os que ganham menos). O mundo do futebol profissional no Brasil é o mundo de baixa remuneração e de grandes dificuldades. Para um jovem que joga futebol, ter salário o ano inteiro para comprar leite, pagar aluguel e sustentar uma família, é muito difícil. As pessoas conhecem essa realidade aqui. Cobrem Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Santos e acha que esse é o mundo do futebol. Nunca chegou na porta de uma prefeitura, como eu cheguei, no interior do Brasil, onde estão jogadores com crianças no colo. Aí chega o técnico, que é outro jovem, e pergunta: “Deputado, o senhor vai falar com o prefeito?” Aí eu digo: “Já sei, a prefeitura não está pagando, atrasou o salário”. E eles: “Não, deputado, atrasou o almoço. Não almoçamos até agora”. Essa é a realidade de mais de 90% do futebol. Então eu digo, tem que ter um calendário maior para esse futebol e tem que ter calendário menor para o outro, que tem que jogar Libertadores, Paulista, Brasileiro, Copa do Brasil. Tem que ter equilíbrio entre isso.

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Participaram da conversa, em ordem alfabética:

Danilo Gonçalo, do Jornalismo FC - http://jornalismofc.com/
Diego Garcia e Pedro Galindo, do Doentes por Futebol - http://www.doentesporfutebol.com.br
Fernanda de Lima, do Donas da Bola - http://www.donasdabola.com.br/
Leandro Canônico, do Meio de Campo - http://globoesporte.globo.com/platb/meiodecampo/
Fernando Cesarotti, do Impedimento - http://impedimento.org/
Marcos Antonio de Oliveira Teixeira, do Blog das Torcidas - http://www.blogdastorcidas.com.br/
Otávio Maia, do Esporte Fino - www.esportefino.net
Paula Máscara, pelo Fora de Campo - http://blogs.lancenet.com.br/foradecampo/
Ricardo Roca, do Futebol Arte - http://www.futebolarte.blog.br/

A transcrição teve ajuda substancial de Alessandra Alves, e a edição teve grande participação de João Peres e Paulo Donizette, os três da Rede Brasil Atual (www.redebrasilatual.com.br).

quarta-feira, abril 24, 2013

Palavra de artilheiro

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"Hoje, na base, não há mais centroavantes. Ou os garotos querem ser meias ou laterais. (...) Primeiro, acabaram com os pontas, e agora estão acabando com os centroavantes."

Serginho Chulapa, em entrevista ao Correio Braziliense.

terça-feira, março 12, 2013

Lições de jornalismo: entrevista genérica

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(Via Thiago Balbi)

segunda-feira, junho 06, 2011

Ronaldo: 'Eu era o meu próprio torturador'

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Na entrevista que concedeu ontem ao canal SporTV, às vésperas de seu jogo de despedida pela seleção brasileira, Ronaldo Nazário deu um depoimento arrepiante. Ao se despedir do futebol, em fevereiro, o atacante afirmou que tinha que reconhecer algums derrotas. "Perdi para o meu corpo", disse, entre lágrimas, ao justificar que as dores e contusões constantes o impediam de seguir a carreira. Falando sobre o assunto, o entrevistador Paulo César Vasconcellos perguntou se alguma vez, nas graves lesões que teve nos joelhos, Ronaldo pensou em desistir. O ex-jogador disse que sempre foi otimista, mas que sofreu horrores.

- Chorei muito. Você não sabe o que é receber um diagnóstico médico dizendo que você, com vinte e poucos anos, no auge da carreira, não vai mais jogar futebol. Quando eu sofri a primeira lesão grave, na Inter [de Milão], fiz a cirurgia e, depois de seis meses, eu só conseguia dobrar a perna num ângulo máximo de 60 graus. Era muito tempo para ainda estar assim, por isso fui consultar um médico nos Estados Unidos, um dos maiores especialistas do mundo. Ele fez todos os exames e disse que minha perna ia ficar assim para o resto da vida, que eu não ia mais jogar futebol e que ia andar mancando. Chorei muito, muito. Foi desesperador.

