Destaques

quinta-feira, março 19, 2015

Cerveja sim, mata-mata não!

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Neste país, todo avanço parece estar condicionado a algum retrocesso, e  vice-versa. Vejamos: a comissão de clubes formada recentemente para debater a volta do sistema mata-mata (retrocesso) no Campeonato Brasileiro discutirá também a retomada da venda de cerveja nos estádios (avanço). Assim como, há pouco mais de uma década, tivemos a adoção do sistema de pontos corridos (avanço) e, como contrapartida, a proibição da venda de goró nos estádios (retrocesso). Ou seja, a gente  muda para depois voltar a ser tudo como antes. Bonito isso.


terça-feira, março 17, 2015

Socialismo e anarquismo - para crianças

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Chiados e riscos nostálgicos na estante da sala
Ao embutir uma estante na parede da sala, e instalar, nela, um aparelho de som com toca-discos, passei uma noite inteira deleitando os ouvidos com velhos LPs, observando as artes das capas gastas pelo tempo e curtindo até os nostálgicos chiados e riscos que os CDs eliminaram. Discos bem antigos da Simone, Toquinho & Vinicius, Roberto Ribeiro, Clara Nunes, Milton Nascimento, trilhas de novelas e de filmes, duplas caipiras, música brega, rockinho brasileiro dos anos 80, coletâneas de tangos e de canções italianas, música andina, blues, jazz, guarânias, mela-cueca, enfim, uma miscelânea anárquica e heterogênea que catei aqui e acolá nos últimos 20 anos. Tem até um LP do (falecido) ator Cláudio Cavalcanti, de 1971, em que ele declama poemas e canta várias canções, como "Let it Be", dos Beatles (!). A última parada foram os discos infantis, para que minha filha Liz, de 12 anos, se familiarizasse - e se divertisse (muito!) - com o manuseio dos anacrônicos vinis e do toca-discos. E conhecesse, por tabela, o som que as crianças consumiam em tempos idos: Patotinhas, Arca de Noé, Pirlimpimpim, Balão Mágico etc etc.

Capa do vinil lançado no Brasil há 38 anos
Foi aí que encontramos o LP "Os Saltimbancos", de 1977, versão brasileira do musical inspirado no conto "Os Músicos de Bremen", dos Irmãos Grimm, com letras do italiano Sergio Bardotti e músicas do argentino Luis Enríquez Bacalov. Aqui, as letras em português foram feitas por Chico Buarque, e interpretadas, no LP, por Miúcha, Nara Leão, Magro e Ruy (ambos do MPB4). Liz já tinha ouvido essas músicas, mas sem prestar muita atenção. Daí eu expliquei o caráter político do musical, com o personagem Jumento representando a classe trabalhadora, a Gata os artistas e libertários, o Barão a elite conservadora, e daí por diante. A tese central, no enredo que conta a união de quatro animais contra o jugo de seus donos, é marxista: "Todos juntos somos fortes/ Somos flecha e somos arco/ Todos nós no mesmo barco/ Não há nada pra temer" (da música "Todos juntos", sintetizando o que o velho Karl quis dizer com "Trabalhadores do mundo, uni-vos"). Mas eu mesmo nunca tinha atentado para a ousadia do Chico Buarque. Como é que isso passou pela censura da época?

Chico e sua filha Silvia, em 1977: ousadia
Na letra de "Um dia de cão", que apresenta o personagem Cachorro, a provocação aos militares é escancarada: "Lealdade eterna-na/ Não fazer baderna-na/ Entrar na caserna-na/ O rabo entre as pernas-nas". E mais: "Fidelidade à minha farda/ Sempre na guarda do seu portão/ Fidelidade à minha fome/ Sempre mordomo/ E cada vez mais cão". A zombaria (pesada) à obediência canina e nunca questionada dos militares é arrematada com a frase "Sempre estou às ordens, sim, senhor!". Por algo muito semelhante - os versos "Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ De morrer pela pátria e viver sem razão", de "Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando e cantando)" - o Geraldo Vandré tornou-se o inimigo musical nº 1 dos militares e sofreu forte perseguição. Mas as sutilezas de "Os Saltimbancos" não param por aí. Na música que apresenta a personagem Galinha, Chico Buarque ironiza (os grifos são meus): "Pois um bico a mais/ Só faz mais feliz/ A grande gaiola/ Do meu país". Hoje isso pode parecer uma bobagem sem importância, mas, naqueles tempos bicudos, isso era uma provocação pra lá de temerária. Só que, de alguma forma, passou pela censura.

Raul: anarquia para crianças (na Globo!)
Outro LP revisitado, dessa vez muito menos político, foi o "Plunct, plact, zum", trilha sonora de um especial infantil exibido pela TV Globo em 1983. Tinha no elenco os humoristas José Vasconcelos e Jô Soares, as cantoras Fafá de Belém e Maria Bethânia e os cantores/compositores Eduardo Dusek e Raul Seixas. E foi este último que, pra variar, "carimbou" ali, naquela inocente atração global para crianças, um componente político inusitado. Encarnando o "Carimbador Maluco", Raul compôs uma canção homônima que fez enorme sucesso (tirando-o de um ostracismo de três anos sem gravar) e que botou na boca das crianças - e do povo - os versos iniciais "Tem que ser selado, registrado, carimbado/ Avaliado, rotulado/  Se quiser voar!". Pois isso foi tirado simplesmente de um texto anarquista, "Ser governado", de Pierre-Joseph Proudhon, publicado em 1851 no livro "Idée générale de la révolution au XIX e siècle" ("Ideia geral de revolução no século XIX"). Diz o filósofo e político francês: "Ser governado é ser, a cada operação, a cada transação, a cada movimento, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado, licenceado, autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, reenviado, corrigido". Isso mesmo: anarquia para crianças! E na Rede Globo! Grande Raul. A Liz adorou tudo isso.


segunda-feira, março 16, 2015

Tomaram conta

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Bolinha voa sobre Serra: ódio
O triste "espetáculo" que tomou as ruas ontem, em todo o país, confirma que, ao contrário do que comemorava a campanha eleitoral do Partido dos Trabalhadores, a esperança NÃO venceu o ódio quando a presidente Dilma Rousseff foi reeleita. Muito pelo contrário. "Nunca antes", desde que Lula tomou posse, em 2003, este sentimento de ódio irracional e violento esteve tão forte, palpável e amedrontador. Em post escrito em novembro de 2010, comentei: "A campanha de esgoto que o tucano José Serra fez (...) nas eleições presidenciais conseguiu trazer para os holofotes os setores mais atrasados, conservadores e extremistas da sociedade brasileira e acentuou à tensão máxima o ódio, o preconceito e a divisão raivosa entre nós". Me enganei. Não havíamos, na época, chegado à tensão máxima. Aquele clima de "vamos fazer justiça com as próprias mãos, vamos matar e esquartejar esses petistas desgraçados" detonado por Serra - e a "grande" imprensa - com a lamentável e constrangedora farsa da bolinha de papel era apenas o início da escalada do ódio. E, depois de ontem, tenho medo só de imaginar quando a tensão máxima de fato for atingida...

