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Foi o companheiro Olavo, que escreve no Escanteio Curto, que repassou o texto que segue abaixo por e-mail. Ele narra um episódio ocorrido depois da partida entre Atlético-MG e Santos, na quinta-feira. E serve para refletirmos um pouco a respeito do estresse e da pressão que jovens e não tão jovens jogadores, técnicos e toda gente do futebol profissional (e de outras carreiras também) sofrem no dia a dia. 
Boa parte das vezes não hesitamos em apontar o dedo para eles e exigir o equlíbrio (alô, Tite), a ousadia ou a genialidade que nem sempre conseguimos ter no nosso cotidiano. Talvez a graça da brincadeira seja essa: queremos que eles sejam um pouco ou muito do que não somos ou do que nunca vamos ser. Mas são iguais a nós a maior parte do tempo. E falham como qualquer um.
Neymar e nós (publicado em Velho Ludopédio)
Atlético-MG e Santos jogaram na Arena do Jacaré, na noite de ontem, pelo  Campeonato Brasileiro da Série A. O Galo venceu por 2 a 1, e o atacante  Neymar, do Santos, foi expulso, já no final do jogo, por reclamar e  ironizar o árbitro da partida. Foi repreendido no vestiário pelo técnico  Muricy Ramalho, de forma tão veemente, que deixou o estádio chorando  muito.
Eu estava na cobertura do jogo. Depois da partida, me posicionei perto  da saída dos jogadores do Atlético, fazendo meu trabalho rotineiro, de  entrevistar os atletas e tirar fotos. Cumpri meu trabalho normalmente,  como em todas as partidas. Foi quando Neymar saiu do vestiário do  Santos, cercado por seis seguranças gigantescos. Truculentos, como boa  parte dos seguranças, não todos, claro.
Os guarda-costas foram abrindo caminho com empurrões para escoltar o  jogador até o ônibus do Santos. Vendo a desnecessária cena, já que não  havia tumulto na porta da Arena do Jacaré, alguns jornalistas - eu,  inclusive - fizeram comentários sobre o que viam e sobre Neymar. Coisas  do tipo:
- Que cara mala!
- Mas que bosta, pra que isso tudo?
Concordo plenamente que não é nosso papel comentar saída de atletas do  estádio, muito menos em voz alta. Não estamos ali pra isso. Mas, de  forma alguma, o que fizemos foi provocativo. Prova disso é que não há  nenhum registro de tumulto ou queixa contra o pessoal que estava naquela  roda. O clima na saída do estádio era o mais tranquilo possível, ainda  mais porque o Atlético tinha vencido a partida. O que os fãs de Sete  Lagoas queriam era tirar fotos com o jovem craque. Não digo nem por nós,  jornalistas. Já estamos acostumados a Ronaldinhos Gaúchos, Romários e  Edmundos da vida. Um jogador sair sem falar conosco é coisa rotineira,  tanto que ninguém da imprensa mineira portava microfone ou câmera para  abordar Neymar.
O que aconteceu a partir daí é que foi surpreendente.
Neymar, ao ouvir nossos comentários, parou e voltou até nossa roda. Digo  mais uma vez. Ninguém o provocou, conversávamos entre nós, e ele ouviu  porque passou a meio metro da roda. Os seguranças tentaram contê-lo, mas  ele insistiu e disse que queria falar comigo. Eu assenti com a cabeça,  ele se aproximou. Estendeu a mão pra mim e disse:
- Te peço perdão, cara. Não sou o que você disse. Estou chateado, não  quis fazer nada para desagradar você e sua cidade. Me perdoe, por favor.
Espantado, como todos ao meu redor, só tive tempo de balbuciar, antes que ele saísse.
- Tudo bem, cara. Tá desculpado. Esquece.
***
O espanto foi ficando cada vez maior, enquanto Neymar se afastava. Ainda  mais porque todos nós sentimos total sinceridade no que o menino disse.  Com o rosto inchado de chorar e ainda com lágrimas escorrendo pela  face, vimos ali um ser humano, falível e arrependido por erros que  cometeu e que cometeram por ele. Claro que a maior parte deles, com sua  anuência.
Não deve ser fácil ser Neymar. Não vou aqui cair no lugar-comum de fazer  contas sobre seus rendimentos, sua fama, seu trânsito livre em qualquer  lugar do Brasil. Se os tem é porque merece, tem talento e trabalhou  para isso.
A pressão sobre o moleque é monstruosa. Dirigentes, torcida,  patrocinadores, empresários, agentes. É gente demais cobrando, dando  palpites e querendo guiar a cabeça dele pra alguma direção diferente.  Pra se ter uma ideia, este jogo contra o Galo foi o 59o disputado por  Neymar este ano. E ainda tem o restante do Brasileirão e o tão sonhado  Mundial de Clubes, em dezembro.
É claro que ele recebe pra isso. E muito bem, por sinal. Mas, a fama e a  idolatria de boa parte da juventude brasileira não dão a Neymar o  direito de passar por cima de todos nem de se julgar melhor que ninguém.  Problemas comuns para nós mortais como contas, prestações e dívidas não  fazem parte da vida de Neymar. É exatamente o que eu já disse aqui. Ele  fez por merecer tudo o que tem, mas precisa ter prudência para  administrar tudo o que é intrínseco a esta fama absurda e sem limites.
***
O episódio de ontem foi minúsculo, presenciado por, no máximo 10  pessoas, se tanto. Mas foi marcante. Não me arrependo hora nenhuma do  comentário que fiz ao ver Neymar cercado por um paredão de brutamontes,  como se alguém ali quisesse morder sua orelha ou lhe roubar as correntes  de ouro. Foi exagero mesmo, foi uma bosta mesmo, com a desculpa pelo  termo chulo.
Mas o perdão que ele me pediu, com os olhos cheios d´água, pareceu  verdadeiro. E eu espero que tenha sido mesmo. Espero que ele tenha, nem  que por um mísero segundinho, percebido que não é, na essência, aquilo  que demonstrava ser, ao deixar um ambiente totalmente amistoso, como se  fosse para a guerra.
Neymar errou, ao aceitar fazer parte daquele circo ridículo. Nós erramos  também, ao não perceber a fragilidade do menino naquele momento. Espero  que todos tenham aprendido a lição. Pra mim, foi uma experiência e  tanto. 
Obrigado Neymar, por ter sido humilde ao me pedir desculpas. Mas,  principalmente, muito obrigado aos meus companheiros Igor Assunção,  Fábio Pinel, Victor Martins, Felipe Ribeiro e Gustavo Faria, por não  deixar morrer em mim o espírito crítico que move o exercício do bom  jornalismo, que tento fazer todos os dias.  
(O original está aqui)