Depois de chorar e de se revoltar, mandando todo mundo "para aquele lugar", segundo suas palavras, Ronaldo resolveu voltar à França e conversar com o médico que o havia operado.

- Cheguei pra ele e mostrei os exames feitos nos Estados Unidos. '-E aí, o que você me diz', perguntei pro médico. Ele disse que o especialista americano estava louco, que não era nada daquilo. Me deu um grande alívio. Aí ele disse que, se eu passasse quatro meses num centro de fisioterapia em Biarritz, uma cidade da França, eu ia sair de lá flexionando a perna até o calcanhar bater no bumbum. Falei: '-Tô dentro'. Não imaginava o que ia passar. O primeiro mês foi um horror. Eu ficava numa espécie de gaiola, com um cabo prendendo minha perna, que passava sobre a minha cabeça e que eu próprio puxava, para flexionar a perna. Cada vez que eu puxava era uma dor inimaginável. Fazia aquilo chorando de dor. Ou seja: eu era o meu próprio torturador. E foi assim, flexionando grau por grau, que eu saí de lá, como o doutor falou, flexionando a perna até o calcanhar bater no bumbum. O que tinha sido considerado impossível.

Decisão da Copa de 1998
Pela primeira vez, depois de quase 13 anos do acontecido, Ronaldo resumiu com detalhes o que ocorreu no dia em que o Brasil perdeu a final da Copa para a França de Zinedine Zidane. Segundo ele, após a inexplicável convulsão, o médico Lídio Toledo afirmou que ele não ia jogar, pois era preciso fazer vários exames e saber a extensão da crise e o que ainda poderia acontecer com ele.

- Eu falei que estava bem e que queria jogar. Não aceitava só a opinião do médico. Perguntei quais exames deveriam ser feitos e insisti que fossem feitos naquele dia mesmo. Foi um sufoco achar um clínica aberta para isso, mas conseguimos. Fiz todos os exames possíveis, eletroencefalograma, tomografia, tudo. E os resultados foram absolutamente normais, eu não tinha nada, era como se a convulsão não tivesse acontecido. Saímos da clínica direto para o estádio. O Zagallo já havia anunciado a escalação com o Edmundo no meu lugar. Cheguei para o Ricardo Teixeira com os exames na mão e disse que estava tudo bem e que eu queria jogar. Ele confiou em mim, mas disse que eu precisava falar com o Zagallo, a decisão seria do técnico. Daí, vendo os exames e a minha vontade de jogar, e por tudo o que eu havia feito na Copa até ali, o Zagallo me escalou. Infelizmente, foi um dia em que a França jogou demais e literalmente nos atropelou.

segunda-feira, maio 09, 2011

O 'monopólio da virtude' existe, de fato. Em São Paulo

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Muito curiosa a entrevista publicada pela Veja (aarrghh..) na edição que começou a circular no fim de semana, com o título "O estado não pode tudo". Nela, o filósofo Denis Izrrer Rosenfield (foto), professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), critica "a interferência cada vez mais frequente do estado na vida pessoal dos cidadãos por meio de decisões de órgãos governamentais". Até aí, sua postura é irrepreensível: o poder estatal não tem nada que apitar na vida particular e nos direitos pessoais e privativos dos cidadãos.

Quer um exemplo? A proibição do tabagismo nos bares, medida arbitrária e autoritária do então governador de São Paulo, José Serra (PSDB), aprovada em 2008 - e que incentivou outros estados da União a fazer o mesmo. Quer outro exemplo? A recente probição da venda de bebidas alcoólicas em espaços públicos, durante a "Virada Cultural", decretada pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab ("cria" política de Serra). É o prório filósofo Rosenfield quem sentencia, à Veja (aaarghh..): "Se alguém decide fumar ou beber, isso é um problema exclusivamente dessa pessoa, não é um problema do estado".