"Deus" e "militares": como em 1964
Esse ódio, que sempre foi insuflado pela elite e a mídia golpistas contra o citado Partido dos Trabalhadores, seus integrantes e militantes, agora passou a um outro nível. Ao receber todos os palanques, holofotes e espaços possíveis, estes "setores mais atrasados, conservadores e extremistas da sociedade brasileira" ultrapassaram a fase de negação (dos "petistas", dos "sem-terra", dos "comunistas", "cubanos", "bolivarianos", "chaviztas" etc etc etc etc) e partiram para a afirmação pública, explícita e orgulhosa de todas as suas bandeiras (as piores possíveis). Depois de ontem, o impeachment ao governo Dilma Rousseff, o ódio ao PT, a Petrobras, a "corrupção generalizada", a "crise" econômica e outros quetais passaram a ser apenas o granulado do bolo. A verdadeira massa deste quitute é o fim da democracia partidária e das eleições diretas, a defesa do retorno à ditadura militar, a criminalização dos trabalhadores organizados, o combate a todo e qualquer movimento dos excluídos, dos negros, dos nordestinos, das mulheres, dos homossexuais.

Janine: ataque aos direitos humanos
Mesmo em minoria (pois perderam as últimas quatro eleições presidenciais), os conservadores e extremistas tomaram conta não apenas das ruas, mas do cenário político e midiático, da internet e de todos os locais onde alguém se atreve a falar sobre algo que eles odeiam. Dá discussão. Dá briga. A sem-cerimônia com que os "líderes" do tal movimento "Revoltados Online" faz propaganda do execrável Jair Bolsonaro (PP) como seu preferido na disputa presidencial de 2018 dá ideia de onde o ódio disseminado pela oposição e pela imprensa irresponsável nos levou. Como bem observou o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da cadeira de Ética e Filosofia Política da USP, em palestra recente, "A extrema-direita está se distinguindo do restante por um ódio cabal aos direitos humanos. (...) Atacam o homossexual, a igualdade de gênero, os direitos das mulheres. (...) O perigoso no Brasil, de certa forma, é a extrema-direita ir se aproximando da direita e contaminando, a ponto de seu apoio se tornar essencial. (...) Estamos tendo no Brasil uma tolerância, que é grande, com condutas antidemocráticas que deveriam ser tipificadas como criminosas… Pregar a volta dos militares deveria ser crime, deveria levar a pessoa para a cadeia". EXATAMENTE.

Cômico, se não fosse trágico: brincadeira na Internet reflete bem do que se trata o post



sexta-feira, março 13, 2015

O futebol encaretou

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Será que a Itaipava levou Sheik a parar de beber?
No programa Globo Esporte de hoje, da famigerada "Vênus Platinada", o atacante corintiano Emerson Sheik fez questão de declarar (o grifo é meu): "Festa nunca mais! Eu tomava minha cerveja, mas já estou há dois meses sem beber" (leia aqui). Uma frase na medida para ficar "de boa" com a torcida - a mesma que, há cerca de um ano e meio, reagiu furiosamente depois da postagem de uma foto em que o jogador dava uma "bitoca" num amigo, episódio que colaborou decisivamente para que fosse emprestado ao Botafogo-RJ no ano passado. De volta ao Corinthians, Sheik recuperou a confiança do técnico Tite, apesar de causar alguma dor de cabeça à diretoria, como quando chega atrasado aos treinos. Porém, mesmo assim, vem apresentando um bom futebol neste início de temporada. E esse é o cerne da questão: o que importa se o jogador bebe ou não a sua cervejinha nas horas de folga? Sou daquela opinião de que, se o cabra corresponder em campo, ninguém tem nada com sua vida pessoal. Mas hoje, com as torcidas organizadas patrulhando "baladas" noturnas (e a imprensa esportiva dando cada vez mais espaço pra esse tipo de pauta "revista Contigo"), os jogadores procuram passar a imagem de "bons moços". Dando declarações como a de Emerson Sheik ao Globo Esporte, por exemplo.

Sócrates, nos tempos de jogador, brindando cerveja
Coisas como essa me levam a pensar no quanto o futebol encaretou de uns 20 ou 30 anos pra cá. Quando eu era moleque, nenhum dos grandes craques escondia que tomava sua cervejinha - e, quando apareciam na TV fazendo churrasco ou roda de samba, todos ostentavam um copinho na mão. Como o Júnior, do Flamengo, o palmeirense César Maluco, o sãopaulino/santista Serginho Chulapa, o Careca (que conta que bebeu com os torcedores logo após a conquista do Brasileirão de 86), sem falar no Renato Gaúcho, Romário & cia. ilimitada. Mas o ícone máximo, neste "quesito", era mesmo o Doutor Sócrates, "guru informal" e sintético do Futepoca. Tá certo que o Magrão, a exemplo de outros casos tristes como os do Canhoteiro e do Garrincha, sucumbiu ao alcoolismo e morreu disso, depois de parar de jogar. Mas, nos seus tempos de Corinthians e de seleção brasileira, nunca deixou de corresponder em campo, mesmo mantendo o hábito de beber e fumar - e publicamente, à vontade, em qualquer situação. Por isso mesmo, ao contrário dos jogadores de hoje, tinha a coragem de peitar todo tipo de patrulha, da torcida e da imprensa. "Não querem que eu beba, fume ou pense? Pois eu bebo, fumo e penso. Fui para a avenida brincar, bebi direitinho. Não fico me escondendo para fazer as coisas", afirmou, à revista Placar, logo após o Carnaval de 1986. Prestem atenção: "bebo e penso". Ah, bons tempos! Velhos tempos, saudosos tempos...


O dia em que a Câmara dos Deputados descobriu que existe "presunção de inocência"

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Na sessão da CPI da Petrobras realizada ontem à tarde em Brasília, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi aplaudido após e mesmo durante sua explanação inicial de 53 minutos. Tratou o pedido de abertura de inquérito feito em relação a ele, realizado pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, como algo feito por “motivação política”. Foi apoiado por lideranças – a maioria delas que apoiou sua eleição à presidência da Casa – e reverenciado de forma comovente pelos seu colegas.

A deferência era tanta que foi constrangedora. Em certos momentos, lembrava cenas do filme O Poderoso Chefão, onde convidados do casamento da filha de Don Corleone, personagem vivido por Marlon Brando, recebia pedidos e tinha sua mão beijada pelos convivas. No caso de hoje, não houve qualquer pedido aparente, apenas loas tecidas à vontade a Cunha.

Mas se há “motivação política” na inclusão do peemedebista na lista, quem é o “motivador”? Obviamente, o governo. Na trama em que o presidente da Câmara alega estar envolvido, Rodrigo Janot estaria interessado em agradar quem tem a possibilidade de conduzir sua reeleição, o Executivo, e por isso teria incluído o nome do peemedebista. Dupla e grave acusação: a de ingerência governamental no trabalho do Ministério Público e de uma conduta inidônea do procurador-geral. E os petistas, diante das acusações do presidente da Câmara, foram vacilantes, preferindo falar sobre temas correlatos mas não batendo de frente com o depoente.

Eduardo Cunha: o inferno são os outros... Sempre. (Lucio Bernardo Jr. – Câmara dos Deputados)

As falas de Cunha foram diretas e, para ilustrar o que ele diz ser incoerência do procurador ao pedir investigações sobre ele, citou dois exemplos de senadores petistas, Delcídio Amaral, que teve o pedido de abertura de inquérito arquivado, e Gleisi Hoffman. Sempre com uma adversativa de que citava os exemplos mas não “acusava” ninguém, deixou os ataques mais agressivos a cargo de parceiros como o deputado Paulinho da Força (PSD-SP), que levantou a hipótese de conluio entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o procurador Janot.

