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No dia 20 de março de 2011, dois destinos que insistem em se cruzar escreveram mais um capítulo no futebol brasileiro. Naquele domingo, o frágil time do Imbituba foi goleado por 4 a 0, em seu próprio estádio, pelo visitante Avaí. A derrota contribuiu para que, menos de um mês depois, o clube fosse rebaixado matematicamente para a segunda divisão do Campeonato Catarinense. E o Avaí, apesar de não levantar o troféu estadual, seguiu para uma ótima campanha na Copa do Brasil. Ninguém reparou, naquela goleada em Santa Catarina, na simbologia por trás dos derrotados e vitoriosos. Pois bem: o técnico do Avaí era - e continua sendo - Silas (à direita), ex-jogador de seleção brasileira que surgiu no São Paulo, em 1984. E o treinador do Imbituba era ninguém menos que Muller (à esquerda), outro ex-jogador de seleção, mas principalmente companheiro inseparável de Silas naquele mesmo time sãopaulino conhecido como "Menudos do Morumbi", por causa de um conjunto musical da época.
A vitória de Silas sobre Muller, naquele dia, foi mesmo simbólica. Porque refletiu o atual momento dos dois ex-parceiros. O primeiro disputa a semifinal da Copa do Brasil, depois de despachar seu poderoso clube formador nas quartas-de-final, o São Paulo, e arrancar um importante empate ontem, no Rio de Janeiro, contra o Vasco. Mais um empate sem gols, em Florianópolis, e Silas levará o Avaí a uma inédita decisão, podendo alcançar o título e uma fantástica vaga na Libertadores de 2012. Já Muller, depois de ter sido demitido do comando do Imbituba quando o time foi rebaixado, em abril, surpreendeu o mundo do futebol esta semana ao revelar suas dificuldades financeiras, que o levam até a considerar a oferta de morar na casa do amigo e ex-lateral Pavão. Situação inimaginável para quem ganhou milhões em sua vitoriosa carreira como jogador, repleta de títulos - entre eles, uma Copa do Mundo e dois mundiais interclubes.
Quando surgiram para o futebol, em meados da década de 1980, Muller e Silas eram como gêmeos. Em campo, faziam tabelas e gols que maravilhavam a torcida. Fora dele, como bons evangélicos e "Atletas de Cristo", uniam-se para rezar e ler a Bíblia (foto acima). Depois de disputarem o Brasileirão pelo São Paulo como titulares, no início de 1985, foram convocados para a seleção brasileira sub 20 que venceu o Mundial da categoria na extinta União Soviética. O melhor jogador da competição foi Silas. Em seguida, ele e Muller levantariam outro caneco: o de campeão paulista pelo São Paulo. Era o primeiro título do time formado pelo técnico Cilinho, que conquistaria mais tarde, com a célebre linha de ataque Muller, Silas, Pita, Sidney e Careca (foto abaixo), o Campeonato Brasileiro de 1986 (tendo Pepe como técnico). Os dois companheiros, com 20 anos de idade, ainda disputaram a Copa do México pela seleção principal, que foi eliminada pela França nas quartas-de-final. Estavam os dois em campo naquela derrota por pênaltis (Silas substituiu Júnior e Muller deu lugar a Zico).

Os dois amigos ainda conquistariam, juntos, o Paulistão de 1987. A partir do ano seguinte, seus destinos se afastariam. Silas foi vendido primeiro, para o Sporting de Portugal. Muller foi logo depois, para o italiano Torino. Só se reencontrariam em 1990, na Copa da Itália, onde o Brasil fracassou novamente, dessa vez nas oitavas-de-final, diante da Argentina. Mais uma vez, ambos estavam em campo na fatídica derrota (Muller os 90 minutos e Silas entrou no lugar de Alemão). Então, os destinos bifurcaram. Silas seguiu carreira errática, pulando do Sporting para o Central Español, do Uruguai, e depois Cesena e Sampdoria, na Itália. Em 1992, voltou ao nosso país, onde venceu uma Copa do Brasil com o Internacional-RS. Depois foi pro Vasco (campeão carioca com Dener e Jardel em 1994), Kashiwa Reysol, San Lorenzo (na Argentina, onde foi ídolo), voltou ao São Paulo e passou sem destaque, até o final da carreira, em 2004, por Kyoto Sanga, Atlético-PR, Rio Branco-SP, Ituano, América-MG, Portuguesa e Inter de Limeira.
Já a trajetória de Muller é mais conhecida. Retornou ao São Paulo em 1991 e foi um dos líderes do extraordinário time montado por Telê Santana. Ganhou dois mundiais interclubes e duas Libertadores (em 1992 e 1993), uma Supercopa (1993), duas Recopas (1993 e 1994), um Brasileirão (1991) e dois Paulistas (1991 e 1992). Disputou a Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 1994, e foi campeão como reserva. No ano seguinte, passou rapidamente pelo Kashiwa Reysol e desembarcou no timaço do Palmeiras de 1996, o dos 100 gols. Depois de nova passagem pelo São Paulo, foi para o italiano Perugia e voltou em 1997 para jogar pelo Santos. Mas foi no Cruzeiro onde brilhou pela última vez, conquistando a Copa do Brasil de 2000 e a Copa Sul-Minas de 2001. Isso valeu um contrato para uma passagem apagada no Corinthias, e depois ainda jogou pelo São Caetano, Tupi-MG, Portuguesa e Ipatinga, até se aposentar, em 2004 - curiosamente, no mesmo ano em que Silas parou.
Nos últimos seis anos, ocorreu a inversão no sucesso dos dois ex-companheiros. Rico, mas não milionário, Silas virou um modesto empresário em Campinas (SP), trabalhando com uma franquia de pastéis. Foi quando decidiu tentar a carreira como treinador de futebol. Para isso, começou humildemente como auxiliar do técnico e amigo Zetti nos times do Paraná, Atlético-MG e Fortaleza. E foi neste último que, em 2007, Silas teve sua primeira chance como técnico de fato, após a demissão de Zetti. Depois, foi para o Avaí (para onde retornou, atualmente), Grêmio e Flamengo. Já Muller, milionário quando abandonou a carreira de jogador, virou comentarista esportivo, no porgama "Apito final", da TV Bandeirantes, e também na SporTV. Foi aí que aceitou uma proposta do Santo André para ser diretor-executivo e responsável pelas categorias de base e do futebol profissional. Sem sucesso. Por isso, também tentou a carreira como técnico, primeiro no Grêmio Maringá-PR, depois no Sinop-MT e, por último, no Imbituba-SC. Só fracassos.
E foi assim que os dois se encontraram pela última vez, em março, na goleada do Avaí sobre o Imbituba. Nesse meio tempo, Muller perdeu quase tudo o que tinha e, agora, tenta se reerguer em nova chance como comentarista na SporTV, que o recontratou. Enquanto Silas se consolida como treinador, só nos resta imaginar onde e quando os destinos dos dois craques e companheiros irão se cruzar novamente. Tomara que, como nos tempos de "Menudos" sãopaulinos, ainda possam dar mais alegrias a todos os que os admiram e torcem pelo futebol brasileiro.