Porém, a Veja é a Veja (eecaaa!). E falar mal das administrações paulistas e paulistanas, dos tucanos e seus amiguinhos, é coisa que a revista nunca faria. Portanto, qual é o alvo da entrevista e do filósofo? O PT, lógico! "Quando o estado se apodera do monopólio da virtude, inicia um flerte inadmissível com o autoritarismo, danoso para qualquer sociedade", começa Rosenfield, para citar, como exemplo desse tipo de interferência, a recente tentativa da Anvisa de proibir a venda de remédios para emagrecer. "Essas medidas arbitrárias mostram como o PT, apesar de estar amadurecendo como partido, ainda atrai esquizofrênicos com mentalidade retrógrada e perigosa para a sociedade".

A partir daí, é só "cacete filosófico" em cima dos petistas: "Nos últimos anos, o governo se intrometeu em quase tudo. Recentemente, quis policiar um pretenso consumismo infantil e chegou ao cúmulo de discutir a tal Lei da Palmada, que pretende disciplinar a relação entre pais e filhos". E mais: "A Anvisa tentou proibir a publicidade de cigarro, de bebida e de alimentos. Parece inofensivo, mas sem publicidade a imprensa se torna dependente do governo, o que compromete a liberdade de expressão". Mas a liberdade que o filósofo gaúcho mais preza é a de cunho financeiro: "Isso sem falar no direito de propriedade, cada vez mais fragilizado".

Propriedade! Propriedade! Abra as asas sobre nós!
Para Rosenfield, "(...) no Brasil o direito à propriedade é relativizado pela função social, pela função indígena, pela função racial e pela função ambiental da terra. O que acontece é um descalabro. Um exemplo trágico é a proliferação dos tais quilombolas pelo país. Isso não tem mais limite". Veja que pérola de raciocínio "filosófico": "Se mais de 60% de uma população é dona de seus imóveis, essas pessoas podem se unir com força contra qualquer ameaça à propriedade. Se menos de 30% forem proprietários, abre-se espaço para a aplicação de ideologias que comprometem esse direito".

E você acha que ficou por aí? Não, não. Tem mais: "No Brasil, o processo notório de enfraquecimento do direito de propriedade por meio da desapropriação de terras está sendo combatido por uma reação da sociedade contra os movimentos de orientação esquerdista, como o MST e a Comissão Pastoral da Terra". Pois é. Já dá pra perceber o motivo da indignação do filósofo e da publicação que o entrevistou. E a culpa é de quem? Um maço de cigarro e uma garrafa de pinga pra quem adivinhar...

"Em seu segundo mandato, Lula se excedeu. O presidente deu muito poder a esses movimentos e limitou cada vez mais os direitos de propriedade. Foi exorbitante. Lula abriu a porteira. O mesmo aconteceu com relação à imprensa", arremata Rosenfield.

Ou seja, para NÃO variar, A CULPA É DO LULA!

Só nos resta fumar e beber. Dentro de casa...

quarta-feira, março 16, 2011

Cachaça influenciou o canto 'suave' da Bossa Nova

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Lendo "Mário Reis - O fino do samba", de Luís Antônio Giron (Editora 34, de 2001), mergulhei no universo musical da década de 1920, quando as gravadoras começaram a contratar cantores brancos e orquestras regidas por europeus para "domesticar" e popularizar o samba que negros como Sinhô, Ismael Silva, Cartola e Nilton Bastos produziam nos morros cariocas. Entre esses cantores estavam Francisco Alves, Jonjoca e, principalmente, o biografado por Giron, Mário Reis (foto), que sintetizou um novo jeito de cantar, de forma "falada" e sussurrante (ou crooner), antecipando em 30 anos o estilo Bossa Nova de João Gilberto e criando uma contraposição aos vocais "gritados" e operísticos de cantores como Vicente Celestino. Dessa forma, o sotaque malandro do morro pôde ficar palatável para os ouvidos aristocráticos do público consumidor de discos.