O fato é que, diante da evidente tática do peemedebista de jogar o peso das investigações da Lava Jato nos ombros do governo, tomando a própria defesa como se fosse, também, uma defesa do Legislativo, atiçando os instintos corporativos dos parlamentares, Cunha mostrou mais uma vez que sabe bem o que quer e já definiu como fazê-lo. Enquanto isso, a articulação governista hesitou e, ao não fazer a defesa enfática do governo diante das acusações do presidente da Câmara, escancarou um modo de fazer política que é grande responsável pela atual situação em que se encontra o Planalto e a base dilmista no Legislativo.

Para além da tática política de Cunha, algo comovente na CPI foi descobrir o quanto nossos deputados prezam e valorizam a presunção de inocência. E sabem, porque assim disseram vários deles, que o envolvimento do nome de uma pessoa em investigações pode se traduzir em culpa para parte da opinião pública.

Uma intervenção reveladora – mas não a única – nesse sentido foi feita pelo deputado Celso Pansera (PMDB-RS), ao rebater a fala de Ivan Valente (Psol-SP), que pediu a Cunha que abrisse seus sigilos telefônico, bancário e fiscal para que pudesse continuar seu trabalho à frente da Câmara. De acordo com o parlamentar gaúcho, “pedir abertura de sigilo é induzir à condenação”. Diz muito a respeito da conduta de seus colegas em diversos episódios.

É uma pena esse interesse pela presunção de inocência ter surgido só agora, em especial para parlamentares que têm como hábito acusar e apontar o dedo para um adversário – político ou não – na primeira oportunidade. E também descobrimos, na didática sessão da CPI, que decisões judiciais podem ser contestadas publicamente, já que a abertura de inquérito para investigar Eduardo Cunha foi um pedido de Janot acatado por um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki.

Poderíamos aproveitar essa onda de preocupação de parlamentares com a presunção de inocência para exigir que este seja um direito assegurado a todos os cidadãos, pois ele desaparece no cotidiano de muitos brasileiros, em especial aqueles que vivem nas periferias das grandes cidades, vítimas do autoritarismo do poder público e que raramente são tema de qualquer discussão no Congresso Nacional. Porque o ônus da prova e o peso da culpa, nesses casos, ficam para os acusados, que não são poucos.

Publicado originalmente na Revista Fórum

quinta-feira, março 12, 2015

'Tô me guardando pra quando o domingão passar...'

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Tipos de cerveja 79 - As lambic-fruit

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Na maior parte das vezes apenas designada por lambic (sem o fruit), esse tipo de cerveja é muito peculiar, não só pelo processo de fabricação como pelo fato de ser um dos mais antigos e mais complexos ainda hoje em produção. À cerveja inicial são adicionadas frutas inteiras depois da fermentação espontânea ter começado. A fermentação é feita com microorganismos encontrados nas caves (recintos resfriados) onde estas cervejas são produzidas, sendo que as fábricas estão, em sua maioria, nos arredores da capital da Bélgica, Bruxelas. Conta-se que as caves que albergam lambics nunca são limpas, para não alterar o equilíbrio dos bolores, tão essenciais ao processo de desenvolvimento da cerveja. Posteriormente ao início do processo de fermentação, as lambics são envelhecidas em barris de madeira por períodos que vão de um ano até três. Quanto à fruta utilizada, as mais comuns são as krieks (cerejas), framboise (framboesas), pêche (pêssego) e cassis (groselhas pretas), apesar deexistirem muitas novas marcas que utilizam frutos exóticos. Relativamente ao sabor, para ojeriza total e absoluta do camarada Glauco, o destaque vai, obviamente, para a fruta, notando-se pouco o sabor do malte ou do lúpulo. Para desespero de todos os futepoquenses e simpatizantes da causa, o nível de álcool das lambic gueuze também é baixo, não ultrapassando, em geral, os 5%. De acordo com o site português Cervejas do Mundo, as lambics feitas pelo método tradicional são designadas por Oud, sendo mais ácidas do que as lambics mais novas, mais viradas para as vendas e por isso mais doces e balanceadas. Para experimentar, o site recomenta a Cantillon Lou Pepe Pure Kriek (foto), a Drie Fonteinen Schaerbeekse Kriek ou a Girardin Framboise.


quarta-feira, março 11, 2015

Me engana que eu NÃO gosto

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LEIA:

A Democracia Particular de Aécio Neves


segunda-feira, março 09, 2015

Sim, o consumo exagerado de álcool mata. Mas falta discutir (e tolher) a propaganda de bebidas

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Depois que um rapaz de 23 anos morreu após ingerir cerca de 30 doses de vodca numa espécie de "gincana alcoólica" disputada entre repúblicas universitárias, o consumo excessivo de álcool entre os jovens voltou à pauta midiática. Como o tom das notícias, editoriais e opiniões é sempre meio acaciano (sim, óbvio: beber exageradamente mata, não importa a idade), o Estadão fuçou algum dado concreto para fugir da subjetividade e publicou, baseado em números do portal Datasus, que, no Brasil, "a cada 36 horas um jovem morre por intoxicação aguda por álcool ou de outra complicação decorrente do consumo exagerado de bebida alcoólica". Tal cálculo baseia-se no último levantamento disponível, de 2012, quando ocorreram 242 mortes na faixa etária dos 20 aos 29 anos "por transtornos por causa do uso do álcool", conforme definido na Classificação Internacional de Doenças (CID).

Mas o dado mais interessante da reportagem talvez seja o fato de que, segundo o Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Inpad/Unifesp), entre os brasileiros que consomem álcool, o hábito chamado de "beber em binge" [ou "beber pesado episódico], quando há ingestão de pelo menos cinco doses de bebida em um período de duas horas, cresceu de 45%, em 2006, para 59%, em 2012. De acordo com o psiquiatra Jerônimo da Silva (leia aqui), um drinque - ou uma dose - seria o equivalente a uma lata de cerveja (350 mililitros) ou a uma taça de vinho (150 ml) ou a uma dose de destilado (50 ml). "Esse abuso ['beber em binge'] é mais comum entre jovens, porue nessa faixa etária é realmente mais difícil controlar os impulsos", disse, ao Estadão, Clarice Madruga, pesquisadora do Inpad/Unifesp.

E ela acrescentou: "É preciso que o poder público intervenha na venda de bebida". Tudo bem, concordo que é responsabilidade do governo (principalmente o federal) impor limites no comércio de bebida alcoólica. Porém, como sabemos que o poder público, atualmente, é muitas vezes refém do poder econômico (desde o financiamento privado de campanhas eleitorais até a pressão exercida para estabilização ou desestabilização da economia do país, dependendo dos interesses), fica difícil imaginar que consiga se impor contra um setor tão lucrativo do mercado. Segundo o jornal Correio Braziliense, "o Brasil é o 3º maior produtor de cerveja do mundo, e a produção cresce a uma taxa média de 5% ao ano. O segmento cervejeiro responde por 80% do mercado de bebidas alcoólicas, com faturamento anual de R$ 70 bilhões. Recolhe R$ 21 bilhões em impostos por ano e paga R$ 28 bilhões em salários para um universo de 2,7 milhões de empregados em mais de 200 fábricas".

