Compartilhe no Facebook
CHICO SILVA*
Timo Glock (foto) é um piloto alemão nascido em 18/03/1982, na pequena cidade de Lindenfels, no estado de Hesse, no Oeste do país de Goethe e Rainer Werner Fassbinder. Segundo dados do último censo, de dezembro de 2006, o município abriga 5.220 habitantes. Algumas avenidas de São Paulo certamente têm população maior do que a dessa tranqüila cidade alemã. Como todo companheiro de profissão, Glock se apaixonou cedo por carros e corridas. Mas, ao contrário de Lewis Hamilton e Felipe Massa, começou tarde na profissão. Inspirado pelas conquistas do compatriota Michael Schumacher, fez sua primeira temporada de kart apenas aos 15 anos, em 1998. Dois anos depois, veio seu primeiro título, na ADAC Fórmula BMW Júnior. Nos seguintes faturou mais uma temporada na ADAC, dessa vez na categoria principal, foi terceiro na F-3 alemã e quinto na F-3 Euroséries. Em 2004 teve o seu primeiro contato com um F-1. Foi contratado para ser piloto de testes da extinta equipe Jordan. Ainda teve a oportunidade de disputar algumas corridas pela escuderia do irlandês Eddie Jordan, substituindo o italiano Giorgio Pantano, então titular do time.
Em 2005, Glock foi se aventurar na América profunda, onde disputou um campeonato na finada Champ Car, categoria genérica da F-Indy. Conseguiu a proeza de terminar a temporada em oitavo. Mesmo assim, lhe deram o título de "estreante do ano". De volta à Europa, tentou a sorte na GP2, categoria que se transformou na divisão de acesso para a Fórmula-1. Se deu bem e conquistou o título de 2007. O título foi seu passaporte de regresso para a principal categoria do automobilismo mundial. Foi escolhido para ser um dos pilotos da Toyota. Nem quando está sem luvas e capacete Glock consegue se desligar das pistas. Nas folgas, gosta de tirar "rachas" de kart com os amigos. Solteiro, o alemão tem a Austrália como destino preferido de férias. No quesito preferências pessoais, ele gosta de massas, é fã dos Red Hot Chilli Peppers e Guns'n'Roses e tem como vício jogar poker. Seu grande ídolo é o pai. Em linhas gerais, esse é o perfil do homem que, involuntariamente, definiu o título da temporada 2008 da F-1.
Ao ceder o quinto lugar para Lewis Hamilton a 500 metros da linha de chegada do enlouquecido GP de Interlagos, Glock se transformou no mais novo vilão dos brasileiros. Tudo porque insistiu em se manter na pista com pneus para pista seca quando um dilúvio desabava na pista nas voltas finais da corrida. É óbvio que Glock não teve nenhuma responsabilidade pelo motor estourado de Massa na Hungria, na estratégia equivocada da Ferrari no encharcado GP da Inglaterra, nos erros de Massa nas primeiras provas da temporada e na incrível trapalhada ferrarista no pit-stop do brasileiro no GP de Cingapura (acima, à esquerda). Falhas que tiraram pontos vitais na batalha de Massa contra Hamilton. Mas, de toda a forma, Glock acabou pagando a conta. Ainda nos molhados pit-lanes de Interlagos, torcedores insinuavam que ele e a Toyota haviam levado um troco para entregar o campeonato para Hamilton e a McLaren. E só para botar um pouco mais de pimenta nesse vatapá, Glock e Hamilton são grandes amigos desde os tempos da GP2.
O novo e também mais novo campeão mundial tentou encaixar o amigo na vaga aberta por Fernando Alonso quando este saiu brigado da McLaren no fim do ano passado. Mas Ron Dennis, o chefe da equipe, preferiu trazer o chocho finlandês Heikki Kovalainen. É claro que uma coisa pode não ter a ver com a outra. Mas fica a informação.
Interlagos, 02/11/2008 - Acompanho a Fórmula-1 desde 1980. E nesses anos todos posso afirmar com segurança que nunca vi uma decisão como essa de Interlagos. Houve grandes finais como Adelaide 1986, quando Alain Prost (foto à direita), Nigel Mansell e Nelson Piquet chegaram à última prova brigando pelo título da temporada. Prost acabou levando a melhor, depois de uma batalha que teve Mansell estourando pneu a 290 quilômetros por hora e Piquet rodando quando era líder e rumava para o tricampeonato. Ou então nessa mesma Adelaide em 1994, ocasião em que Schumacher e Damon Hill protagonizaram um duelo suicida pelas retas e curvas do circuito de rua australiano. E quem não se lembra de Jerez 1997, em que num ato desesperado esse mesmo Schumacher jogou sua Ferrari contra a Williams do rival Jaques Villeneuve?
Mas, para usar uma frase que caiu na boca do povo, nunca antes na história deste esporte se viu um piloto cruzando a linha de chegada como campeão do mundo para 38,9 segundos depois ver o título escorrer como água da chuva pelo S do Senna. Foi realmente eletrizante! Quem esteve em Interlagos pode, daqui a anos ou décadas, contar para filhos e netos que assistiu a um dos maiores capítulos da história da F-1. Voltando um pouco no tempo, algumas colunas atrás eu disse que não enxergava em Massa um campeão mundial. E uma das razões era justamente a falta de sorte do brasileiro. E ela apareceu de novo. Na hora errada, no lugar errado e na circunstância errada. Claro que a perda do título não pode ser apenas creditada na conta do piloto. O erro da Ferrari em Cingapura, quando tirou uma vitória certa de Felipe ao autorizá-lo a sair do boxe antes do final do abastecimento, foi crucial para a perda do campeonato.
Mas a sorte é um ingrediente fundamental na receita de um campeão do mundo. Lewis Hamilton não me deixa mentir. A Fórmula-1 viu, pela primeira vez em sua história, um negro conquistar um título mundial. Tomara que ele inspire os eleitores americanos a eleger o primeiro presidente negro de sua história. O mundo agradecerá.
*Chico Silva é jornalista, wilderista (fanático por Billy Wilder) e nelson-piquetista. Em futebol, 60% santista, 40% timbu pernambucano. Bebe bem e escreve semanalmente a coluna F-Mais Umas para o Futepoca.