Curioso é que a cachaça deu sua contribuição para a modernização de nossa música popular. O livro conta que foi o violonista e compositor José Barbosa da Silva, o Sinhô, quem orientou Reis na nova maneira de cantar e quem escreveu as canções adaptadas para suas primeiras gravações no estilo vocal (ouça o sucesso "Jura", de 1928, no vídeo abaixo). "Sinhô vivia em grandes dificuldades", contou, em 1971, o jornalista Brício Abreu. "Ria constantemente e isso era uma aflição para mim: ele tinha um único dente, grandalhão, na boca. Os outros, dizia que a cachaça tinha levado", acrescenta. Além de ter ficado banguela, Sinhô ainda teve, como consequência da bebida e da boemia, uma tuberculose que encurtava seu fôlego. Assim, preferia "dizer" a canção, em vez de soltar um vozeirão que não tinha. E Mário Reis, ao ouvi-lo cantar, adaptou para si essa forma "suave" de interpretação.



A entrevista que virou porre
Determinante no início, a cachaça também marcou presença no retiro de Mário Reis. Em 1971, quando lançou o último disco e fez três shows de despedida da vida artística no Golden Room do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, o veterano cantor foi entrevistado pelo jovem repórter Silio Boccanera, do Jornal do Brasil (que mais tarde ficaria conhecido pelo público como repórter do programa Fantástico, da TV Globo, com uma barba comprida - o que inspiraria o personagem Túlio Bocanegra, no programa humorístico Chico Anysio Show). Boccanera tinha 23 anos e não sabia absolutamente nada sobre Mário Reis, que vivia recluso e longe da mídia desde os anos 1930. O encontro, como não poderia deixar de ser, aconteceu num bar. "Fomos enchendo a cara juntos: esvaziamos uma garrafa de Vat 69 [uísque], calibrado com Oppenheimer Goldenberg, um destilado alemão", contou o repórter.

Segue o livro: "Repórter e entrevistado estavam no maior porre. Silio, que na época era fã de rock, lembrava de Mário falando algo como: 'Há muito barulho por aí. Muita música de neurose'. À medida que a noite avançava, os dois foram ficando, além do garçom. 'Ele me deixou muito à vontade e, para mim, a qualidade do restaurante do Country [Club, no Rio de Janeiro] era uma novidade'. E Mário não parava de falar. A impressão de Silio foi de a conversa não mais terminava. 'Saí de lá trocando as pernas e ele me acompanhou até meu Fusca. Era um gentleman'.", finalizou Boccanera. A gravação feita em cassete naquele dia é o depoimento mais importante de Mário Reis jamais documentado. O cantor faleceria em 1981, aos 73 anos. No vídeo abaixo, um dos únicos registros filmados de uma interpretação sua, nos anos 1930:



Ps.: Ah, e quase ia esquecendo de incluir o futebol: Mário Reis jogou pelo América, seu time do coração, e foi vice-campeão do Torneio Juvenil Interclubes do Rio de Janeiro, em 1924. Foi o artilheiro da competição, com seis gols.

terça-feira, dezembro 07, 2010

Um 'Programa do Jô' bêbado é mil vezes melhor!

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Um velho projeto do Futepoca seria o de produzir o "Mesa quadrada futebol manguaça", um desses programas televisivos em que se debate os jogos da rodada, só que transmitido ao vivo direto do bar, com todos os apresentadores bebendo cerveja. Garanto que seria muito mais interessante que todos esses chatos, dispensáveis e moralistas programas estilo "mesa redonda" que empesteiam a programação brasileira. No mínimo, geraria muitos vexames e discussões surreais. Pois agora descubro que algo do gênero já foi produzido, só que na linha do talk show: o músico, cantor e compositor gaúcho Júpiter Maçã apresentou na MTV, totalmente encachaçado, um arremedo de "Programa do Jô", com direito até a um bongô como o que o comediante às vezes se atreve a tocar. A entrevista com o colega Rogério Skylab é memorável. Júpiter torce a língua o tempo todo e o papo descamba para o delírio nonsense. Se você assistir bêbado(a), melhora mais ainda:

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Bom de bola e ruim de conta

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O Santos saiu na frente na temporada de contratações que se abre e selou o retorno do ótimo meia Elano (foto), que estava no Galatasaray, da Turquia, por R$ 6,4 milhões (e três anos de contrato). O jogador foi uma das peças principais daquele timaço montado a partir de 2002, que revelou Robinho, Diego, Renato & companhia e que levantou dois títulos brasileiros e dois paulistas. Elano está com apenas 29 anos, em boa fase e tem muita bola pra mostrar ainda. Contratação certeira, a diretoria santista merece reconhecimento. Mas, em entrevista ao diário Lance!, Elano pareceu meio confuso ao responder sobre o tempo gasto nas negociações entre Santos e Galatasaray:

- Me preparei para duas ou três semanas de dor de cabeça, mas foi tudo muito rápido. Acho que foram 20 dias no total.