Essa mesma notícia confirma o a supremacia do setor privado sobre o público, pois aponta que "o Brasil perde hoje, com os problemas decorrentes do álcool, 4,5 vezes mais do que o faturamento da indústria das bebidas alcoólicas, enquanto o alcoolismo suga o equivalente a 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB), pequenos e grandes grupos do setor movimentam, juntos, 1,6% de todas as riquezas produzidas no país". Ora, então está claro que o governo e a população "que se danem", o que interessa é lucrar! Se a situação chegou a esse ponto de prejuízo social, e o governo se mostra "de mãos atadas", fica explícito que o mercado é quem dá as cartas nesse jogo. Assim sendo, resta-nos a velha "política de redução de danos". Se não dá pra cercear a venda, podemos reivindicar então maior controle na propaganda de bebida alcoólica, que é um verdadeiro "vale-tudo" no Brasil.

No artigo “Propaganda de álcool e associação ao consumo de cerveja por adolescentes”, publicado na edição de junho da Revista da Saúde Pública, os pesquisadores mostram os resultados do estudo que interrogou 1.115 estudantes, do 7º e 8º anos de escolas públicas de São Bernardo do Campo (SP): a maioria dos jovens afirmou que se identifica com o marketing da indústria de bebidas, pois (o grifo é meu) "os comerciais parecem refletir situações de suas vidas". Segundo o artigo, essa similaridade faz os adolescentes classificarem a mensagem recebida como "verdadeira", como exemplifica uma das opções mais marcadas no questionário (o grifo é meu): "as festas que eu frequento parecem com as dos comerciais". E mais: segundo o estudo, a noção de fidelidade à marca, exposta constantemente nas propagandas de cerveja (a bebida mais consumida no país), tem um "impacto essencial para a ingestão de álcool precocemente".

De fato, as propagandas de cerveja costumam mostrar sempre um ambiente de muita alegria, muita brincadeira, muita paquera, muita gente "bonita" e sorridente - e MUITA bebida. Procuram convencer o consumidor de que quem não bebe - ou bebe pouco - está automaticamente "excluído" da "turma", do grupo "bacana", "popular" e que "curte a vida adoidado". Mesmo quando os problemas decorrentes do álcool são abordados nessas propagandas - ressaca, amnésia, briga de casal e besteiras cometidas tipicamente por bêbados -, o clima é de gozação, de palhaçada, de algo risível. Nunca censurável. Ou seja, se até "dar vexame" ou "fazer merda" é engraçado, isso é mais um motivo para entrar para a "turma", para "encher a cara", para não ter limites ao beber. Pode parecer besteira, mas acho que subestimamos o poder e o alcance da propaganda e da televisão. Os mesmos telejornais que noticiaram a morte do rapaz de 23 anos que ingeriu 30 doses de vodca exibiram, no intervalo comercial, propagandas divertidas e estimulantes de bebidas alcoólicas.

Nunca é demais lembrar: canal de TV é concessão. Propaganda de bebida alcoólica (e de cigarro) deve ser assunto prioritário no debate de saúde pública. E deve, sim, ser tolhida.


Som na caixa, manguaça! - Volume 83

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O DIA QUE O DIABO ROUBOU O BAR DO PORTUGUÊS
(Arnaud Rodrigues/ Renato Piau)

ARNAUD RODRIGUES


Mil novecentos e sessenta e oito
Corria um boato de arrepiar
Contavam que um nego com um 38
Roubou 50 contos do Mané do bar

E deu no calcanhar
E deu no calcanhar

O nego foi pro morro, se escondeu num canto
Havia um pai de santo naquele lugar
O nego disfarçou e se escondeu no manto
E disse que era ogan e pôs-se a batucar

Pôs-se a batucar
Pôs-se a batucar

O dono do terreiro fez descer um santo
E começou um ponto para Iemanjá
O nego, que era ateu, já foi ficando branco
Cuspindo labareda, querendo agradar

Querendo agradar
Querendo agradar

O português custou mas chegou no recinto
O nego, vendo aquilo, disse: - Saravá!
E vendo o português com um canhão no cinto
A pólvora subiu, ele sumiu no ar

E até hoje Mané jura
Mané diz: - Foi o diabo que roubou o bar!

E até hoje Mané jura
Mané diz: - Foi o diabo que roubou o bar!


(Do LP "Som do Paulinho", RCA, 1976)



terça-feira, março 03, 2015

O fim da longa estrada da vida

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José Rico e seu estilo único, inconfundível
Morreu hoje um dos meus maiores ídolos: José Alves dos Santos, o JOSÉ RICO, da famosa dupla com Milionário (Romeu Januário de Matos). Com 68 anos, não resistiu a uma parada cardíaca, depois de ter sido internado ontem, em Americana (SP), ao passar mal durante uma partida de futebol (aliás, o gosto dele por esse esporte ia muito além de disputar "peladas": chegou a construir uma mansão no formato da Taça Jules Rimet). Zé Rico é o autor de um dos maiores hinos populares do país: "Estrada da vida", que virou até filme, em 1981, no auge da fama da dupla, batizada como "Os Gargantas de Ouro do Brasil". Naquela época, Milionário e José Rico fizeram shows no México, no Japão e na China. Ainda hoje, mesmo quem não gosta de música caipira (ou sertaneja), já deve ter ouvido em algum lugar, pelo menos uma vez, os versos: "Nesta longa estrada da vida/ Vou correndo e não posso parar/ Na esperança de ser campeão/ Alcançando o primeiro lugar". Pra quem insistir em dizer que não conhece, segue a gravação original desse clássico:


Pelo menos para mim, um caipira do interior de São Paulo (mais precisamente de Taquaritinga, região de Ribeirão Preto), essa e muitas outras gravações da dupla estão eternamente fixadas nas memórias mais longínquas da minha infância, com a profusão de cornetas mexicanas como pano de fundo para os gritos do Zé Rico - "Ui-ui-ui! Farrúpa!  Zuuummm! Alôôôô! Uuuuiiiii! Rí-rí-rí!" - e os "provérbios" que ele costumava "declamar" no meio das músicas, segurando um dos ouvidos com a mão: "É isso aí, amigo! Enquanto você descansa, a gente carrega mais um caminhão de pedra!". Digam o que quiserem, mas Zé Rico foi uma das figuras mais originais e peculiares do nosso cenário artístico, um personagem único, algo comparável a Raul Seixas - e comparável mesmo, pois a dupla com Milionário possui uma legião de milhões de fanáticos por todo o Brasil. Como o Emerson Pereira, meu amigo dos tempos de faculdade, com quem eu costumava fazer o dueto de "Taça da amargura", música que batizou a república de estudantes onde morávamos:


Me lembro também de uma festa numa quitinete onde morei, em Ribeirão Preto, aos 18 anos, em que o vinil "Volume 4" de Milionário e José Rico era um dos únicos disponíveis, e tocou a madrugada inteira na pequena sonata de plástico, embalando os casais que já se agarravam (mesmo os que tinham preconceito contra a dupla). Pra mim, apesar de não gostar de música sertaneja, Zé Rico está acima de qualquer preferência ou preconceito. É um dos "puros", dos "autênticos", imune a rótulos e desdéns. Numa entrevista ao site Clube Sertanejo, ele resumiu as origens da dupla: "Eu sou nordestino, nasci no sertão pernambucano [em São José do Belmonte], me criei no cantinho do Norte do Paraná, na cidade de Terra Rica, onde recebi o nome de José Rico. Aí, vim pra São Paulo, encontrei com Romeu, formamos a dupla e começou a luta". Luta que rendeu fama, dinheiro e sucessos estrondosos. Minha gravação preferida, que tocou naquela noite em Ribeirão, é essa:


