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Por Elvis Campêllo, Maurício Ayer e Vinicius Reis.
Com contribuições de Deusdete Nunes, Evelyn Inocêncio, Fernanda Kurebayashi,
Gilson Rosa, José Marcio Fernandez Cunha e Leandro Nagata.
Sob a batuta do
maestro Jairo Martins da Silva.
Senhoras, senhores,
bem-vindos sejam
A esta casa aberta e
generosa
Que nos recebe a todos pra
uma prosa,
Saberes e sabores aqui
vicejam.
Agora vou pedir vossa
licença
Para falar da nossa água
benta
O bálsamo sagrado em nossa
crença
E o que não se souber a
gente inventa.
Peço atenção ao relato que
se abriu:
Cachaça é a alma do Brasil.
Zarpou de sua costa o
lusitano
No Atlântico traçou uma
diagonal
E lá do outro lado do
oceano
Sagrou-se grande líder
mundial
E nos porões das suas
caravelas
Trazia os alambiques de
barro
Mudas de cana verde e
amarela
Assim começa a história que
vos narro
Da aguardente que aqui
surgiu
Cachaça é o destilado do
Brasil.
Quem primeiro fez a
aguardente?
Foi aqui no litoral, em São
Vicente?
Ou foi na Ilha de Itamaracá
De onde começou a se
espalhar?
Ou na Bahia, em Porto
Seguro,
Com um destilador de barro
escuro?
Inspirado na bagaceira
ibérica,
Foi o primeiro espírito da
América,
Que a nação brasílica
serviu,
Cachaça deu origem ao Brasil.
Pois disse o mestre Câmara
Cascudo
“Mói o engenho, destila o
alambique”
Açúcar é do mé irmão em
tudo
E só Gilberto Freyre que me
explique.
Em casa de coser méis fazia
o negro
A água mineral dos coronéis
Guardava em tonéis e pelo
emprego
Não recebia nem tostões nem
réis.
Sal do suor e o sangue do
gentio,
Cachaça conta a história do
Brasil.
Plantar as mudas na estação
chuvosa
Ver se desenvolver cana
frondosa
Pra colher quando bate a
estiagem
E antes de levar para a
moagem
Tirar a palha e lavar a
areia,
Garapa corre para a dorna
cheia
Onde irá trabalhar a
levedura
Então vai pro alambique e a
prata pura
Desliza docemente pro
barril.
Cachaça vem da terra do
Brasil.
Ipê, louro-canela, araribá,
Bálsamo, umburana,
castanheira,
Carvalho, amendoim,
jequitibá,
Grápia, sassafrás e
cerejeira,
É tanta madeira e tanto
aroma,
Que não dá pra entender
essa redoma
Que o mundo fez em torno do
carvalho,
Qual fosse única carta no
baralho,
Perdendo a distinção a mais
sutil.
Cachaça é múltipla como o
Brasil.
Cheguei para beber no bar
da praça
O garçom logo anotou “um
uísque?”
Falei “esse pedido você
risque
Que o que eu quero é uma
boa cachaça”.
Talvez um coquetel, rabo de
galo?
Que tal uma caipirinha bem
gelada
Acompanhando uma feijoada?
E com caju, então, eu nem
te falo!
Com torresminho ou carne de
pernil,
Cachaça põe a mesa do Brasil.
Mas gente, a
responsabilidade
É nossa com guris de pouca
idade
Ao beberrão lembrar que tem
Lei Seca
Não pega em direção quem
está zureta
Seja no campo ou seja na
cidade
Pois morrerá de morte
violenta
E assim jogar no lixo a
mocidade
Também com a vida alheia
ele atenta.
Cumprimos nossa obrigação
civil,
Cachaça tem que cuidar do
Brasil.
Desde pequeno eu via o meu
véi’
Meu avô com o copinho a
apreciar
Sempre antes e depois de
trabalhar.
Na idade certa, eu também
provei,
Aprendi: não se bebe em
martelada
Seja quente ou fria, pura
ou casada,
Cachaça feita com o
coração,
A cauda não dá rasteira não
Nem a cabeça ataca o
corpanzil,
Cachaça é um ensinamento do
Brasil.
Minha amiga está gripada,
coitadinha?
Não perca tempo, tome uma
caipirinha,
Ponha num copo mel, limão e
alho,
Misture tudo com o santo
remédio
– Sem vodca ou saquê, isso
é sacrilégio! –
Amanhã, eu lhe afirmo e não
falho,
Você levantará animadinha
Exibindo um sorriso de
rainha
E um brilho no olhar
primaveril.
Cachaça é a saúde do
Brasil.
Mas pra quem passa dessa
pra melhor
O inferno não há de ser
nenhuma desgraça
Pois dizem que no céu não
tem cachaça
Que graça vai ter lá, nosso
Senhor?
Ou será que o avesso é que
acontece
Os anjos de verdade à Terra
descem
E na sala das dornas vêm
buscar
Sua parte da marvada pra
provar?
Eu trago junto ao peito o
meu cantil,
Cachaça é a religião do Brasil.
E o samba quando soa o que
é que pede?
Despacho de macumba ou de
umbanda?
Depois da capoeira o que se
bebe?
No futebol ou quando passa
a banda?
Se nasce o filho com quê
bebemora?
Se morre, bebe o morto e
com quê chora?
Se fica no estrangeiro
muito tempo
Procura a sinuosa e toma um
alento,
Que volta o remelexo pro
quadril,
Cachaça está no sangue do
Brasil.
E vamos pôr bagaço na
caldeira
Que a branca corajosa
brasileira
Vai conquistar o povo da
Alemanha,
Japão, Estados Unidos e
Espanha.
Nossas colunas a todo vapor
Levaremos ao mundo o teu
calor
Para todos os lugares,
bares, lares,
Colombo, abre a porta dos
teus mares
Para mostrar nossa força
mercantil,
Cachaça é a riqueza do
Brasil.
Nosso povo há de deixar o
preconceito
E junto com a branquinha
tomar jeito.
O néctar destilado pelo
cobre
O que já foi o cobertor de
pobre,
Realiza o lindo milagre da
cana
No copo do povão e do
bacana
Recebe a mesma deferência
nobre,
Quem aprecia acerta, não se
engana
Me diga quem viu fado mais
gentil,
Cachaça é o orgulho do
Brasil.
Pois bem, meus senhores,
minhas senhoras
Vamos deixá-los degustar da
boa
Enquanto vem o almoço em
boa hora
E a sua melodia à língua
entoa.
Nosso país foi feito de
três líquidos
Suor, sangue e cachaça,
tenho dito,
Nas raças somos sim um povo
híbrido,
Que escolheu o futuro mais
bonito.
Nas matas verdes, sob o céu
de anil,
Cachaça é a pátria do Brasil.
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Os Cachaceiros da Távola Redonda. |
Esta “Recitação Abrideira” foi composta
especialmente para o evento de encerramento da primeira turma do curso de
Formação de Sommelier: Cachaças, promovido pelo Senac em seu campus Campos do
Jordão. Tive o prazer de ser o enviado especial do Futepoca nessa complexa e árdua
missão.