Ué, se três semanas representam 21 dias, por que então o tempo gasto (20 dias) foi "muito rápido"? Enfim, bom retorno ao Brasil e à Vila Belmiro, que você joga muito melhor do que faz contas, Elano.

sábado, novembro 07, 2009

Didi, um brasileiro

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"Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!". Os versos de Carlos Drummond de Andrade são apropriados para descrever, hoje, a saudade que um conterrâneo sente a milhares de quilômetros da cidade mineira. Cleidimar Magalhães Silva, 27 anos, tem apelido e profissão bem brasileiros: Didi, jogador de futebol. Mais especificamente atacante, e ainda mais especificamente do CFR Cluj, time da Romênia já destacado aqui neste blog. Mas não se trata apenas de mais um brasileiro perdido nos confins do futebol. Didi é ídolo na cidade de Cluj-Napoca, na Transilvânia, por ter ajudado o clube a vencer o primeiro campeonato nacional de sua história. E disputou a Liga dos Campeões da Europa, contra times como o inglês Chelsea, que era treinado por Luiz Felipe Scolari, e o francês Bordeaux, obtendo a gloriosa façanha de vencer o Roma na Itália, em setembro do ano passado.

Nesta entrevista para o Futepoca, segue mais um pouco da vida desse itabirano simples, filho de um motorista aposentado e uma dona-de-casa (tem quatro irmãos), que deixou o Brasil há sete anos. Em busca de seu sonho.

Futepoca - Em que time você começou e se profissionalizou?
Didi -
No Valeriodoce Esporte Clube, de Itabira, onde comecei na categoria infantil, em 1997. Me profissonalizei em 2002, disputei a segunda divisão do Campeonato Mineiro e depois tive passagens por times da primeira divisão.

Futepoca - Quais times? Jogou sempre como atacante?
Didi -
Sim, sempre atacante. Pelo Uberlândia disputei o Brasileiro da Série C e, no mesmo ano, em 2003, joguei o Campeonato Mineiro pelo Social Futebol Clube, de Coronel Fabriciano. Fui a revelação e artilheiro do interior, voltei ao Valeriodoce e subimos para a primeira divisão. Daí fui emprestado ao Vila Nova de Nova Lima. Muitos times (risos). E depois disso disputei o Mineiro pelo Valeriodoce em 2004 e fui para o Santa Cruz, de Recife, disputar o Brasileiro da Série B.

Futepoca - Você se lembra de jogadores conhecidos com quem jogou nesses times? E técnicos?
Didi -
Joguei no Santa Cruz com o Iranildo, ex-Flamengo, e com o Carlinhos Bala. O treinador era o Péricles Chamusca, que tinha sido vice-campeão da Copa do Brasil com o Brasiliense.

Futepoca - Mas e depois, como é que você foi parar aí na Romênia?
Didi -
Em 2004, fui para Portugal, para um time da segunda divisão, e no ano seguinte fui contratado pelo Paços de Ferreira, time da primeira divisão. Fiquei três anos naquele país, até que surgiu essa aventura na minha vida, que era vir para um país de pouca expressão no futebol mundial, que eu só tinha ouvido falar na
Copa de 94. Mas as condições do contrato eram bem melhores que as de Portugal e resolvi arriscar. Acabou sendo o melhor momento de minha carreira. Cheguei em janeiro de 2007, tive oportunidade de ser campeão nacional e bi da taça romena.
.
Campeão na Romênia (à direita), com o CFR Cluj

Futepoca - Você disputou a Liga dos Campeões, um sonho para qualquer jogador. Estava na histórica vitória contra o Roma?
Didi -
Sim, tive oportunidade de jogar a Liga, mas nesse jogo, infelizmente, fiquei no banco os 90 minutos. Mas foi bacana pelo grupo e por ser uma vitória histórica. Joguei contra o Chelsea e Bordeaux.