É emblemático - e nada gratuito - o Zé Rico falar em "luta", pois, pela origem, pelo nome e pelo apelido, trata-se de um legítimo BRASILEIRO, um Garrincha da música. Um gênio - ainda que incompreendido por muitos que defendem o temível e subjetivo "bom gosto". E termino esse post (triste pelo Zé Rico, e com a certeza de que derrubarei um gole de cachaça pra ele), reproduzindo mais um trecho da citada entrevista ao site Clube Sertanejo (o grifo é meu): "Nós tivemos a sorte e felicidade de, quando praticamente não se vendia disco, ultrapassar as expectativas. E hoje é mais difícil, através de outros intercâmbios. Mas dá pra ir tocando. Mais uma vez, eu afirmo: aqueles que se dedicaram com respeito e amor permanecem". JOSÉ RICO PERMANECERÁ. "Farrúpa! Zuuuuuummmmm..."



LEIA:

Enterro de José Rico reúne multidão e causa tumulto em Americana (SP)


P.S.1: Só pra acrescentar a tag "Política" ao post, vídeo recente do José Rico:


P.S.2: E a tag "Futebol" se justifica também por este outro vídeo, de 31/12/2014:




Sonho, avião, sal, pimenta, passaporte e Los Angeles

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Richards 'sonhou' Satisfaction
McCartney 'sonhou' Yesterday
Em 1965, os Beatles e os Rolling Stones gravaram e lançaram dois dos maiores sucessos pop de todos os tempos: "Yesterday", composta integralmente por Paul McCartney, e "(I can't get no) Satisfaction", música de Keith Richards e letra de Mick Jagger. E uma coincidência inacreditável une as duas composições das bandas inglesas: segundo seus autores, elas surgiram em sonhos (!), quase que na mesma época (!!) e local (!!!). Tanto McCartney quanto Richards moravam no bairro Saint John's Wood, em Londres - que abriga o estúdio de Abbey Road, da EMI, usado pelos Beatles. Keith sonhou com o emblemático riff de guitarra de "Satisfaction" em seu apartamento da rua Carton Hill, despertou com ele na cabeça, pegou o violão e o gravou em uma fita cassete. "O milagre foi que olhei o gravador naquela manhã e sabia que tinha colocado uma fita virgem na noite anterior, e vi que estava no final. Então, apertei o botão de retrocesso e lá estava 'Satisfaction' - e depois 40 minutos de mim roncando", lembra Richards, sobre o primeiro grande sucesso dos Rolling Stones de autoria própria. Sobre Yesterday, Paul não chegou a gravá-la, mas lembrou a melodia no dia seguinte, ao despertar em sua casa na avenida Cavendish, também em Saint John's Wood: "Eu apenas acordei em uma manhã e ela estava na minha cabeça”, conta o beatle, referindo-se à canção mais executada no planeta em todos os tempos, que teve mais de 3 mil regravações nas cinco décadas seguintes.



Sal e Pimentra inspiraram Sargent Pepper's
Dois anos depois, em 1967, tanto os Beatles quanto os Stones mergulhariam no chamado "som psicodélico", a partir de suas experiências com LSD, o ácido lisérgico. Numa viagem de avião, Paul McCartney pensava nas novas bandas "lisérgicas" da Costa Oeste dos Estados Unidos, como Big Brother and the Holding Company (a banda de Janis Joplin) e Quicksilver Messenger Service, entre outras, quando passou a imaginar qual seria o nome "maluco" que inventaria caso viessem a rebatizar os Beatles. Foi então que o roadie Mal Evans, que o acompanhava, perguntou para McCartney o que significavam as letras S e P nos potes que acompanhavam a comida servida no avião. Paul respondeu que eram Salt (sal) e Pepper (pimenta) - e esse foi o estalo inicial que o levou ao nome da banda fictícia Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band (Sargento Pimenta e a Banda dos Corações Solitários), título do disco dos Beatles que revolucionaria a música pop.
Inscrição no passaporte que inspirou os Stones
E que inspirou Their Satanic Majesties Request (A pedido de Vossas Majestades Satânicas), dos Rolling Stones. Curioso é que, assim como Sgt. Pepper's foi batizado a partir dos potes de sal e pimenta servidos junto com as refeições em um avião, o título do álbum dos Stones foi escolhido a partir de uma inscrição contida nos passaportes britânicos: "Her Britannic Majesty's Requests" (A pedido de Sua Majestade Britânica). Muitos imaginam que, por serem "concorrentes", as duas bandas se hostilizavam. Mas não: naquele mesmo ano de 1967, Keith Richards e Mick Jagger participaram do côro na gravação de "All you need is love", dos Beatles, e John Lennon e Paul McCartney retribuíram com suas vozes na gravação de "We love you", dos Stones.


 

Por fim, para fechar as "coincidências", há uma entre os Beatles e o brasileiro Milton Nascimento. Ainda em 1967, George Harrison estava em Los Angeles, em uma casa alugada temporariamente, e aguardava a chegada de seu amigo Derek Taylor, assessor de imprensa da banda. O beatle já estava quase dormindo quando Derek telefonou dizendo que havia se perdido no trânsito. Para espantar o sono e aguardar que Taylor enfim encontrasse o destino, George pegou o violão e compôs "Blue Jay Way", canção que conta a desventura do amigo no trânsito de Los Angeles e que leva como título o nome da rua onde Harrison estava hospedado (e que seria incluída no filme televisivo Magical Mistery Tour, lançado em dezembro daquele ano). Em 1978, Milton Nascimento desembarcou na mesma cidade estadunidense na expectativa de reencontrar seu amigo Ricky Fataar, multi-instrumentista sul-africano que chegou a tocar com os Beach Boys e que, naqueles anos 1970, encarnou o personagem Stig O'Hara, versão cômica de George Harrison na banda fictícia The Rutles, esculhambação dos Beatles feita pelo povo do Monty Python. Porém, por algum motivo, Fataar não pôde ir a Los Angeles, e Nascimento, assim como Harrison, compôs uma música sobre a situação, batizada  como "Unencounter" (algo como "O não encontro") -  que depois receberia letra em português e se tornaria a clássica "Canção da América". Assim, tanto a composição dos Beatles como a do brasileiro falam de dois "desencontros" entre amigos na mesma cidade, Los Angeles. E fim de papo (mesmo sem futebol, política ou cachaça)!





sexta-feira, fevereiro 27, 2015

'Raul bebia pra não saber que tava nessa merda toda'

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Raul internado: morte precoce aos 44 anos
Depois que instalaram uma TV que acessa o Youtube (sem merchan, por favor) lá em casa, desisti de vez de assistir os canais abertos ou pagos e mergulhei nos milhões de vídeos postados por internautas. Numa dessas, trombei com uma entrevista do Plínio, irmão único - e mais novo - do finado Raul Seixas. Ao ser questionado sobre o que teria levado o "Maluco Beleza" a tal ponto de alcoolismo, que o matou aos 44 anos, Plínio resume (o grifo é meu): "Raul tinha uma mágoa enorme com o ridículo, com a mesmice, com a idiotice que tá por aí - e que ainda tá, e que tá até pior. É bom que ele nem esteja mais [aqui]. Porque piorou bastante de lá pra cá, né. (...) Eu não quero falar muito, não, porque eu sou um pouco do lado dele nessas coisas. Mas Raul bebeu também porque... ele era meio tedioso, já, com isso. Isso aqui já não tava mais legal pra ele. Como ele disse: 'Enquanto vocês tão com as cercas do quintal, assento a sombra sonora de um disco voador'. Ele tava além disso tudo, das fronteiras, dos países, das cercas que separam quintais. [A música] 'Ouro de tolo' diz bastante a ideia da cabeça dele. Ele tá muito além disso tudo. Ele não era pra tá aqui. Ele bebia pra esquecer, pra não saber que tava aqui nessa merda toda."


Raul com o vaidoso conterrâneo Caetano
Em outro trecho da mesma entrevista, Plínio afirma que a música "Meu amigo Pedro", um dos maiores "hinos" do raulseixismo, foi feita pra ele - embora haja a especulação de que o "mago" Paulo Coelho, co-autor da canção, tenha direcionado a letra para seu pai, Pedro Queima Coelho. De qualquer forma, registrei acima a opinião de Plínio Seixas sobre o motivo do alcoolismo de Raul porque coincide com um depoimento do Chico Buarque ao jornal espanhol La Vanguardia, de 2005, que recuperei aqui no blog outro dia (o grifo é meu): "Eu nunca vi um movimento geral de idiotice como o de hoje. Já vivemos quase duas décadas de idiotice globalizada. A idiotice nos rodeia, eu mesmo tenho medo de ficar idiota". Pois é. Difícil imaginar Raul Seixas num mundo de Big Brother, Luciano Huck, carnaxé, funk ostentação, sertanejo universitário, coxinhas, anonymous, redes (anti)sociais etc etc etc. Nesse mundo em que todo mundo se leva muito a sério, que "se acha". Como vovó já dizia, em "As aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor", "Acredite que eu não tenho nada a ver/ Com a linha evolutiva da Música Popular Brasileira" - tirando um sarro do conterrâneo baiano Caetano Veloso, que sempre se levou MUITO a sério - tanto que deu o título de "VERDADE tropical" para sua autobiografia, quando mais parece uma "VAIDADE tropical"...

Enquanto Caetano olha para o próprio umbigo, Raul preferia fazer careta no espelho

E como "É fim do mês", termino esse post com os versos de outra obra-prima raulseixista que tem esse título, e que tem tudo a ver com a tal idiotice ressaltada pelo Plínio e pelo Chico (os grifos são meus): "Mas não achei!/ Eu procurei!/ Pra você ver que procurei/ Eu procurei fumar cigarro Hollywood/ Que a televisão me diz que é o cigarro do sucesso/ Eu sou sucesso!/ Eu sou sucesso!/ (...)/ Eu consultei e acreditei no velho papo do tal psiquiatra/ Que te ensina como é que você vive alegremente/ Acomodado e conformado de pagar tudo calado/ Ser bancário ou empregado sem jamais se aborrecer". Um brinde ao grande Raul. Porque eu também já não quero mais nem saber que tô aqui, nessa merda toda...



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quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Som na caixa, manguaça! - Volume 82

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O ÚLTIMO TRAGO
(Marciano/Darci Rossi)


Pedro & Paulo


Às vezes um homem precisa beber
Por causa de alguém que não pode esquecer
Sozinho na casa onde já viveu bem
Não come, não dorme, não é mais ninguém

A casa vazia parece assombrada
Enxerga nas coisas a imagem de alguém

Por isto o que houve quando ela partiu
Perdi a cabeça em um mundo vulgar
De tanto sofrer, com fé aprendi
Que os pecados dela não devo pagar

Depois de algum tempo de dar cabeçada
O homem aprende a escolher sua estrada
Encontra outro alguém, recomeça a amar
Percebe que o amor é possível trocar

Reúne os boêmios no último trago
Explica a vitória e despede do bar

Por isto o que houve quando ela partiu
Perdi a cabeça em um mundo vulgar
De tanto sofrer, com fé aprendi
Que os pecados dela não devo pagar


(Do LP "Pedro e Paulo - Volume 03", Veleiros/CBS, 1981)



A ciência do óbvio ataca outra vez: álcool é mais letal que maconha

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Estudo recentemente publicado na Scientific Reports, subsidiária da revista Nature, aponta que o álcool é 144 vezes mais letal que a maconha. A pesquisa procurou quantificar o risco de morte associado ao uso de várias substâncias tóxicas e os cientistas descobriram que, de longe, a maconha é a droga "mais segura". No lugar de focar a contagem de morte, como outros estudos, os autores do relatório compararam doses letais de cada substância com a quantidade que uma pessoa comum usa. 


 Ao elencar as drogas mais mortais, a maconha apareceu no final da lista, enquanto álcool, heroína, cocaína e tabaco lideram. A maconha era a única que representava um risco de mortalidade baixo entre os usuários, apesar de não ser inexistente - e agora é, de fato, "mais segura do que o álcool". A pesquisa da Scientific Reports aparece logo após a polícia do Colorado, primeiro estado americano a legalizar a droga, dizer que em um ano tudo está bem e o trabalho policial passou praticamente inalterado.


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terça-feira, fevereiro 24, 2015

Política - definições básicas

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quinta-feira, fevereiro 19, 2015

A vingança é um prato que se come... após 1 ano

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Em janeiro de 2014, Muricy Ramalho botou o meia Jadson na geladeira no São Paulo, expondo o jogador publicamente ao dizer que ele havia começado aquela temporada "mal preparado". E disparou, de forma grosseira: “Se não estiver satisfeito, vá embora. Aqui, ninguém está fazendo favor ao São Paulo. Todo o mundo é pago para trabalhar". Jadson não pensou meia vez: arrumou suas trouxas e fechou contrato com o rival Corinthians pouco depois, no início de fevereiro, numa negociação que teve como contrapartida o empréstimo do atacante Pato para o clube do Morumbi.

Após um bom início no time corintiano, com gols e assistências, Jadson caiu de produção no segundo semestre do ano passado, mesma época em que Pato vivia boa fase no rival - fato que levou muitos precipitados a afirmar que o São Paulo tinha levado a melhor na polêmica transação. Com a saída de Mano Menezes e a volta de Tite neste início de 2015, o roteiro de Jadson parecia repetir o da temporada anterior. Preterido no time titular por Lodeiro, o ex-sãopaulino chegou a ser sondado pelo Flamengo. Porém, como o meia uruguaio acabou se transferindo para o Boca Juniors, Jadson ficou.

Ficou, virou titular absoluto e começou o Paulistão e a pré-Libertadores "voando baixo", como diz o jargão futebolístico. Mas nada se compara à atuação que teve ontem, no Itaquerão, na estreia da fase de grupos da competição continental. Com um passe magistral e decisivo para Elias abrir o placar, e uma finalização perfeita no segundo gol (ainda que tenha havido falta de Sheik no início da jogada), Jadson destruiu o São Paulo e humilhou o mesmo Muricy que o havia "enxotado" do Morumbi há um ano. A vingança é um prato que se come frio. Ainda assim, para o meia corintiano, foi saborosíssimo.