Futepoca - E como foi essa experiência?
Didi -
Foi sinceramente única, não imaginaria jogar uma Liga dos Campeões depois de sair de uma equipe mediana de Portugal. Assim como não imaginaria chegar na Romênia e fazer história, pois o time tinha 100 anos e nem um título.

Futepoca - Qual era a equipe da segunda divisão de Portugal que te contratou? Eles compraram teu passe do Valeriodoce? Como foi essa transferência?
Didi -
Foi o Futebol Clube do Marco. Fui de passe livre, depois de um empresário ter me visto num jogo do Campeonato Mineiro contra o Cruzeiro, no Mineirão, e gostado do meu futebol. Ele me propôs jogar no Santa Cruz e, de lá, me levou para Portugal. Fui para o Clube do Marco, que estava fazendo um time para subir para a primeira divisão, e consegui fazer 12 gols em 24 jogos. Daí apareceu o Paços de Ferreira.

Futepoca - Você se lembra de alguma grande partida que fez nessa época?
Didi -
Em Portugal minha melhor partida foi contra o Sporting, time do brasileiro naturalizado português Liédson. Ganhamos de 2 a 0, em casa. Foi um grande jogo, pessoal e coletivo. Já aqui na Romênia, o jogo que marcou mesmo foi um que ganhamos de 1 a 0 do Pandurii, gol meu. Faltando 12 minutos para o jogo terminar, tive que ir para o gol, pois nosso goleiro foi expulso e tinham acabado nossas substituições. Tive duas saídas do gol e fiz uma defesa num chute de fora da área, recebi até prêmio a mais (risos).

Futepoca - Você deve ser um grande ídolo deles...
Didi -
O presidente esse dia me tratou como um herói (risos). Aqui sou muito respeitado pelos torcedores, onde vou sou bem recebido. Quando ganhamos o campeonato nacional, a cidade parou. Tinha mais de 15 anos que o título só ficava na capital, Bucareste, com o Steua, o Dínamo e o Rapid. E depois de três dias fomos ser campeões de novo, da copa romena.

Futepoca - E como foi tua adaptação na Romênia? A língua, o clima, a comida? Levou familia?
Didi -
Hoje já domino o idioma muito bem, é uma lingua latina com muitas palavras semelhantes ao português e ao espanhol. Tive a ajuda da minha esposa, Sandra. Estamos juntos desde 2001, e, na Europa, desde 2004. Depois veio o nascimento de minha filha, Giovanna, que vai fazer dois anos. A família se adaptou muito bem aqui. É uma vida tranquila, o país ainda é pobre, tem uma diferença de classe social. A comida já me acustumei, eles comem muito frango, porco. Tem umas comidas típicas deles que também são boas. Bebida, que eu saiba, não tem nada de especial. Eu prefiro uma cervejinha, principalmente no verão deles, que é muito forte e abafado, chega a fazer 40 graus.

Churrasco regado à cerveja mexicana Corona

Futepoca - E a cerveja daí é boa?
Didi -
Tem algumas marcas de cerveja deles, mas não gosto muito, prefiro uma cervejinha importada, como a mexicana Corona e a italiana Peroni. Não se comparam a nossa Skol.

Futepoca - Você falou que a Romênia é um país socialmente atrasado. Você acompanha a política daí? Lê alguma coisa, tem opinião? E sobre o Brasil, acompanha? O que acha do governo Lula?
Didi -
Olha, acompanho sim, alguma coisa. Não tem muitos anos que acabou o comunismo, então o povo ainda está começando a ter a noção da coisas. Sinceramente, de política, não entendo muito não (risos). Mas acho que o presidente terá muito trabalho pra fazer dessa nação um grande país europeu. Sobre o Brasil, tenho visto melhoria com o Lula. É um dos poucos países que não foram muito afetados pela crise mundial.