'O CARA' - Ainda que Jadson, Elias e Ralf tenham feito uma partida perfeita, na técnica, na tática e na raça, e que Felipe, Danilo e Sheik também mereçam (muitos) aplausos pelas suas atuações, "o cara" do Corinthians é, sem sombra de dúvida, o técnico Tite. A equipe compacta, com forte marcação, toques rápidos e múltiplas opções de saída de bola e de contra-ataque, como era a da Libertadores de 2012, voltou. E voltou mais forte, na minha opinião. Se Guerrero tivesse jogado, creio que o prejuízo sãopaulino teria sido maior. Uma injustiça Tite não ter assumido a seleção.

SEM NOÇÃO - Entrar com uma formação nunca testada, com três volantes, num clássico dessa importância, foi uma pisada na bola incontestável de Muricy Ramalho. Michel Bastos na lateral também foi algo "sem noção", bem como as substituições feitas. O resultado foi que o São Paulo praticamente não deu um chute a gol, sequer, e Cássio saiu com o uniforme limpo. Mas quero, aqui, concordar com a observação do colunista Marcio Porto, do jornal Lance!: o time teria perdido o jogo com qualquer formação titular, pois não sabe o que fazer quando pega a bola. E o Corinthians sabe. Muito bem.

TRÊS ZAGUEIROS - O São Paulo não sabe o que fazer porque não tem saída de bola. Quando Rogério Ceni não dá chutão lá pra frente, ele toca para a zaga ou para os volantes, que não têm opção alguma a partir daí. O motivo é que o time não tem laterais de ofício, mas "alas", que ficam lá na frente, isolados, esperando a bola. Quando os adversários anulam Souza e Ganso (palmas para Ralf e Elias!), a equipe de Muricy "desaparece". Foi o que aconteceu. Por isso, o São Paulo deve voltar a jogar com três zagueiros, para ter opções de saída de bola e de ligação com os "alas", além de compactar mais a defesa com o meio e o ataque. Foi assim que o time ganhou quase tudo entre 2005 e 2008. E, de lá pra cá, os títulos sumiram. Com três zagueiros, o São Paulo finalizou 19 vezes contra o Bragantino. Ficou nítido que, com dois na zaga e dois "alas", Muricy não irá a lugar algum.


sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Tipos de cerveja 78 - As lambic-faro

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Não, cachaceiro, não é alambique. É lambic. Um tipo de cerveja fabricado tradicionalmente pela região de Pajottenland, na Bélgica, que surgiu através da Chapeau Banana, uma cerveja ale da cervejaria De Troch (de acordo com o que está escrito aqui). Já a lambic-faro é uma mistura de lambics à qual é adicionado açúcar, de modo a que se torne mais leve, doce e saborosa. Podem ser "condimentadas" com pimenta ou casca de laranja, apesar destes gêneros não terem grande aceitação. Para total ojeriza do camarada Glauco, tornam-se demasiado doces, pelo que se aconselha a servi-las bem frescas e acompanhadas com algo salgado. Pode-se dizer que é mais um aperitivo do que propriamente uma cerveja. Para experimentar, o site português Cervejas do Mundo recomenda a Drie Fonteinen Faro, a Cantillon Faro (foto) ou a Lindemans Faro.

quinta-feira, fevereiro 12, 2015

'Bebidas espirituosas'

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O 3º volume da coleção 'Terra Brasilis'
Em que pese ter sido escrito por Eduardo Bueno, aquele que recentemente chamou a região Nordeste de "bosta", o livro "Capitães do Brasil - A saga dos primeiros colonizadores" é um dos três volumes de uma coleção publicada pela Editora Objetiva, no fim do século passado, que teve o mérito inegável de recontar e detalhar os primórdios da História brasileira sob uma ótica menos mítica/acadêmica e mais "humanizada", por assim dizer, perseguindo informações e provas documentais com rigor "jornalístico". A linguagem menos empolada/mais acessível utilizada pelo autor também colaborou para o sucesso popular dessas obras, pertencentes ao chamado "revisionismo histórico" - que, a partir daquela época, motivou centenas de publicações interessantes no país.

Marco de Touros, exposto em Natal
Pois bem, ao conhecer, no início deste mês, o Marco de Touros, exposto no Forte dos Reis Magos, em Natal (RN), me interessei pela tese de um pesquisador local de que Pedro Álvares Cabral talvez não tenha descoberto o Brasil em Porto Seguro (BA). Desde então, tenho lido e relido vários textos e livros sobre o primeiro século de colonização do nosso território. Um deles é exatamente "Capitães do Brasil", o único dos três títulos da Coleção Terra Brasilis que eu ainda não tinha lido (os outros são "A viagem do descobrimento" e "Náufragos, traficantes e degredados"). Neste último volume, Bueno trata sobre os interesses de Portugal ao decidir colonizar o Brasil 30 anos após a descoberta, a divisão em capitanias hereditárias, o destino de cada uma delas e as venturas e desventuras dos doze donatários daquelas terras.

Manguaça Vasco Fernandes Coutinho
Um deles foi Vasco Fernandes Coutinho, fidalgo português presenteado pelo rei Dom João III com a 11ª capitania das 15 demarcadas horizontalmente de Norte a Sul na nova colônia, a do Espírito Santo. Depois de tomar posse da gigantesca porção de terra em 1535 (cada capitania tinha cerca de 350 km de largura, dimensões similares às das maiores nações europeias), Coutinho decidiu regressar à Portugal quatro anos depois, em busca de algum sócio que topasse investir em expedições para procurar ouro e prata no interior do Brasil. Porém, ao partir para Lisboa, o donatário deixou no comando da capitania o degredado D. Jorge de Meneses, conhecido por "homem de Maluco". Não à toa: investido do cargo, quebrou acordo com os índios Goitacás e invadiu seu território. Foi morto a flechadas.

Mapa de Vila Velha do século XVI
Outro degredado, D. Simão de Castelo Branco, assumiu o posto vago. Em vão: ainda furiosos, os Goitacás não só o assassinaram como trucidaram a maioria dos colonos europeus, além de invadir e destruir o povoado que existia onde hoje está a cidade de Vila Velha. A notícia da tragédia demorou alguns anos para atravessar o oceano e, por isso, Vasco Coutinho a ignorava quando voltou ao Brasil. O pior foi que, além de desinformado, o donatário tomou uma atitude absurda ao fazer uma escala na capitania de Porto Seguro: levou consigo, para o Espírito Santo, um bando de degredados que havia fugido da cadeia de Ilhéus, depois de ter capturado e saqueado um navio. Um dos piratas era francês, e dar abrigo a ele era algo impensável numa época em que Portugal combatia com armas os frequentes saques da França no Brasil.

Gravura de índio 'bebendo fumo'
Com a ajuda dos degredados e de colonos remanescentes, Coutinho fundou um novo povoado, chamado Vila Nova (ao lado de onde antes existia a destruída Vila Velha) e, em 1551, derrotou os Goitacás - motivo pelo qual a Vila foi rebatizada como Vitória, cidade que hoje é a capital do atual Estado do Espírito Santo. Porém, os degredados, piratas e bandidos aos quais o donatário tinha se aliado se tornaram problema muito maior do que os indígenas, e a capitania caiu em desordem incontrolável. Para complicar a situação, segundo Francisco de Varnhagen, um dos primeiros historiadores brasileiros no século XIX, Vasco Coutinho "acabou por dedicar-se com excesso às bebidas espirituosas e até se acostumou com os índios a fumar, ou a beber fumo, como então se chamava a esse hábito, que naquele tempo serviu de compendiar até onde o tinha levado sua devassidão".

Estátua de Pero Fernandes Sardinha
Curiosa a denominação "bebidas espirituosas", quando em língua inglesa o goró é popularmente chamado de spirit, pois considera-se que o consumo de bebida alcoólica "altera o espírito", causando mudanças físicas e mentais. Voltando ao "dono" da capitania do Espírito Santo, seus vícios o fizeram sofrer uma série de humilhações públicas, infringidas pelo primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha. De acordo com relato do então governador-geral da colônia, D. Duarte da Costa, Vasco Coutinho chegou a Salvador em 1555 "velho, pobre e cansado, bem injuriado do Bispo, que lhe tolhera a cadeira das espaldas e apregoara por excomunhão, por sua mistura com homens baixos e por seu hábito de beber fumo (...); e o Bispo dissera dele no púlpito coisas tão descorteses, estando ele presente, que o puseram em condição de se perder". Era o princípio do fim do fidalgo-manguaça.

O governador-geral Mem de Sá
Em 1558, outra vez cercado pelos Goitacás e sem qualquer respeito dos colonos ou controle na administração da capitania, Coutinho escreveu para o novo governador-geral, Mém de Sá, pedindo dinheiro e dizendo-se "velho, doente e aleijado". Apesar de mandar reforços, Sá escreveu para o rei sugerindo: "Parece que V. Alteza devia tomar esta terra a Vasco Fernandes e dar aos homens ricos que para cá querem vir". De acordo com o livro de Bueno, em 1561, "depois de gastados muitos mil cruzados que trouxera da Índia, e muito patrimônio que tinha em Portugal", Vasco Coutinho "acabou seus dias tão pobremente que chegou a pedir que lhe dessem de comer por amor de Deus, e não sei se teve um lençol com que o amortalhassem". Consta ainda que sua mulher e filhos acabaram seus dias desamparados, num hospital de caridade. E o território do Espírito Santo permaneceu por muito tempo abandonado, abrigando fugitivos e piratas.

A 'Medalha Vasco Fernandes Coutinho'
Mais de quatro séculos depois, Vasco Coutinho continua causando polêmica. Em 1962, a Polícia Militar do Espírito Santo criou uma medalha com seu nome, para "celebrar a colonização do solo" local - e "homenagear", no dia 23 de maio (alusão à data de desembarque de Coutinho em  1535), políticos, militares, empresários e "otoridades"/"celebridades" do gênero. Na edição de 2013, o dramaturgo Wilson Coêlho recusou-se a recebê-la, justificando: "Me parece estúpida a ideia de comemorar a colonização, principalmente quando significa eu assumir o papel de colonizado como um 'bom moço' entre os colonizados. Nesse processo de colonização, Vasco Fernandes Coutinho simboliza o genocídio, o assassinato cultural dos povos originários (Aimorés, Botocudos e Puris), a expansão do território europeu, o roubo e a exploração do trabalho escravo" (leia a íntegra de sua carta aqui). Apropriado ponto final nesse post.

"Tiozinhos da Vila" param no veterano Rogério Ceni

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Os comentários das redes sociais durante e depois do clássico entre Santos e São Paulo resumem desta vez o que foi o jogo. Rogério Ceni, de fato, fez a diferença a favor da equipe do Morumbi e evitou que seu time saísse da Vila Belmiro derrotado na noite desta quarta-feira.

Foi uma partida em que o Alvinegro foi conquistando espaço aos poucos. Até pouco mais da metade do primeiro tempo, o Tricolor tinha mais a posse de bola, que chegou em dado momento a uma vantagem de 62% a 38%. Os donos da casa abusavam dos passes errados, muito pelo fato de buscaram os toque mais longos, a ligação direta entre o meio e o ataque. As distâncias entre os setores da equipe ficaram visíveis nessa etapa da partida, como, aliás, em outros jogos do Santos neste campeonato paulista.

O panorama começou a mudar quando o São Paulo afrouxou a marcação pressão que fazia sobre o Peixe, passando a sofrer com as investidas de Geuvânio no lado esquerdo de sua defesa. Se o arqueiro Vanderlei demonstrou segurança ao defender finalizações perigosas de fora da área, foi o Santos que entrou pela defesa adversária, com uma jogada fantástica de Geuvânio e outro passe seu para Robinho, ambos os lances defendidos por Rogério Ceni quando os atacantes santistas já estavam dentro da área.

Se a objetividade peixeira já havia sido maior mesmo como time jogando pior que o rival, quando passou a ter mais presença no campo do São Paulo as oportunidades de gols e multiplicaram. E Ceni cresceu ainda mais. Os visitantes seguiam tocando a bola, mas não conseguiam articular jogadas incisivas de ataque. Ganso teve atuação apagada, confirmando a escrita de não jogar bem contra seu ex-clube na Vila. Michel Bastos se movimentou, mas pouco criou, e à frente, Luis Fabiano e Evandro (depois Alexandre Pato) foram em boa parte do tempo presas fáceis para a defesa, mesmo quando os donos da casa passaram a dar mais espaço perto do final do jogo. 

Em uma peleja de alta intensidade, os veteranos, ou “tiozinhos da Vila”, sentiram. Ricardo Oliveira perdeu ótima chance por não conseguir avançar em um contra-ataque; Renato desperdiçou um rebote de Ceni finalizando em cima do goleiro, ajudando o arqueiro a se consagrar ainda mais, e Robinho também não aguentou o retorno até o meio de campo, algo que o jogo passou a exigir que fizesse. E também chutou pra fora em finalização feito de dentro da área, dando a nítida impressão de cansaço.
Destes, só Renato permaneceu até o final, na questionável opção de Enderson Moreira, que preferiu sacar Lucas Lima e colocar Elano em campo. Mas é fato que o jovem meia também estava exaurido, muito por conta da marcação que passou a fazer no lado direito da intermediária no segundo tempo.

O técnico fez a opção por uma partida mais cautelosa, algo compreensível, já que o adversário manteve a forte base de 2014 e o Santos ainda precisa de mais condicionamento físico e entrosamento. De qualquer forma, sabendo que a equipe vai contar com Gabriel, Caju e Thiago Maia, que retornam da seleção sub-20, o elenco fica um pouco mais encorpado e o torcedor começa a ter mais esperanças do que o final de 2014 sugeria. No entanto, o meio de campo precisa marcar melhor atrás e acertar com mais precisão a transição para o ataque.

No primeiro teste real da temporada, o Alvinegro foi quem teve mais finalizações certas, mostrando que pode lamentar o 0 a 0. No total, foram doze contra cinco. Contando que ainda houve um pênalti evidente em Ricardo Oliveira não marcado pelo árbitro Leandro Bizzio Marinho, que estava a poucos metros do lance, o torcedor peixeiro pode reclamar com mais vontade. Mas, para uma equipe em formação, as notícias parecem boas.