Futepoca - Pra encerrar, quais são os seus planos para o futuro? Fica na Romênia até quando? Gostaria de voltar a jogar no Brasil? Por qual time?
Didi -
Tenho contrato até 2010 aqui, mas tudo na vida tem momentos. Sou agradecido por tudo que fizeram por mim, mas acho que posso sair nesse fim de ano. Minha vontade e dos meus representantes é dar um pulinho no Oriente ou na Ásia. Tenho imensa vontade de voltar ao Brasil pra jogar, mas sei da dificuldade que é arumar um grande clube aí, por estar jogando num país não muito forte no futebol. Como sou mineiro, gostaria de ir para um time de Belo Horizonte.

Futepoca - Vai entregar? Galo ou raposa?
Didi -
Hahahahaha. Posso não, uai!

Futepoca - Então só me diz se teu time está com grande chance de ser campeão brasileiro...
Didi -
Hehehe. Está entre os candidatos. Mas tomara que o título possa ir pra Minas Gerais, o que só enriquece mais o meu estado.

quarta-feira, maio 06, 2009

Melhor escola estadual de SP é a 2.596ª do país

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Alertado pelo camarada DeMarcelo, dei uma espiada na entrevista que a Folha de S.Paulo (argh) fez com Camilo da Silva Oliveira, diretor da melhor escola da rede estadual de São Paulo no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a E.E. Lúcia de Castro Bueno, em Taboão da Serra (Grande São Paulo). Detalhe principal: ela foi apenas a 2.596ª no ranking geral do país (média 58,5, em 100 pontos). Não há melhor raio-x para o desmonte que o PSDB do (des)governador José Serra (foto) conseguiu fazer em terras paulistas. Para se ter ideia da discrepância, a melhor escola estadual do país, o Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira, mantido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), teve média 75,11 - ficando na 19º posição no ranking geral. Convenhamos que a diferença entre a 19ª e a 2.596ª colocação, não só pela gigantesca distância numérica, mas por tratar-se de estabelecimentos de ensino da mesma região (Sudeste), é pra lá de gritante. Pior ainda quando lembramos que São Paulo é o estado mais rico do Brasil.

Mas essas comparações nem a Folha e nem ninguém da "grande imprensa" se dispõe a fazer (pra variar). Pré-candidato assumido à Presidência da República em 2010, José Serra e seu governo catastrófico no estado de São Paulo continuam blindados pelos mais influentes meios de comunicação. Mas, de vez em quando, sai alguma coisa interessante. Como essa entrevista de Camilo Oliveira, diretor da escola de Tabão da Serra, que desabafa, com todas as letras: "O governo do Estado só me atrapalha". E prossegue: "Aqui é uma escola maldita, que vai contra os modismos de cada secretário. Depois da Rose Neubauer [gestão Mario Covas], em que as escolas perdiam aulas para treinamento de professores em horário de serviço, veio um que nem sabe o que é rol de conteúdos [Gabriel Chalita, gestão Geraldo Alckmin]. A escola, que já não funcionava, ficava uma semana em feira de ciências ou excursões para zoológico. Melhora o ensino? Vi que era fria e tirei a escola disso. No governo Serra, temos o terceiro secretário em dois anos e meio. Se o meu projeto dependesse do governo, estaria esfacelado".

E Oliveira diz mais: "O governo não tem a menor ideia do que fazer com as escolas. Deveríamos nos preocupar com o que realmente interessa, que é a aprendizagem dos alunos. Depois se acerta a burocracia. Hoje, os diretores ficam mais preocupados com as atinhas, e o aluno não tem aula. É uma inversão. É triste (...) esse caos em São Paulo". Questionado sobre o novo secretário paulista de Educação, o ex-ministro (de triste memória) Paulo Renato Souza, o diretor escolar já suspeita de suas intenções. "Ele [Paulo Renato] se tornou político. O problema é saber se o objetivo dele é eleger o Serra presidente ou melhorar o ensino. Se ele chegou apenas com visão política, as escolas vão seguir esfaceladas, sem conteúdos. Ele vai ser mais um". A Secretaria da Educação do governo Serra não respondeu as críticas.